Fantasmas na Justiça ainda assombram Renan. Eleito presidente do Senado pela quarta vez, peemedebista ainda responde na Justiça por denúncia que o derrubou do cargo e quase lhe custou o mandato em 2007. Senador é alvo de dois inquéritos no STF e duas ações por improbidade administrativa (foto: Geraldo Magela/Agência Senado)
Eleito presidente do Senado pela quarta vez, peemedebista enfrenta denúncia que o derrubou do cargo e quase lhe custou o mandato, em 2007. Ele é alvo de dois inquéritos no STF e duas ações por improbidade administrativa
Reeleito para a sua quarta gestão à frente do Senado, o senador Renan Calheiros (PMDB-AL) ainda convive com os fantasmas que o fizeram deixar a presidência da Casa pela porta dos fundos e que quase lhe custaram o mandato parlamentar. Apontado em reportagens da revista Veja e do jornal O Estado de S.Paulo como um dos nomes citados na Operação Lava Jato, Renan se esquiva sobre o assunto, alegando que tudo não passa de especulação e que não há qualquer inquérito aberto contra ele por envolvimento em irregularidades na Petrobras. Mas o presidente reeleito do Senado acumula outras pendências na Justiça.
Renan é alvo de duas investigações no Supremo Tribunal Federal (STF), corte responsável pela análise e pelo julgamento das acusações criminais contra deputados, senadores e outras autoridades federais. O senador também foi denunciado duas vezes por improbidade administrativa na Justiça do Distrito Federal no ano passado. Mas ainda não há decisão da Justiça sobre esses processos.
Bois de Alagoas
No Supremo, a acusação mais grave contra Renan remonta a 2007, ano em que renunciou à presidência para preservar o mandato e escapou duas vezes, em votação secreta no plenário, da cassação do mandato. No Inquérito 2593, ele é acusado pelo Ministério Público Federal de ter cometido os crimes de peculato (desvio de verba ou bem público por funcionário público), falsidade ideológica e uso de documento falso no chamado caso dos “bois de Alagoas”.
No começo de 2013, às vésperas da volta de Renan à presidência do Senado, o então procurador-geral da República, Roberto Gurgel, chegou a pedir ao Supremo que aceitasse a denúncia e transformasse o peemedebista em réu. Dois anos depois, o parecer ainda não foi examinado pelos ministros. Novas diligências foram realizadas, mas os autos não tiveram nenhuma movimentação desde outubro do ano passado. A relatoria é do ministro Ricardo Lewandowski, presidente do STF. Em nota divulgada à época, Renan rebateu a acusação: “A denúncia do Procurador-Geral da República ao Supremo Tribunal Federal (…) padece de suspeição e possui natureza nitidamente política”.
Pensão e lobista
Esse caso tem desdobramento na esfera cível. Em setembro do ano passado, Renan foi denunciado por improbidade administrativa pelo Ministério Público Federal na 14ª Vara Federal do DF. Na ação, os procuradores acusam o senador de se enriquecer ilicitamente, de ter evolução patrimonial incompatível com o cargo e de forjar documentos para comprovar que tinha dinheiro para bancar despesas pagas, segundo a denúncia, pela empreiteira Mendes Júnior.
As investigações, tanto a criminal quanto a cível, vêm da denúncia de que Renan teve despesas pessoais pagas pelo lobista Cláudio Gontijo, da Mendes Júnior. A acusação de que o lobista pagava pensão de R$ 16,5 mil mensais à jornalista Mônica Veloso, com quem Renan tem uma filha, levou o peemedebista ao primeiro dos seis processos de cassação que enfrentou em 2007. Na época, o Conselho de Ética recomendou a cassação de seu mandato por quebra de decoro. O parecer foi derrubado pelo plenário.
Presidente do Senado na época, ele se licenciou do cargo por pressão dos colegas e renunciou à presidência depois do surgimento de novas denúncias. Voltou a ser julgado no plenário, acusado de ser sócio oculto de emissoras de rádio no estado. Novamente foi absolvido.
No processo por improbidade administrativa, o Ministério Público afirma que a Mendes Júnior pagou pelo menos R$ 246 mil para Mônica Veloso. O lobista e o senador confirmaram, na época, os repasses à jornalista. Mas alegaram que o dinheiro pertencia a Renan. “Não é minimamente crível que o senador tivesse preferido sacar o dinheiro, entregá-lo ao requerido Cláudio para então repassá-lo à senhora Mônica, quando poderia tê-lo feito diretamente”, afirmam os procuradores no processo, segundo relato do Estadão.
