quinta-feira, 7 de janeiro de 2016

O capitalismo de estado tem de ser diariamente combatido


Quanto maior e mais poderoso um governo, quanto mais leis e regulamentações ele cria, mais os empresários poderosos e com boas conexões políticas irão se aglomerar em torno dele para obter privilégios.
Quanto maior e mais poderoso um governo, quanto mais leis e regulamentações ele cria, mais brechas ele abre para que empresários poderosos se beneficiem à custa dos concorrentes e da população como um todo.
Tais empresários irão, por meio de favores pessoais ou de propinas, burlar estas leis e regulamentações (com o aval de políticos) ao mesmo tempo em que defenderão a imposição destas leis e regulamentações sobre seus concorrentes.  
Isso, obviamente, não é capitalismo genuíno, mas sim uma variação do mercantilismo. Trata-se de um capitalismo mercantilista, um capitalismo de compadrio, um capitalismo regulado em prol dos regulados e dos reguladores, e contra os consumidores.
Neste sistema econômico, o mercado é artificialmente moldado por uma relação de conluio entre o governo, as grandes empresas e os grandes sindicatos.  Políticos concedem a seus empresários favoritos uma ampla variedade de privilégios que seriam simplesmente inalcançáveis em um genuíno livre mercado. 
Há a criação de privilégios legais, que vão desde restrições de importação, subsídios diretos, tarifas protecionistas, empréstimos subsidiados feitos por bancos estatais, e agências reguladoras criadas com o intuito de cartelizar o mercado e impedir a entrada de concorrentes estrangeiros, até coisas mais paroquiais como a obrigatoriedade do uso de extintores e do kit de primeiros socorros nos automóveis e a obrigatoriedade do uso de canudinhos plastificados (devidamente fornecidos pela empresa lobbista) em bares e restaurantes.  
E há a criação de privilégios ilegais, que vão desde fraudes em licitações e superfaturamento em prol de empreiteiras (cujas obras são pagas com dinheiro público) a coisas mais paroquiais como a concessão de bandeiras de postos de combustíveis para empresários que pagam propina a determinados políticos (bandeiras essas negadas para empresários honestos e menos poderosos).
Em troca, os empresários beneficiados lotam os cofres de políticos e reguladores com amplas doações de campanha e propinas. A criação destes privilégios pode ocorrer ou abertamente, por meio de lobbies e da atuação grupos de interesse, ou na surdina, por meio do suborno direto.
Em ambos os casos, empresários poderosos e grupos de interesse conseguem obter privilégios mediante o uso da coerção estatal.  E isso só é possível porque há um estado grande que a tudo controla e tudo regula.
Um estado grande sempre acaba convertendo-se em um instrumento de redistribuição de riqueza: a riqueza é confiscada dos grupos sociais desorganizados (os pagadores de impostos) e direcionada para os grupos sociais organizados (lobbies, grupos de interesse e grandes empresários com conexões políticas.
A crescente concentração de poder nas mãos do estado faz com que este se converta em um instrumento muito apetitoso para todos aqueles que saibam como manuseá-lo para seu benefício privado.
Os libertários, obviamente, se opõem radicalmente a ambos esses arranjos, tanto o legal quanto o ilegal. 
E a receita que propõem é bem simples: se os lobbies, os grupos de interesse e as propinas surgem porque o estado detém um grande poder regulatório e decisório, então nada mais lógico do que reduzir o estado a uma mínima expressão.
O problema é que esta receita rapidamente gera algumas dúvidas e suspeitas legítimas entre aqueles que estão dispostos a fazer um debate racional (e não um emocional e ideologizado): se por acaso o estado fosse reduzido a uma expressão mínima, os lobbies e grupos de interesse não acabariam tendo muito mais poder do que têm hoje?  Será que não necessitamos de um estado forte justamente para que ele mantenha os grupos de interesse dominados (muito embora a empiria confirme que os lobbies e os grupos de interesse prosperam justamente com estados fortes)? A diminuição do estado não levaria à criação de uma oligarquia capaz de nos impor unilateralmente suas vontades?
A resposta a todas essas perguntas sensatas é um sonoro 'não', e o motivo está vinculado ao conceito de autoridade política.
A autoridade política
Por que a maioria das pessoas aceita e legitima que o estado faça coisas que, caso fossem feitas por agentes privados, seriam vistas com horror?
Por exemplo, a maioria das pessoas vê com naturalidade que o estado cobre impostos dos trabalhadores e distribua esse dinheiro para ONGs, artistas e movimentos sociais, mas consideraria uma aberração caso uma turba invadisse uma casa, tomasse a carteira do morador e desse esse mesmo dinheiro para ONGs, artistas e movimentos sociais.  Igualmente, a maioria das pessoas vê com naturalidade que o estado restrinja — por meio da burocracia, da alta carga tributária e das licenças ocupacionais — a liberdade de empreendimento das pessoas, mas consideraria uma aberração caso um grupo qualquer, de maneira idêntica, também coibisse outras pessoas de empreender.
Por fim, a maioria das pessoas vê com naturalidade que o estado conceda monopólios e reservas de mercado (via agências reguladoras) para grandes empresas, mas consideraria uma aberração caso empresários se auto-arrogassem esses privilégios.
Por que então toleramos que o estado incorra em atividades que condenaríamos de imediato caso fossem executadas por indivíduos?
Porque, como bem explicou o filósofo Michael Huemer no livro  The Problem of Political Authority, o estado usufrui autoridade política.  Autoridade política seria a legitimidade política socialmente reconhecida ao estado para impor leis e usar a coerção sobre a sociedade (sociedade esta que, por sua vez, tem a obrigação política de obedecê-lo).  Segundo Huemer, embora a autoridade política seja limitada territorialmente (um estado possui autoridade política somente dentro de seu território), ela é total dentro deste território (todos, ou quase todos, os cidadãos são obrigados a obedecer ao estado).  Adicionalmente, o estado teria a legitimidade para legislar sobre diversas questões e o conteúdo dessas legislações seria quase ilimitado.  Por fim, trata-se de uma exercício de supremacia, pois, dentro deste território, não há nada que esteja hierarquicamente acima do estado.
Neste sentido, podemos definir o estado como aquele ente ao qual a imensa maioria dos cidadãos concede e reconhece autoridade política.  O estado, portanto, pode fazer o que faz porque o conjunto da sociedade aceita lhe conceder um vasto poder discricionário — poder este que a sociedade concede somente ao estado.
Os políticos "patrimonializam" autoridade política
Ao menos no Ocidente, os lobbies, os grupos de interesse e os empresários carecem de autoridade política.  Se a possuíssem, poderiam atuar à margem do estado, e consequentemente não teriam de exercer essa onerosa intermediação sobre o estado.  Se a possuíssem, poderiam por conta própria fechar mercados, criar monopólios, impor tarifas de importação, estipular licenças ocupacionais, e auferir subsídios para si próprios.
Obviamente, portanto, os lobbies, os grupos de interesse e os empresários carecem de autoridade política para exercerem, sozinhos, todos estes despautérios.  A sociedade não aceitaria que nenhuma empresa ou associação de pessoas se arrogassem tais poderes.  E, justamente por carecerem de autoridade política própria, os lobbies, os grupos de interesse e os empresários encontram apenas uma única via para exercê-la em proveito próprio: valendo-se da autoridade política que possui o estado.
E é exatamente a isso que se dedicam: a exercer pressão sobre os mandatários, a quem os cidadãos reconhecem autoridade políticas.  Em outras palavras, os políticos terceirizam os direitos de uso de sua autoridade política no mercado negro dos lobbies e das propinas: aquele grupo de interesse ou aquele empresário mais pujante receberá o favor do político correspondente.
A estratégia dos políticos, portanto, consiste em "patrimonializar" a autoridade política que a população lhe concedeu.  O político capitaliza essa sua autoridade e a arrenda a quem oferecer mais.
A solução libertária?  Limitar enormemente (ou até mesmo eliminar) a autoridade política que socialmente concedemos e reconhecemos ao estado.
E se o estado não possuísse (tanta) autoridade política?
Se o estado deixa de dar subvenções aos lobbies, aos grupos de interesse e aos empresários bem conectados, estes não irão adquirir autoridade política para cobrar privilégios da sociedade.  A sociedade é perfeitamente capaz de se auto-coordenar perfeitamente neste quesito.  Não é necessário haver uma "autoridade política que determine a transferência de renda de grupos menos organizados para grupos mais organizados".
O mesmo é válido para todas as hiper-regulamentações estatais que atualmente beneficiam grandes empresas e grupos de interesse.
Em definitivo, minimizar o tamanho do estado — deixar de lhe reconhecer autoridade política sobre várias atividades que hoje ele exerce — não implica maximizar o poder dos lobbies, dos grupos de interesse e dos grandes empresários, mas sim minimizá-lo por igual: tais grupos carecem de autoridade política para exercer coerção sobre a sociedade e, por isso, têm de instrumentalizar o estado (que no momento usufrui essa autoridade) a seu favor.
Diminuir drasticamente o estado não é sinônimo de repartir o poder político, mas sim de diminuí-lo.  A sociedade livre pode se autocoordenar internamente por meio da propriedade privada individual, das co-propriedades coletivas e dos contratos voluntários.  Se muito, pode-se ter uma autoridade política ultralimitada que se encarregue exclusivamente de velar pelo respeito aos contratos, mas nada mais.
Esse é, portanto, o caminho para se lutar contra a corrupção, contra os grupos de interesse e contra os lobbies empresariais: reduzir ao máximo o tamanho do estado para que se permita a pacífica, cooperativa e espontânea coordenação interna de uma sociedade.
Com estado grande, intervencionista e ultra-regulador, lobbies, grupos de interesse e subornos empresariais sempre serão a regra.
______________________________________
Juan Ramón Rallo, diretor do Instituto Juan de Mariana e professor associado de economia aplicada na Universidad Rey Juan Carlos, em Madri.  É o autor do livro Los Errores de la Vieja Economía.
Leandro Roque é o editor e tradutor do site do Instituto Ludwig von Mises Brasil.

