quarta-feira, 2 de setembro de 2015

Comunismo, uma verdadeira seita, uma anti-Igreja

Poucas pessoas se dão conta hoje em dia de que o pior mal do comunismo não está nas ditaduras que ele exerce em Cuba ou na China, mas está em sua doutrina, que é fundamentalmente sectária e anti-católica. Por isso, pareceu-nos oportuno transcrever aqui parte de uma palestra feita pelo Prof. Plinio Corrêa de Oliveira sobre o presente tema.


NOTA: O indice que apresentamos não pertence ao autor, mas foi feita pela redação deste site a fim de facilitar a leitura.
 Introdução
 1. Vale a pena arriscar tudo para lutar e ganhar
 2. Sagacidade da propaganda comunista
 3. Doutrina falsa, que deforma o homem e elimina valores
 4. Materialismo relativista e antipersonalista
 5. A teoria do movimento
 6. Princípio da transformação incessante da matéria
 7. Princípio das quatro modalidades do movimento
 8. Princípio da relatividade de todas as coisas
 9. Evolucionismo absoluto
 A. Autodinamismo
 B. Ação recíproca
 C. Lei do progresso universal
 D. Lei da contradição
 E. Salto qualitativo
 10. O materialismo histórico
 11. Princípio da transformação incessante
 12. O encadeamento dos processos
 13. O salto qualitativo
 14. A Religião evita o salto qualitativo
 15. Resumindo as idéias comunistas

Poucas são as pessoas que pensam na propriedade privada, em si, como um princípio de ordem moral. A maioria é de horizontes mentais insuficientemente vastos para não verem a propriedade privada como um mero interesse pessoal legítimo, mas como uma instituição, como um valor da Civilização Cristã. Pensando na propriedade privada, pensam na sua propriedade, e em nada mais. E o bom senso do velho adágio, que diz "vão-se os anéis, mas fiquem os dedos", começa a aflorar no sub-consciente de numerosas pessoas. Não é melhor proletarizar-se do que ficar um cadáver? O instinto de conservação responde que sim.
Surgem tais cogitações até na mente de pessoas muito corajosas em relação ao comunismo. E essas hipóteses, que na ordem concreta dos fatos se transformam em interrogação, indecisões e recuos, tem por isto mesmo um papel muito grande na atual luta entre o comunismo e o anti-comunismo.
Na realidade, o homem luta na medida em que a razão pela qual ele luta vale mais do que o esforço que ele desenvolve para lutar, e do que os riscos que corre lutando. Se ele acha que, lutando, evita males proporcionados a seu esforço e seu risco, então ele lutará. Mas se não estiver persuadido disto, ele poderá começar a lutar num primeiro momento de irritação, de cólera, de entusiasmo ou de irreflexão, mas ao cabo de algum tempo, quando vier o cansaço, quando vier o tédio, quando a briga perder a graça e começar a se tornar seriamente perigosa, surgirá uma série de interrogações em seu espírito. Diminuindo a vontade de lutar, tudo diminuirá na reação ao adversário.
Tenho a impressão de que nada há de mais perigoso para uma ordem social, para uma civilização, para um país, para seja o que for que queira sobreviver, do que perder a noção de que vale a pena arriscar tudo para lutar e para ganhar. A partir do momento em que essa convicção se apaga, a partir do momento em que nasce a idéia da possibilidade de um acordo que seja menos ruim que o horror da luta, começa uma espécie de defecção interna, que se manifesta por sintomas psicológicos discretos e insignificantes de início, mas que, na hora da pressão dos acontecimentos, dá a transparecer inevitavelmente um enfraquecimento interior, que conduz à derrota.
