Jillian York analisa as questões de liberdade de expressão de um ponto de vista global. Diretora de liberdade de expressão internacional na
Electronic Frontier Foundation (EFF) e com experiência significativa no mundo árabe, ela escreve e ensina sobre navegar num mundo em que os censores e aqueles que querem evitá-los estão numa corrida constante de armamentos – tecnológicos, legais e políticos.
Antes de entrar para a EFF, Jillian York trabalhou Centro Berkman de Harvard para a Internet e a Sociedade, onde contribuiu para a
OpenNet Initiative (Iniciativa Livre de Internet). Ela também escreve uma coluna para a al-Jazeera, na qual analisa constantemente as atualidades através das lentes da liberdade da internet. Ultimamente, Jillian vem nos alertando para o perigo de usar ingenuamente o Facebook no Oriente Médio e nos preparando para nos protegermos do Google. Quando falamos – uma conversa confusa, por uma linha internacional do Skype –, perguntei-lhe sobre um aumento na regulação, a diminuição das liberdades, as redes sociais e como os jornalistas tradicionais vêm se adaptando à realidade digital.
Puxar as mídias sociais para a reportagem
Na semana passada, John Wihbey escreveuno Nieman Journalism Lab sobre um estudo feito pela London School of Economics e pela BBC chamado “Quem faz reportagens sobre os protestos?”que discute a convergência das práticas de jornalistas-cidadãos e da mídia tradicional – o que ensinaram e o que aprenderam nesse campo. Tenho curiosidade de saber o que você pensa disso.
Jillian York – Não vi o estudo, mas quando se trata de cobrir um conflito há a tentação de dar uma vista panorâmica e as mídias sociais mudaram isso, para o bem ou para o mal. Por exemplo, se você fosse um jornalista estrangeiro e fosse para o Cairo fazer uma reportagem da Praça Tahrir, havia imagens muito fortes de jornalistas se escondendo em seus quartos de hotel. Acho que foi Anderson Cooper que disse: “Estou neste hotel com outro jornalista e o perigo é tão grande que estamos acocorados”. Mas se olhasse o Twitter eu veria alguém de outro lado da cidade do Cairo dizendo que ali estava tudo calmo. Portanto, acho que isso permitiu que tivéssemos uma visão menos distorcida.
É claro que há lugar para o tradicional e para o jornalismo-cidadão nesses cenários porque realmente temos um retrato ampliado – e o jornalista tradicional muitas vezes tem mais capacidade para contextualizar. Porém, levando isso em consideração, acho que é um erro continuar fazendo a reportagem a partir de um lugar central e tentando representá-lo como locais mais abrangentes. Por isso, acho que uma das coisas que vi mudarem um pouco é a admissão, ou reconhecimento, de que a opinião do jornalista tradicional é apenas uma peça de um quebra-cabeça maior.
Acho que uma das maneiras que conseguem fazê-lo é puxando as mídias sociais para a reportagem. Acho que Robert Mackey, do New York Times, faz isso muito bem. É um jornalista profissional, passa-nos um contexto neutro, mas também introduz em certos espaços tweets fundamentais, de autores fundamentais. É incrível ver a diferença entre isso e o que fazia a CNN em 2009 durante as eleições no Irã, quando literalmente deixava rolartweets aleatoriamente, sem contexto.
“Há trabalho a ser feito com relação à neutralidade”
Se um jornalista lhe perguntasse qual a importância dos tweets ou quem são os autores importantes, o que você lhe diria? Se você toma conhecimento de um conflito pela primeira vez ou entra num lugar que não conhece, como você se deixa imergir naquela rede e entende quais são os pontos mais importantes?
J.Y. –
Ethan Zuckerman estudou isso muito. Eu mesma já fiz esse papel antes. Dois mundos que conheço bem são o Egito e os EUA. Passei muito tempo lá, tenho muitos contatos. Quando começaram os protestos, recebia muitos telefonemas de jornalistas que queriam saber quem poderia falar sobre a censura na internet, se eu poderia conectá-los a alguém. E aí a repercussão é imensa. Então, digamos que ponho esse jornalista em contato com alguém que está na Praça Tahrir nesse exato minuto e que essa pessoa pode ajudar o jornalista a aprofundar-se no conhecimento da rede. Só que não existem níveis – portanto, eu não ousaria dizer que se trata do futuro do jornalismo. Mas acho que pessoas de fora podem sempre ajudar a criar esse contexto e guiar o jornalista em direção a uma amostragem mais abrangente de pessoas.
Isso não significa que essas pessoas sejam definitivamente representativas. Por exemplo, quando eu recebia aqueles telefonemas, digamos, de alguém querendo falar com um jornalista favorável a Mubarak – eu simplesmente não conhecia tal jornalista. Mas podia dizer que Fulano é um blogueiro, Beltrano é um ativista contra julgamentos militares – e permitir ao jornalista que, a partir daí, pudesse compreender a rede.