Reprodução do original publicado no blog do "IMB" -Instituto Ludwig Von Mises -Brasil

fonte: http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=2231

O socialismo clássico já foi rechaçado; o inimigo agora é outro


 O século XX testemunhou o surgimento, a expansão e o fim do mais trágico experimento da história humana: o socialismo.  O experimento resultou emsignificativas perdas humanas, destruição de economias potencialmente ricas, e colossais desastres ecológicos.  O experimento terminou, mas a devastação irá afetar as vidas e a saúde das futuras gerações.
A real tragédia deste experimento é que Ludwig von Mises e seus seguidores — que estão entre as melhores mentes econômicas deste século — já haviam explicitado a verdade sobre o socialismo ainda em 1920, mas seus alertas foram ignorados. — Yuri Maltsev (1990).
O socialismo está morto tanto como ideologia quanto como movimento político.  Trata-se de um exemplo de um deus que fracassou.
O socialismo é uma forma muito específica de opinião econômica.  Um socialista acredita que o governo deve ser o proprietário dos meios de produção.  É isso que o socialismo sempre significou: controle estatal dos meios de produção.
Quando Ludwig von Mises refutou o socialismo em 1920, ele tinha em mente exatamente esse enfoque econômico. 
Eis o seu argumento comprovando que o socialismo é uma impossibilidade prática: se o governo detém todos os bens de capital (máquinas, ferramentas, instalações etc.) de uma economia, então não há um mercado para esses bens.  Não havendo mercado para esses bens, não há uma correta formação de preços para eles.  Sem preços, os planejadores não têm como estabelecer o valor dessas ferramentas.  Consequentemente, não há como uma agência de planejamento central determinar quais são os custos de produção dos bens de consumo mais demandados.  Com efeito, não há sequer como determinar quais os bens de consumo mais demandados.  É necessário haver um livre mercado para que haja uma precificação dos bens de consumo e dos bens de capital.  Em uma economia socialista, não há nenhum dos dois.  Consequentemente, disse Mises, um planejamento econômico socialista é inerentemente irracional.
Esse argumento de Mises foi ignorado pela vasta maioria dos socialistas, e nunca foi levado a sério pelos keynesianos.
No entanto, quando a economia da União Soviética entrou em colapso no final da década de 1980, ficou claro pelo menos para Robert Heilbroner, professor de economia multimilionário e de esquerda, que Mises estava certo.  Ele próprio admitiu isso em um artigo na revista The New Yorker intitulado "Após o Comunismo" (10 de setembro de 1990). Ele literalmente disse a frase: "Mises estava certo". 
Ato contínuo, Heilbroner disse que os socialistas teriam de mudar de tática, parando de acusar o capitalismo de ineficiência e desperdício, e passar a acusá-lo de destruição ambiental.  Consequentemente, deveriam ser criadas inúmeras burocracias, regulamentações e leis com a explícita intenção de subverter totalmente as características do capitalismo a ponto de fazer com que, segundo os próprios socialistas, o novo arranjo social gerado não possa de modo algum ser considerado capitalismo. 
Adicionalmente, Heilbroner disse que o socialismo era simplesmente uma ideologia morta.
No momento, não há virtualmente ninguém fora da América Latina, da Coréia da Norte e do Zimbábue que abertamente argumente em favor do socialismo clássico.  Coréia do Norte e Cuba oficialmente são economias comunistas.  Como consequência, são assolados pela miséria.  Suas economias não têm influência nenhuma no mundo.  Ninguém mentalmente são utiliza esses países como modelo econômico.  O Zimbábue é gerido por uma tribo marxista, e também ninguém quer imitá-lo.
Embora os marxistas costumassem alegar que as deficiências da União Soviética nada tinham a ver com o marxismo, o fato é que a humilhante dissolução de um regime que sempre afirmou ser marxista representou um profundo e fatal golpe para a ideologia.
Conheci vários marxistas no norte da Nigéria.  Eles eram jovens e confusos, mas acreditavam em uma explicação vagamente marxista para seu descontentamento.  Eles não eram militantes, exceto mentalmente.  Se houvesse uma manifestação, eles talvez se juntassem a ela, mas não matariam ninguém pela ideologia.  Eles se contentavam meramente em proferir palavras.
Com o colapso da União Soviética, surgiu um vácuo ideológico para aquelas pessoas que buscavam uma explicação total para seu descontentamento — pessoas que, graças à difusão cultural, eram provavelmente mais numerosas e estavam mais desesperadas do que nunca.  A única alternativa disponível, e uma muito mais profunda do que o marxismo, era o islamismo fundamentalista.  O islã prospera naqueles locais onde o marxismo não mais possui grande influência.
O principal inimigo é outro
Com o colapso do socialismo clássico ocorreu o fortalecimento dos social-democratas. 
Estes aceitam a existência de uma economia de mercado e também aceitam a propriedade privada sobre a maior parte dos meios de produção.  Aceitam também que o mercado precifique grande parte dos bens de consumo de uma economia. 
Mas, assim como os socialistas, eles defendem políticas redistributivistas.  Assim com os socialistas, eles defendem o confisco de uma fatia da renda dos indivíduos produtivos da sociedade e sua subsequente distribuição para os não-produtivos.  Assim como os socialistas, eles acreditam que os burocratas do governo devem intervir no mercado e redistribuir riqueza.  Eles não se importam se isso irá reduzir o crescimento econômico.  Eles são motivados pela inveja.  Eles estão dispostos a ver uma economia produzindo menos desde que isso satisfaça sua demanda por algo que seja semelhante a uma igualdade econômica.
Mas há diferenças.
Ao passo que, para os socialistas clássicos, o objetivo era a estatização dos meios de produção, a erradicação da classe capitalista, e a tomada de poder pelo proletariado, os social-democratas entenderam ser muito melhor um arranjo em que o estado mantém os capitalistas e uma truncada economia de mercado sob total controle, regulando, tributando, restringindo e submetendo todos os empreendedores às ordens do estado. 