O advento do comunismo, fora ou dentro de nossas fronteiras, é um mal tão grande que, para evitá-lo, todas as lutas e todas as desgraças individuais, e até a morte, devem ser suportadas com coragem. Estamos numa dessas lutas de vida e de morte, em que comprar a vida por um recuo diante do adversário importa em fazer com que a vida não valha a pena ser vivida. Para um homem de caráter e de fé, mais vale a pena padecer a pior das mortes do que viver uma vida inglória, vergonhosa, de braços cruzados sob o tacão do comunismo. Focalizar isto, reavivar as razões pelas quais devemos lutar contra o comunismo, a meu ver é um dos elementos mais indispensáveis para que uma resistência anticomunista realmente tenha consistência, tenha dinamismo e seja eficaz.
Chamo a atenção para a sagacidade da propaganda comunista, que pouco fala sobre a doutrina comunista. Encontram-se livros comunistas à venda em livrarias comunistas. Tais livros são propriamente ilegíveis, pelo comum das pessoas, tal a quantidade de expressões técnicas complicadas, de cálculos que têm pressupostos, que por sua vez se prendem a outros pressupostos, de princípios filosóficos hirsutos e confusos. É preciso a pessoa passar por uma espécie de iniciação, adquirir certos conceitos primeiros e muito simples, para que aquela algaravia seja mais ou menos inteligível.
Uma pessoa que chegue a inteirar-se devidamente do conteúdo desses livros perceberá que a doutrina comunista constitui uma espécie de crença anti-religiosa, dogmática, coerente a partir do erro. Isto, aliás, é o que ela tem de pior, pois nada melhor do que a coerência na verdade, e nada de pior do que a coerência no erro. Fora do partido comunista, os supostos simpatizantes do comunismo não têm idéia nenhuma dessa doutrina. Pensa-se, no grande público, que os comunistas querem a igualdade dos bens, e que a partir do momento em que os bens forem todos nivelados eles estarão satisfeitos. Ora, se isto é verdade, e se de fato eles querem a divisão dos bens, ainda é mais verdade que eles não se contentam com isto.
Quando se estuda a doutrina comunista, percebe-se que se trata de uma verdadeira seita, de uma anti-igreja, que não acredita no sobrenatural, mas que está construída sobre certos preconceitos filosóficos. O nivelamento dos bens é uma das conseqüências, importante sem dúvida, mas apenas uma das conseqüências da doutrina filosófica comunista.
 Se os comunistas vencerem, introduzirão o nivelamento dos bens, que é um mal em si, e que em si é contrário à doutrina católica. Mas não vem apenas isto: vem o domínio despótico de uma seita, que toma conta do governo, estabelece uma ditadura e organiza toda a vida de acordo com sua filosofia específica. É a cultura, é a civilização, são todos os modos de ser e de existir do homem, é o próprio homem no interior de sua alma, que tem que ser amoldado aos princípios dessa seita. Não é só o advento de uma nova civilização e uma nova cultura, que querem instituir, mas de uma nova humanidade modelada por esses princípios filosóficos.
Conhecer bem este aspecto do comunismo, e os princípios errados que essa seita filosófica veicula, parece-me que é o meio melhor para criar contra o comunismo esta barreira intransponível, que contra ele se deve levantar. Deve-se mostrar que o comunismo é o erro completo, é a profissão de uma doutrina inteiramente falsa, que deforma o homem e elimina os valores que dão à vida seu sentido. E realmente mais vale a pena correr todos os riscos, mais vale a pena morrer, mais vale a pena enfrentar todas as desgraças do que cruzar os braços diante da perspectiva de que um tal estado de coisas seja estabelecido no Brasil e no mundo.
Reavivemos então as razões pelas quais devemos lutar contra o comunismo, estudando sua doutrina e pondo a nu o fel que sua maquiavélica propaganda procura esconder.
Karl MarxA doutrina comunista procede de duas teorias a respeito de dois pontos diferentes e fundamentais. Uma é a respeito da essência do universo, e outra é a respeito dos movimentos que no universo se dão.
Marx, que viveu no século XIX, adotou de Feuerbach, filósofo alemão anterior a ele, um sistema chamado materialismo metafísico. Tal sistema afirma que no mundo não há senão matéria, tudo é matéria. Nega a idéia de que existe o espírito, no sentido em que a Religião Católica o toma, isto é, um ser que não é feito de matéria. A idéia de que existe um Deus, puro espírito, ele a nega também. Tudo no universo não é senão matéria.