Você acha que os jornalistas tradicionais se sentem mais à vontade com isso?
J.Y. – Claro que sim. Falei com uma porção de pessoas que desempenharam este papel. Durante algum tempo, estava sozinha, recebia os telefonemas constantemente, mas agora isso não acontece mais. E vejo outras pessoas fazendo isso pela Síria, por exemplo, onde não tenho tantos contatos. Mas ainda acho que há um risco porque os números não são neutros. Eu sei que nem sempre sou neutra – tento, pelo menos, dar o contexto a jornalistas, digamos, dizendo que esta não é uma amostra representativa. A coisa pode ser delicada – acho que ainda há trabalho a ser feito com relação à neutralidade.
“Nenhum governo conseguiu fazer a coisa certa”
Você disse que constatou ao vivo que existe menos liberdade e mais censura. Pode falar sobre como viu isso evoluir?
J.Y. – Em 2009, Alec disse que aquele foi o pior ano que tivemos para a censura na internet. Na época, era verdade – as coisas estavam piorando. O Irã vinha fazendo o que chamamos censura filtrada, quando um site é bloqueado exatamente antes de uma época eleitoral ou de um protesto, com o objetivo exclusivo de impedir que a informação se espalhe nesse período. É óbvio que esse tipo de censura é mais palatável à população porque ela sabe que pelo menos tornará a ter o Twitter de volta. Na época, foi terrível, mas de lá para cá só piorou e agora eu diria que 2012 foi o pior ano. Não só vimos o tradicional bloqueio de websites que a China e o Irã fazem, mas agora vemos governos colocando vírus e malware nos computadores de ativistas para saber o que estão fazendo. Vemos muito mais daquela censura filtrada e agora também vemos coisas mais sinistras em que governos não bloqueiam sites, mas perseguem quem ousa falar. Isso continua sendo o caso do Egito, por exemplo, onde – apesar de existir uma decisão legal de bloquear o YouTube e a pornografia – a internet ainda não é censurada, mas são presas pessoas que dizem determinadas coisas no Facebook e no Twitter. O número de táticas aumentou e diversificou-se e é isso que assusta. Tornou-se muito mais difícil desafiar e lutar contra esse tipo de censura.
Num artigo recentena revista The Atlantic
, você e Trevor Timm citam uma passagem do livro Net Delusion, de Evgeny Morozov, sobre o perigo das pessoas se tornarem “insensíveis” às “potenciais intervenções da regulação”. Você poderia explicar até que ponto você acha que não estamos conscientes dos riscos de nossas liberdades?
J.Y. – Justamente ontem (10/3), um deputado do Parlamento europeu pediu que fosse bloqueada a pornografia na internet. Ignoremos o fato de que por enquanto a pornografia é legal e, portanto, um pedido de bloqueio seria de qualquer maneira problemático. O fato é que a pornografia é algo que nunca foi possível definir e, portanto, quando você cria um mecanismo para bloquear uma coisa dessas, ele cria um sistema que fica maduro para o abuso. Tudo bem, hoje podemos bloquear pornografia infantil porque isso é ilegal. Mas amanhã podemos acrescentar pornografia legal e no dia seguinte, fotos de mulheres nuas. E no outro dia podemos banir a palavra “sexo” das buscas no Google. Uma parte do problema é que, uma vez criados esses mecanismos, a menos que você tenha uma vigilância rigorosa, transparência e responsabilidade pelas ações decorrentes, a coisa pode tornar-se uma pirambeira escorregadia. Até agora, nenhum governo conseguiu fazer a coisa certa. A Austrália tentou criar uma lista negra para impedir determinados conteúdos obscenos e, acidentalmente, acabou pondo na lista negra os sites de um dentista e de um alfaiate. Esses sistemas não são perfeitos.
Como censurar um rádio online?
Como você acha que se aplicaria o caso da pirambeira escorregadia em alguns lugares que você conheceu ao vivo ou como ensinar as pessoas a fazer reportagens nesses lugares?
J.Y. – Poucas semanas atrás eu fiz um treinamento, no Cairo, para um grupo de jornalistas que trabalhava com a censura que ocorre naquele país e uma das coisas que eles não sabiam é que a codificação não é permitida no Egito. Como jornalista, ou como um cidadão leigo, você pode não compreender isso, mas no Egito é passível de um processo. O que isso significa é que, ao permitir que os egípcios usem mensagens codificadas do Gmail, do ponto de vista técnico o Google está violando a lei. Não é essa, necessariamente, a intenção da lei – é difícil dizer o que seria, pois a lei é de 2003 –, mas quando essas leis foram criadas sem contexto, os usuários egípcios estariam violando a lei sem o saberem. Isso seria, portanto, um argumento a ser divulgado com as leis, mas também é uma sugestão de que as leis foram criadas sem compreender como seria a internet no futuro. É o mesmo que vem acontecendo – e não tenho autoridade para falar sobre isso porque não sou uma advogada americana –, por analogia, com o caso de Aaron Swartz, no qual você tem uma lei que foi criada antes, fora do contexto daquilo que seria a internet.