O objetivo social-democrata não é necessariamente a "guerra de classes", mas sim um tipo de "harmonia de classes", na qual os capitalistas e o mercado são forçados a trabalhar arduamente para o bem da "sociedade" e do parasítico aparato estatal.  Os social-democratas, muito mais espertos que os socialistas, entenderam que têm muito mais a ganhar caso permitam que os capitalistas continuem produzindo e gerando riquezas, ficando os social-democratas com a tarefa de confiscar uma fatia dessa riqueza e redistribuí-la para suas bases.
Politicamente, os socialistas clássicos queriam uma ditadura do partido único, com todos os dissidentes sendo enviados para os gulags.  Já os social-democratas preferem uma ditadura "branda" — aquilo que Herbert Marcuse, em outro contexto, rotulou de "tolerância repressiva" —, com um sistema bipartidário em que ambos os partidos concordam em relação a todas as questões fundamentais, discordando apenas polidamente acerca de detalhes triviais — "a carga tributária deve ser de 37% ou de 36,2%?".
E há características de atuação ainda mais nefastas.
Ao mesmo tempo em que os social-democratas mantêm os pequenos empresários sob restritos controles e regulamentações, eles fornecem trânsito livre para os grandes empresários, os quais, em troca de propinas e doações de campanha, usufruem a liberdade de fazer conluio com políticos e burocratas e, com isso, auferirem grandes privilégios e favores.  Políticos concedem a seus empresários favoritos uma ampla variedade de privilégios que seriam simplesmente inalcançáveis em um livre mercado.  Os privilégios mais comuns são restrições de importação, subsídios diretos, tarifas protecionistas, empréstimos subsidiados feitos por bancos estatais, e agências reguladoras criadas com o intuito de cartelizar o mercado e impedir a entrada de concorrentes estrangeiros
(E estamos aqui desconsiderando os privilégios ilegais, como as fraudes em licitações e o superfaturamento em prol de empreiteiras, cujas obras são pagas com dinheiro público).
Em troca desses privilégios (legais e ilegais), os grandes empresários beneficiados lotam os cofres de políticos e burocratas com amplas doações de campanha e propinas.
Ou seja, neste arranjo social-democrata, quem realmente arca com a fatura são os pequenos empresários e os assalariados que trabalham nessas pequenas empresas.
Economicamente, os social-democratas são keynesianos.  Mas é um grande erro dizer que o keynesianismo é socialista.  O keynesianismo claramente não é socialista.  O keynesianismo defende as características básicas do capitalismo.  Sempre defendeu.  O próprio Keynes poderia ser considerado um defensor do capitalismo.  Ele acreditava que, para aditivar a economia, o estado deveria intervir no mercado aumentando seus gastos.  Para isso, ele defendia que o estado ou criasse dinheiro do nada ou pegasse dinheiro emprestado dos capitalistas.  Keynes queria que o estado saísse comprando bens e serviços para estimular a economia.  Ele queria ver uma expansão do capitalismo, mas ele acreditava que os déficits orçamentários do governo e a inflação monetária do banco central seria a melhor maneira de restabelecer a produtividade econômica do capitalismo durante uma recessão.
Na prática, o keynesianismo é uma política que beneficia grandes empresários.  Sempre que o governo aumenta os gastos públicos e incorre em déficits orçamentários, ele aumenta os lucros de alguns empresários privilegiados (ou ineficientes) à custa dos pagadores de impostos.
Por exemplo, se o governo disser que irá gastar mais com assistencialismo, os bancos irão financiar o déficit e os pagadores de impostos ficarão com os juros.  Se o governo disser que irá gastar mais com saúde, além dos bancos, as empresas do ramo médico — desde as grandes fornecedoras de equipamentos caros aos mais simples vendedores de luvas de borracha — também irão lucrar mais. 
Quando o governo decide "estimular" a economia por meio de mais gastos, ele pode fazer duas coisas: ou ele pode contratar uma empresa privada para fazer alguma obra de infraestrutura, ou ele pode executar seus dispêndios por meio de alguma estatal, o que inevitavelmente também gerará toda uma série de lucros privados, não apenas em prol de seus empregados, mas também e principalmente em prol de empreiteiras, fornecedores, clientes etc.
Conclusão
Social-democratas são keynesianos e são defensores do estado assistencialista e do capitalismo de estado.  Eles defendem regulação da economia, impostos sobre todo o setor produtivo e privilégios para grandes empresas.  Isso custa caro em termos de impostos e regulamentações para os pequenos empresários.
Eles querem dirigir o sistema capitalista da mesma maneira que os fascistas da década de 1930
Eles defendem que os meios de produção sejam propriedade privada, mas querem especificar aos proprietários o que eles podem e o que eles não podem fazer com seu capital.  Eles querem dirigir a produtividade do capitalismo. 
Em troca disso, concedem favores e privilégios aos grandes empresários.
Eles, a princípio, não defendem estatização dos meios de produção (isso é um fetiche marxista).  Eles apenas querem ter o porrete para dirigir o sistema produtivo, mas não querem a responsabilidade por ter feito isso.
Eles estão satisfeitos em ter um sistema corporativo produtivo o suficiente para beneficiar o governo com grandes receitas.  Eles gostam dessa galinha dos ovos de ouro.  Parasitas não querem matar seus hospedeiros. 
Já o socialismo é, por definição, uma filosofia econômica na qual o hospedeiro é morto.  A esquerda atual é majoritariamente composta por parasitas, idealistas e bon vivants, e não por comunistas linha dura.  A esquerda atual quer manter os ovos de ouro fluindo para seus cofres.
O keynesianismo, a social-democracia e o conluio entre políticos keynesianos e grandes empresários são os inimigos atuais.
____________________________________________
Murray N. Rothbard (1926-1995) foi um decano da Escola Austríaca e o fundador do moderno libertarianismo. Também foi o vice-presidente acadêmico do Ludwig von Mises Institute e do Center for Libertarian Studies.
Gary North, ex-membro adjunto do Mises Institute, é o autor de vários livros sobre economia, ética e história.