Emenda e gado
A ação sustenta, ainda, que Renan não conseguiu comprovar de que maneira pagou uma dívida de R$ 100 mil de pensão alimentícia da filha. De acordo com a acusação, o peemedebista beneficiou a empreiteira com emendas ao orçamento nos anos de 2005 e 2006, ao sugerir o direcionamento de recursos para obras tocadas pela empresa em Alagoas. Entre 2004 e 2006, a Mendes Júnior recebeu R$ 13,2 milhões em emendas parlamentares de Renan destinadas a uma obra no porto de Maceió.
Na investigação em andamento no Supremo sobre o caso, a Procuradoria-Geral da República acusa o peemedebista de ter apresentado documentos falsos para forjar uma renda com a venda de gado em Alagoas e assim justificar seus gastos pessoais. Ainda na denúncia apresentada por Roberto Gurgel, Renan é acusado de ter desviado R$ 44,8 mil do Senado por meio da chamada verba indenizatória, benefício ao qual os parlamentares têm direito para cobrir despesas associadas ao mandato.
Crime ambiental
A investigação mais recente contra Renan é por crime ambiental e foi aberta um mês antes de ele ser eleito para o seu terceiro mandato, no começo de 2013. No Inquérito 3589, ele é suspeito de ter praticado crime ambiental em uma obra realizada nos arredores de sua fazenda em Alagoas. A pavimentação, com paralelepípedos, foi feita em uma estrada de 700 metros na estação ecológica Murici, administrada pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), no município de Flexeiras, a 66 km de Maceió.
De acordo com o inquérito, o instituto do governo federal não foi consultado e não concedeu qualquer licença ou autorização para a obra. A unidade, de 6 mil hectares, conserva áreas de Mata Atlântica. A estrada liga a Fazenda Alagoas, da Agropecuária Alagoas Ltda., de Renan, à principal rodovia que corta o estado, a BR-101.
Jatinhos da FAB
Renan ainda é alvo de uma ação por improbidade administrativa movida pela Procuradoria da República em Brasília por meio do Núcleo de Combate à Corrupção. O processo, que está parado desde junho na 17ª Vara Federal de Brasília, conforme revelou em janeiro a revistaÉpoca, foi aberto depois que Renan utilizou duas vezes, em 2013, jatinhos da Força Aérea Brasileira (FAB) para fins não institucionais, ao contrário do que prevê a Constituição, mas por interesse particular. No caso, uma viagem de Brasília para Recife, onde fez tratamentos de beleza que incluíram cirurgia nas pálpebras para revigorar o entorno dos olhos e implante de 10 mil fios de cabelo com um especialista no assunto.
Em 15 de junho daquele ano, no auge dos protestos de rua que abalaram o país, Renan viajou novamente em jato da FAB de Maceió para Porto Seguro, na Bahia. Dessa vez, para prestigiar o casamento de uma filha do senador Eduardo Braga (PMDB-AM), atual ministro de Minas e Energia. A ação, que pede ainda a cassação do mandato de Renan, é assinada pelo procurador Anselmo Lopes.
Após a publicação de reportagens sobre o uso do jatinho da FAB para interesse particular, Renan devolveu aos cofres públicos os valores relativos aos voos. Pagou R$ 32 mil pela viagem do implante e outros R$ 27 mil pelo voo a Porto Seguro. Para o Ministério Público, isso foi uma confissão do “uso indevido do bem público”. “Renan Calheiros, de má-fé, utilizou-se da função que ocupa, de presidente do Senado Federal, para usar, por duas vezes, bem público em proveito próprio, obtendo vantagem patrimonial indevida, em prejuízo econômico ao Erário”, escreveu na denúncia o procurador Anselmo.
Mas o juiz João Carlos Mayer alegou que o caso não era de sua alçada e sua análise caberia tão somente ao Supremo, embora o próprio STF determine o contrário em ações de improbidade. Caberá ao procurador-geral da República, Rodrigo Janot, também responsável pelo andamento das investigações da Lava Jato contra autoridades federais, decidir se o processo continua ou não.