 
Segundo este sistema, a matéria passa por múltiplos fenômenos, que nada mais são do que a matéria que se modifica. Reações químicas, movimentos, tudo é apenas matéria.
 
Neste momento estamos conversando, e eu estou enunciando as idéias dessa escola. Para nós isto é um fenômeno espiritual. É a minha alma espiritual que produz tais idéias, e os senhores, através dos sentidos, as recebem em suas almas espirituais. Para eles, a própria idéia que eu lhes transmito é matéria, enquanto vibrando no ouvido de cada um dos senhores. Estamos colocados assim diante de um materialismo crasso.
 
Ao lado dessa concepção, cumpre lembrar rapidamente a teoria do movimento. É uma teoria que os comunistas chamam de dialética, e que dá origem ao chamado materialismo dialético.
O que é dialética? Engels, que era genro de Marx, é reputado, enquanto sistematizador das idéias marxistas, superior ao próprio Marx. Ele definia a dialética como sendo a ciência das leis gerais do movimento, tanto do mundo interno quanto do externo. O movimento do universo é externo, mas dentro de mim também há movimentos: movimentos orgânicos, o movimento de meu cérebro, o movimento de minha inteligência, que também é matéria em movimento.
Para exprimir bem seu pensamento a este respeito, Marx se servia das idéias de outro filósofo alemão, Hegel, que sob certo ponto de vista estava em posição oposta a Marx. Hegel era espiritualista, afirmava que tudo é espírito. Até o braço dessa cadeira não seria para ele senão um espírito, colocado em certa situação de condensação. Marx rejeitou o aspecto espiritualista da teoria de Hegel, e afirmou que tudo é matéria. Mas quanto às idéias sobre o movimento de todo o universo – universo que Hegel reputava espiritual, e Marx reputava material – Marx as aceitou, transpondo-as para a matéria.
Analisemos como se desenrola este fenômeno material, que é o pensar. Penso algo. Diante do pensamento que concebi – digamos que movido por certa vacilação interior – sou tentado a passar, e passo, para uma posição contrária, duvidando e mesmo negando o que há pouco cheguei a afirmar. Depois chego à síntese, terceiro pensamento que engloba os dois primeiros.
Para esclarecer o assunto, consideremos um exemplo sem grande valor filosófico. Imaginemos uma pessoa que está no escuro, e que procura pegar um objeto. Tomando-o, tem dele uma primeira impressão. Mas como está no escuro e não o pode ver, à força de pegar o objeto passa à idéia oposta, isto é, conclui que o objeto não é isto, mas aquilo. Depois, à força de apalpar, conclui que o objeto não corresponde à primeira, nem à segunda, mas a uma terceira impressão, que reúne alguns elementos das duas impressões anteriores. Essa pessoa formou uma tese, depois uma antítese, isto é, uma afirmação contrária à tese, e por fim uma síntese, isto é, um ponto de repouso terminal daquele ciclo de pensamento, em que chegou a uma espécie de equilíbrio entre as duas posições anteriores.
Dizia Marx que os homens individualmente, e também as sociedades humanas – segundo Hegel, também o próprio equilíbrio universal, que se concretiza num objeto qualquer, numa cadeira, num papel, numa casa – tudo passa por um movimento assim. Algo é afirmado, passa-se depois à antítese desse algo afirmado, depois chega-se à síntese. Esta síntese, por sua vez, faz o papel de tese em relação a uma outra antítese, que vai gerar uma outra síntese. E assim, cambaleando de meias verdades em meias verdades, ou de meios erros em meios erros, o espírito humano vai destilando algo que representa sempre uma posição nova, e que contém um enriquecimento das posições antigas. Por sua vez, esta posição não chega a ser uma verdade absoluta – porque a verdade absoluta, como os católicos a concebemos, não é atingível – mas, pelo menos, representa algo de mais rico do que os elementos que vieram antes.