FONTE: http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=2251

Reprodução do original publicado no blog do "IMB" - Instituto Ludwig Von Mises -Brasil

O grande inimigo da atualidade - e como lutar contra ele por Murray N. Rothbard

 "O grande inimigo da atualidade - e como lutar contra ele por Murray N. Rothbard " -Reprodução da publicação original do blog do Instituto Von Mises - Brasil ( "IMB")

Qual o principal inimigo da atualidade, contra o qual os defensores da liberdade devem lutar fervorosamente?
Qual foi o arranjo sócio-econômico que ascendeu vigorosamente com a derrocada do comunismo, que se estabeleceu praticamente sem rivais, que é protegido e defendido fervorosamente pela "mídia respeitável" e que representa uma ameaça tanto às liberdades individuais e econômicas quanto à família e à tradição?

A social-democracia.
Não apenas a social-democracia, em todos os seus formatos e disfarces, é onipresente e já demonstrou ser mais longeva que seu parente mais violento, o comunismo, como também os social-democratas — agora que Stalin e seus herdeiros estão fora do caminho — são implacáveis em sua avidez para a conquista do poder total. 
Os bolcheviques, comunistas, foram substituídos pelos seus primos mencheviques, social-democratas.
Por serem defendidos pela "Mídia Respeitável" e por adornarem seus reais objetivos de poder absoluto em uma linguagem polida e politicamente correta, os social-democratas são inimigos traiçoeiros e lisos.  Exatamente por isso eles têm de ser combatidos vigorosamente.
Mas apenas apontar o dedo para a social-democracia não basta.  Uma coisa é reconhecer o arranjo inimigo; outra coisa, tão essencial quanto, é reconhecer os integrantes deste arranjo.
E esta é uma questão que não pode de modo algum ser deixada para depois.  Ao contrário, aliás: ela deve ser abordada antes de qualquer plano de ação. 
Como operam
Os marxistas, que sempre dedicaram uma enorme quantidade de tempo pensando em uma estratégia para seu movimento, sempre se fizeram a seguinte pergunta: quem é o agente da mudança social?  O marxismo clássico encontrou uma resposta fácil: o proletariado. 
Porém, com o passar do tempo — e com a recusa do proletariado em ser este agente da mudança —, as coisas foram se tornando menos definidas, e o agente da mudança social passou por sucessivas alterações: camponeses, mulheres oprimidas, minorias, e todos os tipos de grupos vitimológicos (negros, feministas, gays, deficientes, índios, cegos, surdos, mudos etc) que aceitassem este papel.
Atualmente, a questão relevante está do outro lado da moeda: quem são os vilões que dão sustento à social-democracia?  Quem são os agentes das mudanças sociais negativas?  Mais ainda: quais grupos da sociedade representam as maiores ameaças para a liberdade? 
Basicamente, sempre foram apresentadas duas respostas: (1) as massas que vivem de assistencialismo e que, por isso, são apologistas do estado; e (2) as elites que controlam o poder (políticos e grandes empresários ligados a esses políticos).
Ainda em minha juventude, concluí que o maior perigo sempre foi a segunda opção — a elite dominante —, e pelos seguintes motivos.
Em primeiro lugar, mesmo que as massas dependentes do estado tenham o potencial para se rebelar de forma violenta e passar a agir como se seu sustento fosse um direito inalienável ("direito", no caso, nada mais é do que um dever impingido aos pagadores de impostos), o fato é que tais massas simplesmente não têm tempo para se dedicar à política e às peripécias e trapaças do jogo político.  O cidadão pertencente a este grupo passa a maior parte do seu tempo cuidando de seus afazeres rotineiros, interagindo com seus amigos e se divertindo com a família.  Apenas muito esporadicamente ele irá se interessar por política ou se engajar politicamente em uma causa.
As únicas pessoas que têm tempo para se dedicar à política são os profissionais: burocratas, políticos e grupos de interesse (lobistas e grandes empresários) que dependem diretamente das regras estipuladas por políticos e burocratas.   Estes últimos (lobistas e grandes empresários), em particular, usufruem trânsito livre junto a políticos e burocratas do governo, os quais, em troca de propinas e doações de campanha, concedem a esses empresários uma ampla variedade de privilégios que seriam simplesmente inalcançáveis em um livre mercado.  Os privilégios mais comuns são restrições de importação, subsídios diretos, tarifas protecionistas, empréstimos subsidiados feitos por bancos estatais, e agências reguladoras criadas com o intuito de cartelizar o mercado e impedir a entrada de concorrentes estrangeiros
(E estamos aqui desconsiderando os privilégios ilegais, como as fraudes em licitações e o superfaturamento em prol de empreiteiras, cujas obras são pagas com dinheiro público).
Em troca desses privilégios (legais e ilegais), os grandes empresários beneficiados lotam os cofres de políticos e burocratas com amplas doações de campanha e propinas.
Dado que tais pessoas ganham muito dinheiro com o jogo político, elas são intensamente interessadas no assunto, e dedicam vinte e quatro horas de seus dias pensando em novas maneiras de espoliar a população em benefício próprio.  Sendo assim, estes grupos de interesse sempre representarão um perigo muito maior para a nossa liberdade e propriedade do que as massas desinteressadas.
Esta foi a constatação básica dos seguidores da Teoria da Escolha Pública.  Os únicos outros grupos interessados em política em tempo integral são aqueles que se interessam em estudar o assunto, ideólogos como nós, um segmento nada volumoso da população.  Portanto, o problema está tanto na elite que controla o aparato estatal quanto na elite cuja riqueza depende diretamente das políticas implantadas por este aparato estatal. 
Um segundo ponto crucial é que a social-democracia, com seu estado fiscalmente voraz e obeso, divide a sociedade em dois grupos: a elite dominante, que necessariamente é a minoria da população, e que é sustentada pelo segundo grupo — nós, o resto da população.  Neste quesito, sempre recomendo um dos mais brilhantes ensaios já escritos sobre filosofia política: Disquisition on Government, de John C. Calhoun.  Segundo Calhoun:
[O] inevitável resultado desta iníqua ação fiscal do governo será a divisão da sociedade em duas grandes classes: uma formada por aqueles que, na realidade, pagam os impostos — e, obviamente, arcam exclusivamente com o fardo de sustentar o governo —, e a outra formada por aqueles que recebem sua renda por meio do confisco da renda alheia, e que são, com efeito, sustentados pelo governo.  Em poucas palavras, o resultado será a divisão da sociedade em pagadores de impostos e consumidores de impostos.
Porém, o efeito disso será que ambas as classes terão relações antagonistas no que diz respeito à ação fiscal do governo e a todas as políticas por ele criadas.  Pois quanto maiores forem os impostos e os gastos governamentais, maiores serão os ganhos de um e maiores serão as perdas de outro, e vice versa.  E, por conseguinte, quanto mais o governo se empenhar em uma política de aumentar impostos e gastos, mais ele será apoiado por um grupo e resistido pelo outro.
O efeito, portanto, de qualquer aumento de impostos será o de enriquecer e fortalecer um grupo [os consumidores líquidos de impostos] e empobrecer e enfraquecer o outro [os pagadores líquidos de impostos].
Logo, quanto mais inchado se torna o governo, maior e mais intenso passa a ser o conflito entre essas duas classes sociais.
No entanto, dado que uma elite minoritária é capaz de governar, tributar e explorar a maioria do público sem sofrer retaliações, isso nos leva ao principal problema da teoria política: o mistério da obediência civil.  Afinal, por que a maioria do público aceita se submeter a essa gente, sem oferecer resistência? 
Esta indagação foi respondida por três grandes teóricos políticos: Étienne de la Boétie, teórico libertário francês de meados do século XVI, David Hume e Ludwig von Mises.  Eles demonstraram que, exatamente pelo fato de a elite dominante estar em minoria, a coerção por si só não pode funcionar no longo prazo.  Até mesmo na mais despótica das ditaduras, o governo irá se manter apenas se contar com o apoio da maioria da população.  No longo prazo, o que é preponderante são as ideias, e não a força — e qualquer governo tem de ter legitimidade na mente do público.
Essa verdade foi perfeitamente demonstrada durante o colapso da União Soviética.  Quando os tanques foram enviados para capturar Boris Yeltsin, eles foram persuadidos a apontar suas armas para o outro lado e a defender Yeltsin e o Parlamento russo.  Em linhas gerais, estava claro que o governo soviético havia perdido toda a legitimidade e apoio entre a população.  Para um libertário, foi particularmente fantástico assistir à morte de um estado, particularmente um estado monstruoso como a União Soviética.  Até o final, Gorbachev continuou emitindo decretos, como sempre fez, mas a diferença é que ninguém mais prestava atenção e nem dava a mínima.  O antes todo poderoso Supremo Soviético (a legislatura da URSS) continuava se reunindo frequentemente, mas ninguém se dava ao trabalho de comparecer.  Glorioso!
Quem garante o consentimento dos espoliados
Mas ainda não resolvemos o mistério da obediência civil.  Se a elite dominante está tributando, espoliando e explorando o público, por que o povo não se rebela?  Por que ele tolera tudo isso?  Por que ele simplesmente não retira seu consentimento?
Resposta: não se deve jamais ignorar o papel crucial dos intelectuais, a classe que molda as opiniões da sociedade.  Se as massas soubessem como o estado realmente opera, elas imediatamente retirariam seu consentimento.  Elas rapidamente perceberiam que o rei está nu, e que elas estão sendo espoliadas.  É para evitar essa "tragédia" que os intelectuais entram em cena.
