segunda-feira, 3 de agosto de 2015

Escândalo da Petrobras: Partidos e empreiteiras no juízo final

Em um ataque à corrupção de proporções inéditas, a Justiça prende empreiteiros e um ex-diretor que operava na Petrobras sob as ordens do PT. A ação deverá provocar um terremoto para o governo Dilma

MURILO RAMOS, MARCELO ROCHA E PEDRO MARCONDES DE MOURA, COM FILIPE COUTINHO, FLÁVIA TAVARES, ISABEL CLEMENTE E ALBERTO BOMBIG










>> Trecho da reportagem de capa de ÉPOCA desta semana:
Na manhã da sexta-feira (14), Renato Duque, ex-diretor da Petrobras, recebeu a visita de policiais federais em seu apartamento na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro. Duque vivia, oito meses depois, a mesma experiência de Paulo Roberto Costa, que fora seu colega na diretoria da Petrobras durante oito anos. Duque soube que era acusado de participar de um esquema de corrupção que grassou durante sua gestão na estatal. Saiu de casa conduzido pelos policiais, como o mais novo preso pela Operação Lava Jato, uma investigação sobre lavagem de dinheiro que atingiu o coração da maior estatal brasileira, das maiores empreiteiras e de três partidos políticos. Duque estava naquela situação porque fora delatado por Paulo Roberto. Como ele, diretores de oito empreiteiras foram procurados pelos policiais em cinco Estados e no Distrito Federal.   


A sétima fase da Lava Jato foi para a rua na sexta-feira, com 300 policiais federais e 50 auditores da Receita Federal. Por determinação do juiz federal Sergio Moro, a PF saiu às ruas para executar 85 mandados judiciais: seis de prisão preventiva, 21 de prisão temporária, nove de condução coercitiva e 49 de busca e apreensão. A Justiça ainda decretou o bloqueio de aproximadamente R$ 720 milhões em bens pertencentes a 36 investigados. Uma enormidade, só possível porque, meses atrás, premidos por provas irrefutáveis que os condenariam a uma vida no cárcere, Paulo Roberto e seu parceiro de negócios, o doleiro Alberto Youssef, aceitaram colaborar com a Justiça e contar tudo o que sabiam, viram ou fizeram num esquema que sorveu recursos da Petrobras para abastecer o caixa de PT, PP e PMDB e deu, de acordo com as denúncias, lucro a nove das maiores empreiteiras brasileiras.
>> O pedido do Ministério Público Federal que fundamentou as prisões da Lava Jato

Duque caiu em desgraça no mês passado, quando Paulo Roberto e Youssef disseram em seus (já) lendários depoimentos à Justiça Federal como funcionava o esquema. Naquele dia, Paulo Roberto abriu uma espécie de bueiro da corrupção na Petrobras. A Lava Jato começava a se transformar na Operação Limpa Fossa. Paulo Roberto contou que as diretorias controladas por PT, PP e PMDB cobravam propina de 3% sobre cada contrato celebrado pelas empreiteiras com a Petrobras. Desses 3%, 2 pontos percentuais iam para o PT, e 1 ponto percentual para o PP – isso na diretoria que ele comandava, de Abastecimento. No caso da Diretoria de Serviços, de Duque, Paulo Roberto não soube entrar em detalhes, mas deu a entender  que toda a propina era entregue ao PT. “Dentro da área de serviços, tinha o diretor (Renato) Duque, indicado na época pelo ministro da Casa Civil, José Dirceu”, disse Paulo Roberto. “Ele (Duque) tinha essa ligação com o João Vaccari dentro desse processo do PT.” Vaccari é secretário de finanças do PT.
 
Assim que a notícia da prisão de Duque chegou à sede do PT, em São Paulo, dirigentes do partido entraram em pânico. Se Paulo Roberto é o PP no petrolão, Duque é o PT. Duque é parceiro de negócios de Vaccari há quatro anos. Vaccari não foi preso na semana passada. Mas o raio passou perto. Sua cunhada Marice Correa de Lima foi conduzida pelos policiais para depor, porque recebeu dinheiro vivo do doleiro Youssef a pedido da empreiteira OAS, onde trabalha. Não se sabe se a Lava Jato chegará a Vaccari, que tem problemas até mesmo dentro do PT.
A questão é que os problemas não se resumem a Vaccari. Por prevenção, todos os integrantes do PT que tiveram contato de negócios com Duque – e com executivos de empreiteiras presos, ou investigados pela PF – estão de sobreaviso. Eles serão orientados por advogados do PT sobre como proceder, caso Duque aceite colaborar com a Justiça e com o Ministério Público (MP). Os investigadores esperam que ele aceite rapidamente um acordo de delação premiada, semelhante ao feito por Paulo Roberto. Segundo informações passadas por Costa e Youssef, os depoimentos de Duque poderão ser esclarecedores (para quem investiga) e devastadores (para quem tratou com ele). Os efeitos podem ser ainda mais devastadores se Fernando Soares, o lobista conhecido como Fernando Baiano – classificado por Paulo Roberto e Youssef como “encarregado da lavagem e distribuição de recursos para agentes públicos relacionados ao PMDB”, como revelou ÉPOCA –, também resolver abrir o bico. Há 20 dias, Fernando Baiano estava em Madri e viajou para Paris para falar com um advogado ligado ao PT. “Avise os petistas que, se eu for preso, vou fazer delação premiada”, disse ele ao advogado. A informação chegou à cúpula do PT, mas não ao Palácio do Planalto.