Tudo na humanidade, tudo no universo é matéria, vivendo neste movimento de tese, antítese e síntese. É necessário ver o sentido que Marx dá a estas palavras, para bem compreender. Pode-se dizer que há aí três princípios.
Tudo está constantemente se transformado. Nós estamos aqui conversando, e à medida que conversamos há um desgaste individual, que conduz ao envelhecimento. Passamos por transformações da vida, até o momento final. Com todos os seres acontece isto, tudo se transforma constantemente. Este princípio, em sua expressão mais material, Lavoisier o enunciou para os seres inanimados: No universo nada se cria, nada se perde, tudo se transforma. Isto é verdade para os seres puramente materiais, e não para os seres que têm alma, como nós. Ou então há apenas uma parcela de verdade, já que nossa alma não está sujeita a essas transformações enunciadas por Lavoisier. Mas Marx, que era materialista puro, achava que este princípio se aplica a tudo, desde que só há matéria.
 
O movimento é, antes de tudo, um deslocamento. Mas há outras formas de movimento, que não são deslocamentos mas transformações. Por exemplo, quando a fisionomia de uma pessoa vai mudando com o curso do tempo. Há um certo tipo de transformações que são aparecimentos, e um outro tipo que são os desaparecimentos. Temos então: deslocamento, transformação, aparecimento e desaparecimento.
 
8. Princípio da relatividade de todas as coisas
Se tudo está sempre se transformando, se tudo passa a ser constantemente outra coisa, tudo acaba sendo relativo, nada tem valor absoluto, nada é eterno, nada é sagrado. A única coisa que existe de fato é a matéria, e essa transformação permanente.
Vem a propósito lembrar aqui a doutrina do turbilhão vital. Os fisiologistas afirmam que toda a matéria existente no corpo humano, de 7 em 7 anos é substituída (segundo outros há um limite até 14 anos). Assim, todas as substâncias de que o corpo humano era composto, em determinada época, após 7 anos já terão sido substituídas por outras. Quando nasci, eu era constituído por determinada matéria. Com 7 ou 14 anos, já nada possuía daquela matéria.
Se não sou senão matéria, e toda a matéria originariamente existente em mim desapareceu, devo dizer que morri dentro de mim mesmo, ou que me esfarelei. A sensação de continuidade pessoal que tenho aos 14 anos, em relação ao indivíduo que eu era ao nascer, é pura ilusão; aos 28 anos isto se repete, e assim por diante. Ora, o que assegurou a unidade de minha pessoa? Eu era aos 14 ou 20 anos um certo conglomerado de matéria, e me desfiz. Mas há uma porção de coisas que não eram eu – plantas e animais que comi, bactérias que respirei – e passaram a ser eu. Se comi um frango, a incorporação daquele frango a mim fez com que o frango passasse em parte a ser eu. Mas se uma fera comeu algum homem, é o homem que parcialmente se torna fera.
Há então entre o homem, o frango e a fera uma espécie de reversibilidade. Segundo esta concepção, tudo é mutável e reversível. Eu sou perfeitamente relativo, e tão precário e relativo que a minha continuidade pessoal, minha identidade comigo mesmo nem sequer se sustenta ao longo do tempo.
Poder-se-ia fazer uma objeção. Os fisiologistas dizem que o esqueleto não muda. Mas será que o esqueleto é o que garante nossa continuidade pessoal? É fácil perceber que cairíamos tão baixo, ficaríamos tão reduzidos, nesta concepção, que menos não é possível ser. Perderíamos o respeito de nós mesmos, a noção de nossa própria dignidade. Se aceitamos o materialismo, caímos aos nossos próprios olhos numa tal diminuição, que equivale moralmente à própria destruição de nossa personalidade.
Está discretamente afirmada nessa visão materialista uma concepção do homem muito depreciativa. Sublinho a expressão discretamente porque, se bem que essa concepção seja conseqüência rigorosamente necessária de todo o pensamento materialista, e portanto comunista, chama a atenção o fato de os comunistas não apregoarem abertamente essa conseqüência. Ela é um elemento velhacamente velado da sua doutrina. Quem não esteja com o espírito muito deteriorado sente horror a uma concepção dessas, e se arma logo em luta contra ela.