A elite dominante, seja ela os monarcas de antigamente, os comunistas de pouco tempo atrás ou os social-democratas da atualidade, necessita desesperadamente de exércitos de intelectuais que teçam apologias para o poder estatal.  O estado governa por determinação divina; o estado assegura o bem comum e o bem-estar geral; o estado nos protege dos bandidos que estão sempre à espreita; o estado garante o pleno emprego; o estado ativa o multiplicador keynesiano; o estado garante a justiça social.  Como demonstrou Karl Wittfogel em sua grande obra, Oriental Despotism, nos impérios asiáticos, os intelectuais lograram êxito com a teoria de que o imperador ou o faraó era uma entidade divina.  Se o soberano é Deus, poucos se atreverão a desobedecer ou a questionar suas ordens.
Podemos ver como os regentes do estado se beneficiam dessa sua aliança com os intelectuais; mas o que os intelectuais ganham com esse arranjo? 
Intelectuais são pessoas que acreditam que, em um livre mercado, auferem uma renda muito aquém de sua sabedoria.  Para se aproveitar disso, o estado, para favorecer estes egos tipicamente hiperinflados, está disposto a oferecer aos intelectuais um nicho seguro e permanente no seio do aparato estatal; e, consequentemente, um rendimento certo e um arsenal de prestígios.  O estado está disposto a pagar a esta gente tanto para tecerem apologias ao poder estatal quanto para preencher a miríade de postos de trabalho nas universidades, na burocracia e no aparato regulatório do estado.  Com efeito, o estado democrático moderno criou uma maciça superabundância de intelectuais.
Em séculos passados, as igrejas formavam a classe exclusiva de formadores de opinião da sociedade.  Daí a importância para o estado e seus burocratas de formar uma aliança entre o estado e a igreja, e daí a importância para libertários da separação entre estado e igreja, o que na prática significa não permitir que o estado conceda a um grupo o monopólio da tarefa de moldar as opiniões da sociedade. 
No século XX, obviamente, a igreja foi substituída, e o papel de moldar opiniões — ou, naquela adorável frase, de "fabricar o consentimento" — foi entregue a um enxame de intelectuais, acadêmicos, cientistas sociais, tecnocratas, cientistas políticos, assistentes sociais, jornalistas e a toda a mídia em geral. 
Portanto, para resumir o problema: na social-democracia, as elites dominantes — políticos, burocratas e grandes empresários — se uniram aos intelectuais e à mídia, e, com o apoio e o trabalho destes, conseguiram iludir e confundir as massas, doutrinando-as com uma "falsa consciência", como diriam os marxistas, fazendo-as aceitar passiva e alegremente seu domínio.  Aquilo que em arranjos mais honestos seria visto como espoliação e exploração, na social-democracia é visto como "bem comum", "desenvolvimentismo" e "justiça social".
O que fazer
Sendo assim, o que podemos fazer a respeito? 
Uma estratégia endêmica aos libertários e aos liberais clássicos é aquela que pode ser chamada de modelo hayekiano, em homenagem a F.A. Hayek.  Eu chamo de "educacionismo". 
Ideias, segundo este modelo, são cruciais; e ideias perpassam toda uma hierarquia, começando com os filósofos do alto escalão, de onde descem para os filósofos menos proeminentes, depois para os acadêmicos, e finalmente chegam aos jornalistas e políticos, de onde então atingem as massas.  Por essa estratégia, o que deve ser feito é converter os filósofos do alto escalão para as ideias corretas.  Ato contínuo, eles irão converter os outros filósofos menos proeminentes, e daí por diante, em uma espécie de "efeito-goteira", até que as massas inevitavelmente serão convertidas e a liberdade será finalmente alcançada.
O problema com essa estratégia do gotejamento é que ela é muito suave e refinada, dependente de mediações e persuasões serenas nos austeros corredores da intelectualidade.  Essa estratégia combina bem com a personalidade de Hayek, que nunca foi exatamente um combatente intelectual agressivo.
É claro que ideias e persuasão são importantes, mas há várias falhas cruciais nesta estratégia hayekiana. 
Em primeiro lugar, obviamente, essa estratégia irá, na melhor das hipóteses, levar várias centenas de anos para surgir algum efeito, e muitos de nós estamos um tanto impacientes para isso.  Mas o tempo não é de modo algum o único problema.  Várias pessoas já observaram os misteriosos bloqueios neste gotejamento feitos pela mídia.  Por exemplo, vários cientistas sérios têm uma visão bem distinta a respeito das questões ambientalistas que hoje estão em voga; no entanto, são sempre os mesmos histéricos de esquerda que são exclusivamente citados nas reportagens da mídia.  O mesmo ocorre às enfadonhas abordagens sobre racismo, homofobia e "direitos das minorias".  Sendo assim, por que esperar que uma mídia que invariavelmente distorce as coisas para o lado politicamente correto irá repentinamente vir para o lado da razão?  Já está cristalino que a mídia, principalmente a 'mídia respeitável e influenciável', possui e sempre terá uma forte inclinação progressista.
De modo geral, o modelo hayekiano do gotejamento ignora um ponto crucial: o fato de que — e eu espero não estar retirando seu prazer de viver — intelectuais, acadêmicos e a mídia não são exatamente motivados pela verdade.  É verdade que as classes intelectuais podem fazer parte da solução, mas elas também são uma grande parte do problema.  Como vimos, os intelectuais fazem parte da classe dominante, e seus interesses econômicos, bem como seus interesses em termos de prestígio, poder e admiração dependem inteiramente da continuidade do atual sistema social-democrata.
Outra estratégia é aquela comumente perseguida por vários institutos conservadores e liberais: a persuasão silenciosa feita diretamente nos corredores do poder, sem passar pela comunidade acadêmica.  Tal estratégia é chamada de "estratégia fabiana", e os institutos saem divulgando relatórios pedindo uma redução de 5 pontos percentuais na alíquota de importação e de 2 pontos percentuais na alíquota do imposto de renda, além de uma pequena redução das regulamentações e da burocracia.  Os defensores dessa estratégia apontam para o sucesso da sociedade fabiana, a qual, por meio de suas detalhadas pesquisas empíricas, suavemente submeteu o estado britânico a um gradual crescimento do poder socialista.
O defeito desta estratégia, no entanto, está no fato de que aquilo que funciona para aumentar o poder estatal não funciona para fazer o inverso.  Afinal, os fabianos estavam estimulando as elites dominantes a aumentar seu poder, que era exatamente o que elas queriam.  Por outro lado, tentar encolher o estado vai fortemente contra sua natureza, e o resultado mais provável é que o estado acabe cooptando e 'fabianizando' os institutos que tentem reduzir seu poder. 
Esse tipo de estratégia pode, é claro, ser pessoalmente muito agradável para os membros desses institutos, e pode acabar garantindo alguns contratos lucrativos ou até mesmo alguns confortáveis empregos na máquina pública para essas pessoas.  E esse é exatamente o problema.
Portanto, além de se esforçar para converter os intelectuais para a nossa causa, a ação mais adequada a ser empreendida tem necessariamente de ser uma estratégia baseada na confrontação, na coragem e na ousadia.  Uma estratégia que gere dinamismo e entusiasmo; uma estratégia que agite as massas, que as desperte de sua letargia e que exponha as elites arrogantes que estão nos subjugando, nos controlando, nos tributando e nos espoliando.
Logo, a estratégia adequada tem de se basear naquilo que chamo de "populismo liberal": um movimento intelectual empolgante, dinâmico, tenaz, obstinado e confrontador; um movimento que continuamente desafie e chame para o debate público os principais quadros da social-democracia, para expô-los pelo que realmente são; um movimento que desperte e inspire não apenas as massas exploradas, mas também todos os poucos quadros intelectuais da direita. 
Nesta era em que as elites intelectuais são todas social-democratas e hostis a idéias não-progressistas, é necessário um movimento carismático e dinâmico, cujos membros tenham a habilidade de contornar a mídia e saibam se comunicar diretamente com as massas exploradas que dão sustentação ao regime.
Conclusão
Em todas as questões cruciais, os social-democratas se opõem à liberdade e à tradição, posicionando-se sempre a favor do estado interventor, regulador e controlador. 
No longo prazo, social-democratas são mais perigosos do que comunistas, e não apenas porque eles são mais resistentes e protegidos, mas também porque seu programa e seu apelo retórico são muito mais insidiosos, dado que eles sabem combinar o charme das ideias socialistas com as atraentes "virtudes" da democracia, tudo cuidadosamente envolto em uma linguagem politicamente correta que promete liberdade de expressão e proteção aos "membros credenciados" de todos os tipos de grupos vitimológicos, aquela gente que se diz perseguida e que vive lutando por "direitos iguais" — sendo que o 'iguais' significa na verdade 'superiores'. 
Por muito tempo, os social-democratas obstinadamente se recusaram a aceitar a lição libertária de que liberdades civis e econômicas são indissociáveis; porém, agora, mais maduros e experientes, eles polidamente fingem defender a existência de algum tipo de "mercado", desde que este seja devidamente tributado, regulado e restringido por um maciço estado interventor e assistencialista.  Em suma, há pouca distinção entre os atuais social-democratas e os antigos "socialistas de mercado" da década de 1930, que alegavam ter solucionado aquele defeito fatal do socialismo apontado por Ludwig von Mises: a impossibilidade do cálculo econômico sob o socialismo, que impedia que os planejadores socialistas calculassem preços e custos, impossibilitando-os de planejar uma economia moderna e funcional.
No arsenal coletivista que dominou o cenário mundial do século XX, havia vários programas estatistas concorrentes: dentre eles, o comunismo, o fascismo, o nazismo e a social-democracia.  Os nazistas e os fascistas estão mortos e enterrados; o comunismo ainda existe apenas em alguns países sem nenhuma importância.  Restou somente a mais insidiosa forma de estatismo: a social-democracia. 
Em meio a uma cultura capturada por ideias progressistas e programas sociais esquerdistas, é necessária uma estratégia ousada para frustrar os planos dos social-democratas de alcançarem uma completa e irreversível tomada do poder.