No despacho em que autorizou a operação da semana passada, o juiz Moro recapitula detalhadamente o que foi apurado desde o início da Operação Lava Jato, com longos trechos de depoimentos dos envolvidos, especialmente de Paulo Roberto e de Youssef. Ciente da polêmica em torno do instrumento da delação premiada, Moro fala da importância do mecanismo em processos complexos, como os que envolvem crimes financeiros e do colarinho branco. “Crimes não são cometidos no céu e, em muitos casos, as únicas pessoas que podem servir como testemunhas são igualmente criminosos”, diz Moro. Sua decisão de acolher o pedido do MP não foi baseada apenas nas delações premiadas. “No que se refere às empreiteiras e seus dirigentes, já há prova significativa. (...) A prova mais relevante, porém, é documental. Os depósitos milionários efetuados pelas empreiteiras nas contas controladas por Alberto Youssef constituem prova documental, preexistente às colaborações premiadas, e não estão sujeitas a qualquer manipulação.”

Os procuradores que investigam o caso com Moro estão convencidos de que as nove empreiteiras alvo da investigação formaram um cartel na relação com a Petrobras. “Odebrecht, Camargo Corrêa, Andrade Gutierrez, Iesa, Engevix, Mendes Júnior, UTC, isso está tudo na declaração que eu dei. Talvez tenha mais”, disse Paulo Roberto num de seus depoimentos à Justiça Federal, em Curitiba, no mês passado. Seu parceiro de negócio, Youssef, lembrou ainda OAS, Queiroz Galvão, Toyo Setal e Galvão Engenharia. Segundo ele, todas se reuniam para definir quem venceria concorrências para ganhar contratos da Petrobras. “Era entregue uma lista das empresas que iam participar do certame. E, nessa lista, já era dito quem ia ser a vencedora”, disse Youssef. “Essa lista era repassada para o Paulo Roberto Costa.” Para não despertar suspeitas, as empreiteiras sempre apresentavam preços dentro da margem exigida pela Petrobras, entre 15% abaixo do valor a 20% acima. “Quando elas saíam fora desse valor, o diretor chamava para negociar”, disse Youssef.
Em seu despacho, Moro pediu a prisão de Dalton Avancini, presidente da Camargo Corrêa, José Aldemário Pinheiro Filho (Leo Pinheiro), presidente da OAS, Ricardo Pessôa, presidente e dono da UTC, e de diretores das empreiteiras Iesa, Queiroz Galvão e Engevix. De acordo com Moro, os executivos Augusto Ribeiro de Mendonça Neto e Julio Camargo, da Toyo Setal, “narraram o esquema de cartelização, lavagem e pagamento de vantagens indevidas a agentes públicos, confirmando não só a participação de Alberto Youssef e Paulo Roberto Costa, mas das demais empreiteiras, e ainda o envolvimento de Renato Duque, diretor de serviços da Petrobras, e Fernando Soares, vulgo Fernando Baiano”. O texto também diz: “Júlio Camargo ainda relata, em detalhes, episódio de pagamento de propinas por intermédio de Fernando Soares à diretoria internacional da Petrobras, na aquisição de sondas de perfuração pela Petrobras, inclusive revelando a forma de pagamento e a utilização por Fernando Soares, para recebimento de saldo de US$ 8 milhões em propina, das contas das empresas Techinis Engenharia e Consultoria S/C Ltda. e Hawk Eyes Administração de Bens Ltda”.
De acordo com Moro, “já há prova significativa” contra as empreiteiras – não apenas pelo que foi reunido contra elas em provas e depoimentos, mas também por sua conduta em relação à Justiça. “Foram instaurados diversos inquéritos conexos, um para cada empreiteira. Neles, a pedido da autoridade policial, foi concedido por este juízo, mediante intimação, às empreiteiras, a oportunidade de esclarecer os fatos, justificar a licitude das transações e apresentar a documentação pertinente. Os resultados foram até o momento desalentadores.” Em alguns casos, Moro afirma que os documentos juntados como provas por algumas delas têm “suspeita de ter sido produzidos fraudulentamente”. Num exemplo, Moro diz que, para justificar depósitos de R$ 938 mil à Empreiteira Rigidez e R$ 563 mil à MO Consultoria, a empreiteira OAS “juntou como prova os contratos e notas fiscais pertinentes, todos com suspeita de ter sido produzidos fraudulentamente. Não esclareceu, nem justificou as transações”.