Este é um dos tantos refolhos da doutrina comunista, comparáveis às dobras de uma sanfona. Quando se vê uma sanfona espremida, ela é uma coisa; quando está aberta, vê-se outra muito maior. É preciso ter em mente, para julgar o comunismo, não só as noções sumárias que correm na rua, veiculadas pelo Partido, mas também todas as conseqüências em que essas noções implicam. Só assim se chega a compreender bem o que é o inimigo que está diante de nós.
Marx apontou alguns elementos como características do movimento universal: A) Autodinamismo; B) Ação recíproca; C) Lei do progresso universal; D) Lei da contradição; E) Salto qualitativo.
A. Autodinamismo - Tomemos um exemplo dado pelo próprio Marx: uma árvore que dá uma fruta, uma maçã. Essa fruta se forma no galho da árvore, chega à sua maturidade completa, cai, apodrece e liberta as sementes. Essas sementes libertadas dão origem a outras árvores, etc.
Há neste fenômeno o movimento da natureza, que é a tese: a maçã nasce. Depois a antítese: certas forças letais da maçã, que ela traz consigo ao nascer, entram em luta com ela, para provocar sua destruição. Em seguida a síntese: a maçã morta libera as sementes, que darão uma árvore, a qual dará outras maçãs. A vida, a morte, a ressurreição, o aparecer, o desaparecer, o germinar, são as realidades concretas do mundo dos fatos palpáveis.
O autodinamismo da maçã é um movimento interno, que a leva a nascer, amadurecer, desaparecer e liberar seus frutos.
B. Ação recíproca - A realização na maçã desse processo de tese, antítese e síntese se conjuga necessariamente com outros processos naturais. Por exemplo: o vento, o tempo, o clima, e outros fatores enfim. O universo se compõe de milhões de processos que se emaranham, que ao se emaranhar se apóiam, e ao mesmo tempo entram em luta. Esta interação é que faz com que o universo funcione.
C. Lei do progresso universal - Este movimento de tese, antítese e síntese não é um círculo vicioso. Não é uma só árvore, da qual sai uma só maçã, da qual sai uma só semente, do qual sai uma árvore, e assim por diante. É um movimento progressivo: uma árvore dá muitas maçãs, as maçãs contêm muitos caroços, desses caroços nascerão muitas árvores, das quais sairão muitas maçãs. Assim como acontece com a maçã, acontece com tudo quanto há no universo. Tudo está crescendo, há um pregresso constante de tudo.
D. Lei da contradição - Dentro de si, cada coisa tem algo que tende a matá-la: há uma luta. Marx chega a dizer que cada ser não é senão um equilíbrio de movimentos contrários, de forças contrárias. Esta lei é capital para compreendermos mais adiante a ferocidade do comunismo.
E. Salto qualitativo - Há uma noção marxista curiosa, que nos ajuda ainda mais a compreender a concepção comunista: é o salto qualitativo brusco. Diz ele que num determinado momento dessa evolução – tomando a água, por exemplo – acrescenta-se uma, duas ou três partículas de hidrogênio, que se somam à água original. Mas aquela soma produz um efeito especial, e a água inicial muda de qualidade, dando origem a um outro ser. Dá-se o salto qualitativo brusco.
Em função disso, à medida que os seres vão progredindo, vão mudando de qualidade. A doutrina do salto qualitativo brusco explica, segundo Marx, a origem material do espírito. A matéria, num determinado momento, teria chegado a um tal grau de sutileza, a um tal grau de excelência, que se transformou num gênero novo de matéria, de alto quilate, que nós, por pobreza de expressão, por pobreza de conceitos, chamamos de espírito, mas que não é mais do que a matéria em estado sublime.