Murray N. Rothbard (1926-1995) foi um decano da Escola Austríaca e o fundador do moderno libertarianismo. Também foi o vice-presidente acadêmico do Ludwig von Mises Institute e do Center for Libertarian Studies. 

fonte: http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=2270

Reprodução da publicação original do blog do Instituto Von Mises - Brasil ( "IMB")

A origem da propriedade privada e da família por Hans-Hermann Hoppe

por  - reprodução da postagem original do Instituto Ludwig von Mises - Brasil ("IMB") 


É razoável começar uma análise da história humana 5 milhões de anos atrás, quando a linhagem humana evolucionária se separou da linhagem de nosso parente não-humano mais próximo, o chimpanzé.  Também é razoável começar 2,5 milhões de anos atrás, com a primeira aparição do homo habilis; ou 200.000 anos atrás, quando surgiu o primeiro representante do "homem anatomicamente moderno"; ou 100.000 atrás, quando o homem anatomicamente moderno adquiriu a forma humana padrão.  Entretanto, quero começar apenas 50.000 anos atrás. 
Esta é uma data eminentemente razoável também.  Nessa época, os humanos já haviam desenvolvido uma linguagem completa, o que permitiu um radical aperfeiçoamento em sua capacidade de aprender e inovar, fazendo com que o "homem anatomicamente moderno" evoluísse e se transformasse no "homem de comportamento moderno".  Isto é, o homem havia adotado o estilo de vida do caçador-coletor, estilo esse que ainda existe até hoje em alguns pontos do mundo.
Há aproximadamente 50.000 anos, o número de "humanos modernos" provavelmente não era superior a 5.000, todos confinados ao nordeste da África.  Eles viviam em sociedades formadas por um pequeno número de pessoas (de 10 a 30), as quais ocasionalmente se encontravam e formavam um ajuntamento genético comum de aproximadamente 150 a 500 pessoas (tamanho esse que os geneticistas descobriram ser o necessário para se evitar efeitos disgênicos).  A divisão do trabalho era limitada, com a principal separação sendo aquela entre mulheres, que atuavam principalmente como coletoras, e homens, que atuavam principalmente como caçadores.  Apesar de tudo, a vida a princípio parecia ter sido boa para nossos ancestrais.  Apenas algumas horas de trabalho regular permitiam uma vida confortável, com boa nutrição (alta proteína) e tempo de lazer abundante.
Entretanto, a vida dos caçadores e coletores teve de enfrentar um desafio excepcional.  Sociedades baseadas na caça e na coleta viviam de maneira essencialmente parasítica.  Isto é, eles nada acrescentavam à oferta de bens fornecida pela natureza.  Eles apenas exauriam a oferta de bens.  Eles não produziam (exceto algumas poucas ferramentas); apenas consumiam.  Eles não cultivavam e nem criavam; simplesmente esperavam que a natureza regenerasse e repusesse o estoque de bens consumidos.  O que essa forma de parasitismo gerava, portanto, era o inescapável problema do crescimento populacional.  Para manter uma vida confortável, a densidade populacional tinha de permanecer extremamente baixa.  Estima-se que 2,6 quilômetros quadrados de território era o mínimo necessário para sustentar confortavelmente uma ou duas pessoas; e em regiões menos férteis, eram necessários territórios ainda maiores.
As pessoas podiam, é claro, tentar impedir que tal pressão populacional surgisse, e de fato as sociedades de caça e coleta fizeram o possível nesse sentido.  As pessoas praticavam abortos, recorriam a infanticídios — principalmente infanticídio feminino —, e reduziam o número de gravidezes ao incorrerem em longos períodos de amamentação (o que, em combinação com a baixa gordura corporal típica de mulheres que estavam sempre em contínuo movimento, reduz a fertilidade feminina).  Entretanto, embora isso aliviasse o problema, não o resolvia.  E a população continuou aumentando.
Dado que o tamanho da população não podia ser mantido em um nível estacionário, restavam apenas três alternativas para o crescente problema do "excesso" populacional.  Podia-se abrir mão da vida de caça e coleta e encontrar uma nova forma de organização social; podia-se entrar em conflito mortal para se apossar da oferta limitada de alimentos; ou podia-se migrar.  Embora a migração de modo algum fosse algo sem custos — afinal, tinha-se que trocar um território conhecido por territórios completamente desconhecidos —, ela se transformou na opção menos custosa.  E foi assim que, partindo da África Oriental, sua terra natal, todo o globo foi sendo sucessivamente conquistado por grupos de pessoas que se separaram de seus familiares e foram formar novas sociedades em áreas até então nunca ocupadas por humanos.
Essencialmente, esse processo era sempre o mesmo: um grupo invadia um território qualquer, a pressão populacional começava a incomodar, algumas pessoas permaneciam ali, e outras se mudavam para outros lugares — geração após geração.  Uma vez separadas, praticamente não mais havia contato entre as várias sociedades de caça e coleta.  Consequentemente, embora de início estivessem intimamente relacionadas umas às outras através de relações de parentesco direto, essas sociedades formaram concentrações genéticas separadas, e, ao longo de tempo, confrontadas com ambientes naturais diferentes e como resultado de mutações e derivações genéticas interagindo com a seleção natural, elas assumiram aparências claramente distintas.
Tudo indica que esse processo também começou há aproximadamente 50.000 anos, pouco tempo depois do surgimento do "homem de comportamento moderno" e sua aquisição da habilidade de construir barcos.  Dessa época até por volta de 12.000 a 11.000 anos atrás, as temperaturas globais caíram gradualmente (desde então estamos em um período de aquecimento interglacial) e os níveis dos oceanos também caíram correspondentemente.[*]
As pessoas cruzaram o Mar Vermelho no Portão das Lágrimas — que, na época, era apenas um curto espaço de água salpicada de ilhas —, e chegaram à ponta sul da península Arábica (que apresentava um período comparativamente úmido àquela época).  Dali em diante, preferindo se manter em climas tropicais, para os quais o organismo havia sido adaptado, a migração continuou voltada para o leste.  As viagens eram feitas na maioria das vezes em barcos, pois, até há aproximadamente 6.000 anos, quando o homem aprendeu a domar os cavalos, essa forma de transporte era muito mais rápida e mais conveniente do que viajar à pé.
Assim, primeiramente a migração ocorreu ao longo do litoral — e prosseguia dali até o interior por meio de vales fluviais — até a Índia.  Na Índia, aparentemente o movimento populacional se dividiu em duas direções.  De um lado, ele prosseguiu contornando a península índica até o sudeste asiático e a Indonésia (que, na época, era conectada ao continente asiático), finalmente chegando ao hoje "alagado" continente de Sahul (Austrália, Nova Guiné e Tasmânia, países esses que, até 8.000 anos atrás, eram interligados por terra).  Esse continente, na época, era separado do continente asiático apenas por um largo canal de água salpicado de ilhas que permitiam jornadas curtas entre si.  Outra parte desse mesmo movimento contornou a Índia e tomou o rumo norte até a costa da China e, finalmente, até o Japão.
O segundo movimento populacional, assim como o relatado acima, também se subdividiu.  Uma corrente saiu da Índia e tomou a direção noroeste, passando por Afeganistão, Irã e Turquia, até finalmente chegar à Europa.  A outra corrente seguiu a direção nordeste até o sul da Sibéria. 
Migrações posteriores, muito provavelmente ocorridas em três ondas, com a primeira ocorrendo entre 14.000 e 12.000 anos atrás, saíram da Sibéria, passaram pelo Estreito de Bering — na época (aproximadamente 11.000 anos atrás) uma ponte de terra — e chegaram ao continente americano.  Apenas 1.000 anos depois, aparentemente chegaram à Patagônia.  A última rota de migração partiu de Taiwan, que 5.000 anos atrás já estava ocupada, navegou pelo Pacífico e chegou às ilhas da Polinésia.  E, finalmente, apenas 800 anos atrás, chegaram à Nova Zelândia.
Independentemente de todos os detalhes complicados, o fato é que, a partir de um determinado momento, a massa de terra disponível para ajudar a satisfazer as necessidades humanas não mais podia ser aumentada.  Para utilizar um jargão econômico, a oferta do fator de produção "terra" se tornou fixa, o que significa que todo e qualquer aumento no tamanho da população humana tinha de ser sustentado pela mesma e imutável quantidade de terra.  Baseando-se na lei econômica dos retornos, sabemos que esta situação tem de resultar em um problema malthusiano.  A lei dos retornos declara que, para qualquer combinação dos fatores de produção — no caso específico: terra e trabalho —, existe uma combinação ótima.  Se esta combinação ótima não for seguida, isto é, se apenas um fator de produção for aumentado — no caso, o trabalho — enquanto o outro — a terra — for mantido constante, então a quantidade de bens físicos produzida não aumentará absolutamente nada ou, na melhor das hipóteses, aumentará em uma proporção muito menor do que o aumento do fator trabalho.
Ou seja, tudo o mais constante, um aumento no tamanho da população para além de um determinado ponto não é acompanhado de um aumento proporcional da riqueza.  Se esse ponto for ultrapassado, a quantidade per capita de bens físicos produzidos diminui.  E o padrão de vida, na média, irá cair.  Atinge-se um ponto de superpopulação absoluta.