As empreiteiras conviveram, durante a sexta-feira, com um inédito incômodo de ter policiais e auditores fiscais em suas dependências. Pouco antes do meio-dia, funcionários da Odebrecht receberam em seu e-mail uma mensagem da diretoria da empreiteira afirmando que o escritório em Botafogo, no Rio, fora visitado pela Polícia Federal. “A equipe foi recebida e obteve todo o auxílio para acessar qualquer documento ou informação buscada”, dizia o texto. Na semana passada, antes da operação, advogados de grandes construtoras se reuniram em São Paulo para definir uma estratégia conjunta de defesa. Seu desejo é propor à Justiça um acordo de pagamento de indenização pelos danos causados aos cofres públicos em troca de imunidade criminal de executivos. Os integrantes da força-tarefa da Lava Jato já estipularam que não selarão nenhuma proposta que não envolva a admissão de culpa pelas empreiteiras e deixe de atribuir responsabilidade a seus dirigentes envolvidos.

Nas últimas semanas, foram abertas fiscalizações para aprofundar as investigações sobre as empresas envolvidas na Lava Jato. O coordenador de investigação da Receita Federal, Gérson Schaan, disse a ÉPOCA ser possível comprovar operações financeiras fraudulentas que serviam apenas para movimentar dinheiro desviado da Petrobras, destinado a executivos da Petrobras e partidos políticos. “Verificamos a existência de consultorias forjadas e de registros de importações que não aconteceram”, diz Schaan. “Faziam isso para justificar remessas de dinheiro ao exterior.” Segundo ele, as autuações resultantes das fraudes fiscais cometidas pelas empresas deverão alcançar R$ 1 bilhão, uma das maiores da história da Receita. Nas próximas semanas, auditores trabalharão dentro das empresas investigadas. “Exigiremos a apresentação de documentos e informações que comprovem supostos serviços prestados pelas empresas”, afirma. Ele diz, também, que o tempo de as empresas colaborarem previamente e anteciparem o pagamento de impostos devidos já passou. “Se confirmadas irregularidades, as multas ficam bem mais altas.”


Apesar de não ter recebido visita de policiais desta vez, imperou na Petrobras um clima pesado. Duque era visto pelos funcionários como um sujeito afável, simpático, que gostava de cantar e tocar violão. Hoje, ele é acusado de ser um elo na corrente que desviava dinheiro da Petrobras para o caixa do PT. “Está difícil ter orgulho de trabalhar aqui”, diz um funcionário da área de obras e contratos. Maria das Graças Foster, presidente da Petrobras, tem pedido à diretoria para “aguentar firme”, sob a justificativa de que os atuais ocupantes do cargo não têm nada a temer. As investigações da polícia, do MP e até as internas criaram um clima de desconfiança. Na semana passada, os funcionários foram orientados a não apagar ou destruir e-mails, cartas ou mensagens de celulares. A empresa também mandou recolher as máquinas que picotam documentos. Tudo isso para evitar o desaparecimento de informações que possam ser relevantes para elucidar acusações contra a empresa – e também condenações futuras. Em 2002, a Securities and Exchange Comission (SEC), que regula e fiscaliza o mercado financeiro dos Estados Unidos, condenou a gigante falida Enron por ter destruído documentos que poderiam ter auxiliado nas investigações.
Em nota, a defesa de Duque disse que não há nenhuma ação penal contra ele. Disse, ainda, que Duque se colocou à disposição da Justiça. “A prisão do Renato Duque é um constrangimento ilegal, porque é injustificada e desnecessária. A regra é responder em liberdade”, afirma seu advogado, Alexandre Lopes. As empreiteiras Camargo Corrêa, OAS, Mendes Júnior, Engevix, Galvão Engenharia, UTC/Constran, Queiroz Galvão e Odebrecht dizem que colaboram com as investigações, prestarão os esclarecimentos e atenderão as autoridades. Em nota, a Camargo Corrêa afirma que “repudia as ações coercitivas, pois a empresa e seus executivos desde o início se colocaram à disposição das autoridades”. A Engevix afirma que “por meio dos seus advogados e executivos, prestará todos os esclarecimentos solicitados”. A OAS diz que “foram prestados todos os esclarecimentos solicitados e dado acesso às informações e documentos requeridos pela Polícia Federal, em visita à sua sede em São Paulo”. Em nota, a Queiroz Galvão “reitera que todas as suas atividades e contratos seguem rigorosamente a legislação em vigor e está à disposição das autoridades para prestar quaisquer esclarecimentos necessários”. A Galvão Engenheria diz em nota que “tem colaborado com todas as investigações referentes à Operação Lava Jato e está permanentemente à disposição das autoridades para prestar quaisquer esclarecimentos necessários”. A Odebrecht afirmou que cooperou com a polícia na apreensão de documentos em sua sede. “A Odebrecht reafirma que está inteiramente à disposição das autoridades para prestar esclarecimentos sempre que necessário.” A Mendes Júnior afirma que “colabora com as investigações da Polícia Federal e contribui para o acesso às informações solicitadas”. Representantes da Iesa não foram localizados por ÉPOCA. A UTC informou que “continuará à disposição das autoridades para prestar as informações necessárias”.


fonte: http://epoca.globo.com/tempo/noticia/2014/11/bescandalo-da-petrobrasb-partidos-e-empreiteiras-no-juizo-final.html

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