Houve saltos qualitativos no universo, segundo Marx. Em virtude deles apareceram as plantas, os animais; depois apareceu este animal excelente, que é o homem, apareceu o pensamento humano, e ninguém sabe o que vai aparecer depois. Mas isto não pára. De salto qualitativo em salto qualitativo, iremos indefinidamente para a frente. Depois do homem pode aparecer algo de ainda mais excelente. O que será? Ninguém o pode prever, como na era em que só havia plantas era imprevisível o que seria o homem.
Este é um dos pontos em cuja interpretação os críticos do marxismo mais se enganam. Pensam eles que Marx admite uma espécie de ponto final da evolução. É um engano. Do homem vai nascer – ou melhor, está nascendo – um tipo de homem tão quintessenciado, que não vai mais precisar do governo, e vai viver inteiramente livre. Será o período feliz da anarquia ordenada. Depois surgirá qualquer coisa que nem se pode imaginar, mas a matéria – a que tudo se reduz – irá sempre em ascensão.
Essas leis do movimento da matéria regem o universo inteiro, e portanto também a parte mais nobre do universo, que é a humanidade, ou melhor, a parte mais evoluída do universo, posto que "nobre" não é uma palavra marxista.
Essas várias leis do movimento da matéria que acabamos de ver aplicam-se ao próprio mover da humanidade, que é a História. De que maneira? Procuram os marxistas interpretar toda a História de acordo com essas leis. É assim que, do materialismo dialético, nasceu o que se chama materialismo histórico.
O materialismo histórico é uma interpretação da História, procurando provar que são verdadeiras as leis que, segundo Marx, regem a História. Toda a História, tão difícil de analisar em sua imensa complexidade, vista do ângulo marxista se torna inteligível até nas suas mais extremas profundezas.
Todas as sociedades humanas, segundo Marx, estão numa evolução contínua. A elas podemos aplicar os princípios já vistos:
11. Princípio da transformação incessante
Há uma espécie de força interna pela qual, na história da humanidade, houve primeiro a escravidão. A escravidão gerou algo que é diferente dela, e que é a servidão. O escravo é aquele que pode ser tratado como uma coisa, podendo ser morto, destruído. A servidão é a escravatura já modificada, evoluída. Neste sentido, é a antítese da escravatura. O servo tem direito à vida, à propriedade, à família, se bem que esteja sob a autoridade de um senhor.
A escravatura (tese) gerou depois uma antítese, que é a servidão. A servidão e o feudalismo, que para Marx constituem um todo só, por seu choque geraram algo de especificamente diverso, que é o plebeu livre, o burguês – uma síntese. A burguesia vem a ser o contrário do feudalismo e da escravidão antiga, mas constitui um progresso. É o mundo do dinheiro, o mundo da liberdade, o mundo dos negócios, o mundo do ouro, do prazer, um mundo mais desvencilhado dos preconceitos religiosos.
Mas desta série tese-antítese-síntese sai uma outra antítese, que é a sociedade proletária, socialista, que está contida na tese como o burguês está contido no feudal, como o feudal está contido no servo e o servo no escravo. Por este movimento chegaremos ao socialismo e comunismo, depois à anarquia – uma liberdade inteira sem desordem nem caos – que é o ponto final do comunismo.
Este sistema é a linha previsível, para eles, da história da humanidade. Por esse movimento, o homem alienado como escravo foi ficando cada vez mais dono de si, mais livre, rejeitando todos os jugos: do Senhor, do patrão, dos deuses (meros mitos) e dos governos.
12. O encadeamento dos processos
Como a matéria rege tudo, o mundo físico – isto é, a economia, o dinheiro - domina toda a sociedade. A influência da economia vai produzir todo o encadeamento dos processos: processos de idéias, de instituições, de leis, de cultura, de arte, tudo evolui à base da economia. As próprias religiões são apenas reflexos da economia. Como a economia está toda baseada no instrumento de trabalho, é a história dos instrumentos de trabalho a nervura essencial da história das religiões, artes, ciências, culturas.