O que fazer quando confrontado com esse desafio?  Das três opções previamente disponíveis como resposta a um aumento na pressão populacional — migrar, guerrear ou encontrar um novo modo de organização social —, somente as duas últimas continuavam disponíveis.  Aqui irei abordar a última resposta, que é a solução pacífica.
O desafio foi respondido com uma reação dupla: de um lado, por meio da economização da terra; de outro, por meio da "privatização" da produção de rebentos — em suma: por meio da instituição da família e da propriedade privada.
Para entender essas reações, é preciso antes olharmos o tratamento dado ao fator de produção "terra" pelas sociedades de caça e coleta.
Pode-se seguramente assumir que a propriedade privada existia dentro da estrutura de uma família tribal.  A propriedade privada existia para coisas como vestimentas pessoais, ferramentas, utensílios e ornamentos.  Quando tais itens eram produzidos por indivíduos específicos e identificáveis (durante seus momentos de lazer), ou eram adquiridos de seus fabricantes originais por meio de trocas ou mesmo como presentes, eles eram considerados propriedade individual. 
Por outro lado, quando os bens eram o resultado de algum esforço conjunto, eles eram considerados bens coletivos.  Isso se aplicava de maneira mais definitiva para os meios de subsistência: aos alimentos coletados e aos animais selvagens caçados em decorrência de alguma divisão intra-tribal do trabalho.  (Sem dúvida, a propriedade coletiva, desta forma, teve um papel muito proeminente nas sociedades de caça e coleta, e é por causa disso que o termo "comunismo primitivo" tem sido frequentemente empregado para descrever as economias tribais primitivas: cada indivíduo contribuía para a "renda" familiar de acordo com suas capacidades, e cada indivíduo recebia sua fatia de renda de acordo com suas necessidades.)
E o que dizer sobre a terra em que todas as atividades tribais ocorriam?  Pode-se seguramente descartar a hipótese de que a terra era considerada propriedade privada.  Porém, seria ela propriedade coletiva?  Tipicamente, isso tem sido assumido como verdade.  Entretanto, o fato é que a terra não era nem propriedade coletiva nem propriedade privada, mas sim apenas parte do ambiente — ou, mais especificamente, a terra possibilitava as condições gerais da ação humana.
O mundo externo em que as ações do homem ocorriam pode ser dividido em duas partes categoricamente distintas.  De um lado, havia aqueles elementos que eram considerados meios — ou bens econômicos; de outro lado, havia aqueles elementos que eram considerados o ambiente.  São três os requerimentos para que um elemento do mundo externo seja classificado como um meio ou como um bem econômico.  Primeiro, para que um elemento se torne um bem econômico, deve haver uma necessidade humana.  Segundo, deve haver a percepção humana de que tal elemento é dotado de propriedades que satisfaçam essa necessidade.  Terceiro, e mais importante no presente contexto, um elemento do mundo externo assim percebido deve estar sob ocontrole humano, de modo que ele possa ser empregado para satisfazer essa necessidade. 
Ou seja, somente se um elemento apresentar uma conexão causal com uma necessidade humana, e esse elemento estiver sob o controle humano, pode-se então dizer que essa entidade foi apropriada — tornou-se um bem — e, assim, virou propriedade de alguém.  Por outro lado, se um elemento do mundo externo apresentar uma conexão causal com uma necessidade humana, porém ninguém o controla ou interfere nele, então tal elemento deve ser considerado parte de um ambiente não apropriado por ninguém — logo, não é propriedade de ninguém.
Com o auxílio dessas considerações, é possível agora responder à questão a respeito do status da terra em uma sociedade de caça e coleta. 
Certamente, os frutos colhidos em um arbusto são propriedade privada; porém, o que dizer do arbusto de onde os frutos foram colhidos?  Ele sem dúvida apresenta uma conexão causal com esses frutos.  Porém, o arbusto só deixará seu status original de possibilitador das condições gerais da ação humana, e de mero fator contribuinte para a satisfação das necessidades humanas, e ascenderá ao status de propriedade e de genuíno fator de produção quando ele tiver sido apropriado — isto é, quando o homem tiver propositadamente interferido no processo causal e natural que interliga o arbusto aos frutos por ele produzidos.  O homem pode fazer isso ao, por exemplo, regar o arbusto ou aparar seus galhos com o intuito de produzir um resultado específico: no caso, um aumento da colheita de frutos acima daquele nível que, em outros contextos, seria o obtido naturalmente.
Similarmente, não há dúvidas de que o animal caçado é propriedade privada; porém, o que dizer de toda a manada da qual esse animal fazia parte?  A manada deve ser considerada sem proprietário enquanto o homem ainda não tiver feito nada que possa ser interpretado (e isso está em sua própria mente) como sendo algo que crie uma conexão causal com a satisfação de uma dada necessidade.  A manada se torna propriedade somente quando o pré-requisito da interferência sobre a cadeia natural de eventos (com o intuito de produzir algum resultado desejado) tiver sido satisfeito.  Isso ocorreria, por exemplo, assim que o homem incorresse na prática de arrebanhar e pastorear os animais — isto é, tão logo ele efetivamente tentasse controlar os movimentos do rebanho.
E o que dizer, entretanto, da terra sobre a qual o movimento controlado do rebanho ocorre?  De acordo com nossas definições, esse pastor não pode ser considerado o proprietário dessa terra.  Condutores de rebanho meramente seguem os movimentos naturais da manada, e sua interferência sobre a natureza restringe-se a manter o rebanho unido de modo a ter um acesso fácil a qualquer um dos animais caso haja a necessidade de uma maior oferta de carne animal.  Condutores de rebanho não interferem na terra para controlar os movimentos da manada; eles interferem apenas nos movimentos dos membros da manada.  A terra só irá se tornar propriedade quando os condutores de rebanho deixarem de ser condutores e se dedicarem à pecuária — isto é, assim que eles começarem a tratar a terra como um meio (escasso) com o intuito de controlar o movimento dos animais.  Para isso, eles têm de controlar a terra.  Isso requer que a terra seja de certa forma delineada, seja por meio de cercas ou pela construção de alguns outros obstáculos que restrinjam o livre fluxo natural de animais.  Em vez de ser meramente um fator que contribui para a produção de rebanhos, a terra passa assim a ser um genuíno fator de produção.
Os que essas considerações demonstram é que se trata de um erro imaginar que a terra era propriedade coletiva nas sociedades de caça e coleta.  Caçadores não são condutores de rebanho e muito menos praticam a pecuária ou a criação de gado; e coletores não são jardineiros ou agricultores.  Eles não exercem controle sobre a fauna e flora naturalmente ofertadas pelo ambiente, pois eles não as cultivam nem administram.  Eles simplesmente se apossam das partes da natureza que estão facilmente disponíveis.  Para eles, a terra nada mais é do que uma condição para suas atividades; a terra não é sua propriedade.
Portanto, o que pode ser considerado o primeiro passo rumo a uma solução da armadilha malthusiana enfrentada pelo crescente número de sociedades baseadas na caça e na coleta foi precisamente o estabelecimento da propriedade sobre a terra.  Pressionados pela queda no padrão de vida — resultante da superpopulação absoluta —, membros das tribos (separadamente ou coletivamente) sucessivamente se apropriaram de um número cada vez maior de terras (natureza) até então desapropriadas.  Essa apropriação da terra teve um imediato efeito duplo.  Primeiro, mais bens foram produzidos e, correspondentemente, mais necessidades puderam ser satisfeitas.  De fato, esse efeito foi o exato motivo por trás da apropriação da terra: a constatação de que a terra possui uma conexão causal com a satisfação das necessidades humanas e que, mais ainda, ela pode ser controlada.
Foi ao controlar a terra que o homem de fato começou a produzir bens ao invés de meramente consumi-los.  (Importante observar que essa produção de bens também envolvia poupar e estocar bens para o consumo posterior).  Segundo, e como consequência do primeiro, a maior produtividade obtida por meio da economização (racionalidade no uso) da terra possibilitou que um maior número de pessoas pudesse sobreviver com uma mesma quantidade de terra.  Com efeito, foi estimado que a apropriação de terra e a correspondente mudança de uma existência baseada na caça e na coleta para uma existência baseada na agricultura e na criação de animais possibilitou que uma população de dez a cem vezes maior do que a população anterior pudesse ser sustentada com a mesma quantidade de terra.
Entretanto, a economização da terra era apenas parte da solução para o problema criado pela crescente pressão populacional.  Por meio da apropriação da terra, fez-se um uso mais eficaz da mesma, permitindo que uma população amplamente maior pudesse ser sustentada.  Porém, a instituição da propriedade da terra, por si só, não afetou o outro lado do problema: a contínua proliferação de novos rebentos.  Esse aspecto do problema também requeria uma solução.  Era necessária a criação de uma instituição social que deixasse essa proliferação sob controle.  E a instituição criada para consumar esse objetivo foi a instituição da família.  Como explicou Thomas Malthus, para solucionar o problema da superpopulação, junto com a instituição da propriedade, o "as relações sexuais entre os gêneros" também teve de passar por mudanças fundamentais.