Estava lendo no seu blog sobre o treinamentoque você fez no Cairo e você parecia surpresa pelo que interessava àqueles jovens jornalistas. Você poderia falar sobre o que eles consideravam a informação mais valiosa?
J.Y. – Eu pensava que eles queriam falar sobre a regulação internacional da internet e quais eram as implicações decorrentes para serviços de provedores online, como Facebook e Google. Descobri que as pessoas tinham menos interesse por isso e estavam mais interessadas em aprender sobre segurança digital. Acredito que no futuro essas coisas sejam complementares, mas de qualquer maneira esse era um dos interesses mais fortes. Também estavam interessados na lei de direitos autorais e isso me surpreendeu porque em países como o Egito não há uma cultura forte de regulação sobre questões como direitos autorais e a única forma pela qual uma legislação é aplicada é através da DMCA [
Digital Millenium Copyright Act, ou Lei Digital do Milênio sobre Direitos Autorais] em sites como o Facebook ou o Google.
Um jornalista fez uma pergunta fascinante que nunca me tinham feito. Ele perguntou se um governo poderia censurar uma rádio online. Não me havia ocorrido pensar sobre que tipo de mecanismo seria necessário para fazê-lo. Podiam, é claro, fechar o site, mas e se o rádio estivesse violando a lei, se estivesse incentivando a população a cometer ações violentas? De que mecanismos disporia o governo para intervir? Fiquei desconcertada, pois não tinha uma resposta adequada.
“As pessoas sempre encontram meios de desafiar a censura”
Para onde você acha que irão os seus trabalhos e os da EFF nos próximos anos?
J.Y. – Uma coisa que eu gostaria de frisar – principalmente porque acabei de participar de um encontro sobre o assunto em Genebra – é que precisamos começar a dar mais atenção à África subsaariana. À medida que aumenta a penetração da internet e aumenta o número de pessoas online diariamente, começaremos a ver os governos se preocuparem com coisas que acontecem, por exemplo, na Nigéria, com as regulações, ou na Etiópia, com a vigilância. É um continente que, de certa maneira, ignoramos e por isso devemos dar mais atenção.
Outra coisa que eu diria é pensar mais em tecnologias. É verdade que há alguns arranjos e caminhos regulatórios que podemos adotar, mas também há uma resposta tecnológica à repressão à liberdade de expressão. A tecnologia de evasão, por exemplo, é altamente financiada pelo governo americano para uso em outros países. Isso é muito importante. Se não podemos resolver o problema por meio da regulação, como iremos dar aos usuários o poder para conseguirem acessar informação e protegerem-se da vigilância?
Você vê mudanças nesse campo da mídia?
J.Y. – Não conheço a questão da África, em particular, mas se você avalia o Oriente Médio, por exemplo, o panorama da mídia vem mudando dramaticamente. Nos países em que as revoluções começaram, você não só vê a ascensão de um jornalismo revolucionário, ou ativista, como uma ascensão do jornalismo conservador – uma ascensão em lugares inesperados. Acho que quase todos os jornais importantes do Egito têm sua sede no Cairo. Grande parte do aumento em jornalismo-cidadão permite-nos conhecer melhor diferentes partes do país que de outra maneira não conheceríamos.
E você vê essa diversidade de vozes aumentando apesar do aumento da regulação?
J.Y. – Espero que sim, com certeza. É óbvio que há exceções. Acho que as coisas podem piorar no Irã e, definitivamente, na Síria. Mas, em grande parte, as pessoas encontram meios de burlar a censura. Mesmo com essas regulações aumentando, acho que ainda se verá uma agitação de jornalistas-cidadãos e, até certo ponto, dos jornalistas profissionais.
E como irão eles burlar a censura?
J.Y. – O que ocorre é que os governos ainda não encontraram uma maneira de acompanhar a criação de novos sites. Portanto, mesmo que seu site esteja bloqueado, você pode criar outro ao final do dia ou torná-lo acessível a partir de vários URLs diferentes. As pessoas sempre encontram e sempre encontraram meios de desafiar a censura dos governos. À medida que os governos se tornam mais sofisticados, há o receio de que persigam os jornalistas, um por um. O outro receio é o de que descubram mais rapidamente maneiras de bloquear os sites. Mas aí pensaremos em algo novo. A tecnologia quase sempre chega junto.