Qual era a relação sexual entre os gêneros antes e qual foi a inovação institucional produzida nesse sentido pela família?  Em termos de teoria econômica, pode-se descrever que a mudança se deu de uma situação em que tanto os benefícios de se criar descendentes — a criação de mais um produtor em potencial — quanto especialmente os custos dessa criação — a criação de um consumidor (comedor) adicional — eram socializados, isto é, pagos por toda a sociedade e não apenas pelos "produtores" desses rebentos, para uma situação em que tanto os benefícios quanto os custos envolvidos na procriação passaram a ser internalizados pelos indivíduos diretamente responsáveis pela produção dos rebentos.
Quaisquer que tenham sido os detalhes mais exatos, tudo indica que a instituição de um relacionamento monógamo estável — bem como a de um relacionamento polígamo estável — entre homens e mulheres, o que atualmente é associada ao termo família, é algo relativamente recente na história da humanidade, e foi precedido por uma instituição que pode ser amplamente definida como sendo de relações sexuais "irrestritas" ou "não reguladas", ou mesmo de "matrimônio grupal" ou "poliamor" (algumas vezes também rotulado de "amor livre").  As relações sexuais entre os gêneros durante esse estágio da história humana não excluíam a existência de relacionamentos temporários a dois entre um homem e uma mulher.  Entretanto, em princípio, toda mulher era considerada uma potencial parceira sexual para todo homem, e vice versa.  Nas palavras de Friedrich Engels: "Os homens viviam em poligamia e suas mulheres simultaneamente em poliandria, e seus filhos eram considerados como sendo de todos eles. ... Cada mulher pertencia a todos os homens, e cada homem pertencia a todas as mulheres."
Porém, o que Engels e vários outros socialistas posteriores não perceberam em relação à glorificação do amor livre — tanto a que ocorrera no passado quanto a que supostamente viria no futuro — é o fato de que tal instituição possui um efeito direto na produção de rebentos.  Como Ludwig von Mises comentou: "O fato é que, mesmo que uma comunidade socialista possa implementar o 'amor livre', ela não pode de maneira alguma ficar livre de procriações".  O que Mises quis subentender com esse comentário é que o amor livre tem consequências: gravidezes e descendentes.  E uma prole gera benefícios e também custos.  Esse dilema não seria um problema enquanto os benefícios excedessem os custos, isto é, enquanto um membro adicional da sociedade agregasse mais a ela como produtor de bens do que subtraísse dela como consumidor — e isso pode perfeitamente vir a ser o caso por algum tempo.
No entanto, como ensina a lei dos retornos, essa situação não pode durar para sempre.  Inevitavelmente, chegará um ponto em que os custos de rebentos adicionais irão exceder os benefícios.  A partir daí, portanto, qualquer procriação adicional deve ser interrompida — contenções morais devem ser exercidas —, a menos que se queira vivenciar uma queda progressiva nos padrões de vida.  Contudo, se as crianças são consideradas como sendo de todo mundo e, ao mesmo tempo, de ninguém, pois todo mundo mantém relações sexuais com todo mundo, então os incentivos para conter a procriação desaparecem ou são significativamente diminuídos.  Instintivamente, em virtude da natureza biológica do ser humano, todo homem e toda mulher são impulsionados a difundir e espalhar seus genes para a próxima geração da espécie.  Quanto mais rebentos um indivíduo gerar, melhor, pois mais de seus genes sobreviverão.  É claro que esse instinto humano natural pode ser controlado por uma deliberação racional.  Porém, se pouco ou nenhum sacrifício econômico tivesse de ser feito em decorrência dos instintos animais de cada indivíduo — porque todas as crianças seriam sustentadas pela sociedade como um todo —, então pouco ou nenhum incentivo existiria para se empregar a razão em questões sexuais, isto é, para se exercer a contenção moral.
De um ponto de vista puramente econômico, portanto, a solução para o problema da superpopulação deveria ser imediatamente aparente.  A administração das crianças — ou, mais corretamente, a curadoria das crianças — tinha de ser privatizada.  Em vez de considerar as crianças como sendo propriedade coletiva da "sociedade", ou responsabilidade da "sociedade", ou mesmo ver o nascimento de crianças como um evento natural incontrolado e incontrolável — e, como consequência, encarar as crianças como propriedade de ninguém e não estando aos cuidados de ninguém —, as crianças tiveram de passar a ser consideradas entidades que foram produzidas privadamente e, por isso, confiadas aos cuidados privados de quem as produziu.
Além do mais e finalmente: com a formação de famílias monógamas ou polígamas surgiu outra decisiva inovação.  Antes, todos os membros de uma tribo formavam uma família única e uniforme, e a divisão do trabalho intra-tribal era essencialmente uma divisão do trabalho intra-familía.  Com o advento da formação de famílias veio a fragmentação de uma grande família uniforme em várias famílias independentes, e com isso veio também a formação de várias propriedades privadas sobre a terra. 
Ou seja, a apropriação de terras anteriormente descrita não foi simplesmente uma transição de uma situação em que uma terra que antes era sem dono passou a ser propriedade, mas sim, mais precisamente, uma transição de uma situação em que uma terra até então sem dono foi transformado em propriedade de famílias separadas (permitindo assim também o surgimento da divisão do trabalho inter-famílias).
Consequentemente, portanto, a maior renda social possibilitada pela propriedade da terra não mais era distribuída como era anteriormente: para cada membro da sociedade "de acordo com suas necessidades".  A fatia de cada família no total da renda passou a depender do produto que cada uma imputava à economia — isto é, passou a depender do seu trabalho e da sua propriedade investidos na produção.  Em outras palavras: o antes difuso "comunismo" pode até ter continuado existindo dentro de cada família, porém o comunismo desapareceu da relação entre os membros de famílias diferentes.  As rendas das diferentes famílias eram distintas, dependentes da quantidade e da qualidade do trabalho e da propriedade investidos, e ninguém tinha o direito de reivindicar a renda produzida pelos membros de outra família.  Com isso, a "carona" sobre os esforços alheios tornou-se amplamente — ou totalmente — impossível.  Aquele que não trabalhasse não mais poderia esperar comer gratuitamente.
Deste modo, em resposta à crescente pressão populacional, um novo modo de organização social passou a existir, substituindo aquele estilo de vida "caça e coleta" que havia caracterizado a maior parte da história.  Como resumiu Ludwig von Mises:
A propriedade privada dos meios de produção é o princípio regulador que, dentro de uma sociedade, equilibra os limitados meios de subsistência à disposição da sociedade com a bem menos limitada capacidade de aumento na quantidade de consumidores.  Ao fazer com que a fatia do produto social de cada membro da sociedade seja dependente do produto economicamente imputado a ele, isto é, dependente de seu trabalho e de sua propriedade, a matança de seres humanos em decorrência da luta pela sobrevivência, como ocorre nos reinos animal e vegetal, é substituída por uma redução na taxa de natalidade em decorrência das forças sociais.  A 'contenção moral' — as limitações sobre a produção de rebentos impostas pelas posições sociais — substitui a batalha pela existência.
___________________________________________
Nota
[*] Na realidade, o último grande período de aquecimento já havia terminado há aproximadamente 120.000 anos.  Durante este período — isto é, mais de 120.000 anos atrás — hipopótamos viviam nos rios Reno e Tâmisa, e a Europa tinha uma espécie de "aparência africana".  Dali em diante, quando as temperaturas começaram a cair, as geleiras se moveram continuamente na direção sul, e o nível do mar na Europa diminuiu em mais de 100 metros. Os rios Tâmisa e Elba se tornaram afluentes do Reno, antes de este passar a correr até o Mar do Norte e dali para o Atlântico.  Quando este período terminou, muito abruptamente, há aproximadamente 12.000 anos, as geleiras rapidamente retornaram e o nível do mar subiu, não apenas milímetros por ano, mas sim muito rapidamente, quase que como um dilúvio.  Em um curto espaço de tempo, a Inglaterra e a Irlanda, que até então eram ligadas ao continente europeu, se tornaram ilhas.  Foi assim que o Mar Báltico e grande parte do atual Mar do Norte surgiram.  Do mesmo modo, grande parte do que hoje é o Golfo Pérsico passou a existir apenas naquela época.

Hans-Hermann Hoppe é um membro sênior do Ludwig von Mises Institute, fundador e presidente da Property and Freedom Society e co-editor do periódico Review of Austrian Economics. Ele recebeu seu Ph.D e fez seu pós-doutorado na Goethe University em Frankfurt, Alemanha. Ele é o autor, entre outros trabalhos, de Uma Teoria sobre Socialismo e Capitalismo eThe Economics and Ethics of Private Property.

 reprodução da postagem original do Instituto Ludwig von Mises - Brasil ("IMB") 

fonte: http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=1037