Pode-se justificar o coletivismo exatamente assim. No tempo da Idade Média havia o artesanato. Um operário, para fabricar um objeto, levava muito tempo, e o trabalho era individual, por causa da natureza individual do instrumento de trabalho. Concebia-se então a propriedade privada. Mas a partir do momento em que os instrumentos de trabalho passaram a se tornar coletivos – uma fábrica faz objetos em série, e muitos homens produzem o mesmo objeto – a produção se tornou coletiva. A partir desse momento a propriedade privada perdeu a sua razão de ser, e deve tornar-se coletiva.
Em conseqüência, a razão de tudo, na História, se encontra na evolução dos instrumentos de trabalho. Para uma pessoa cuja mentalidade lhe diz que a economia domina tudo, isto é muito razoável, porque imagina que só existe a matéria.
13. O salto qualitativo
Vejamos agora no que consiste, na História da Humanidade, o salto qualitativo. De acordo com a marcha da História, o senhor feudal, que representou uma evolução em relação ao senhor de escravos, está na origem do processo de decadência do feudalismo. Ele representa a tese, que é o feudalismo então vigente. Vem a antítese, a burguesia, que vai lutar contra o senhor feudal. O senhor feudal resiste, porque tende a conservar a tese. A antítese vai crescendo, e dá o salto qualitativo sobre o senhor feudal. O salto é a luta, a briga, o assalto, o morticínio.
A violência está no âmago desse processo, dessa dialética, desse entrechoque. É preciso que haja violência. Era forçoso que dos ataques saíssem outros ataques; que tivessem ocorrido muitas tragédias de sangue; que o morticínio, o "paredón", tivessem despontado na História. Porque é da fricção desses movimentos contrários que a História se movimenta. Se uma pessoa fosse evitar tais coisas, se evitasse a luta de classes, evitaria o salto qualitativo, que é o melhor da História.
O salto qualitativo é o salto agressivo dos que estão em baixo, superando os que estão em cima. É um mundo novo que nasce das entranhas do mundo velho, que o quer destruir. O antigo deve defender-se, e o novo deve atacar. Tem que sair a luta. Isto está na essência da História. Essa luta, a luta de classes, que a nós causa horror, é o próprio âmago da História.
Aparece aí uma enorme crítica, que eles fazem não tanto à Religião – da qual, como materialistas, negam tudo – mas ao papel histórico da Religião. Para eles, religião é uma quimera. Jesus Cristo foi admitido como Deus em conseqüência de um longo conjunto de processos, que derivaram de uma modificação qualquer nos instrumentos de trabalho na bacia do Mediterrâneo. Isto de dizer que o Verbo de Deus se encarnou e habitou entre nós, que nasceu de uma Virgem pelo poder do Espírito Santo, que depois cresceu em graça e sabedoria, que remiu os homens pecadores, que abriu o Céu, tudo isto é para eles um conjunto de mitos, que decorrem dos instrumentos de trabalho.
A banalidade destas negações não suscita de nossa parte qualquer comentário especial.
14. A Religião evita o salto qualitativo
Qual é, para os marxistas, o papel da Religião na História? Qual o papel desses mitos? Papel malfazejo, pois evita o salto qualitativo, evita a dialética, a luta. Um padre diz ao homem que aceite as dores da vida, porque no Céu terá a recompensa. O homem, aquiescendo a isto, não luta. O padre diz ao patrão que tenha pena do empregado, porque no Céu será recompensado também. O patrão, prestando auxílio ao empregado, frustra a luta de classes, ou seja, o salto qualitativo. Na sua função pacificadora ela evita os choques, que são o bem da História.
Note-se que é das profundezas de doutrina comunista que sai a idéia, não só da impossibilidade da aceitação da Religião, mas da nocividade da Religião. Para o comunista, a Religião é um mito, e é o mito nocivo por excelência, é o mal na História.
15. Resumindo as idéias comunistas
A) Necessidade de um eterno conflito entre os homens, para que a humanidade vá para frente.
B) Negação de todo o papel da Religião, porque ela é um mito nascido de instrumentos de trabalho, e o progresso dos instrumentos de trabalho vai varrê-la, substituindo-a pelo ateísmo completo. Para o marxismo, a Religião é o mal.
C) Uma concepção do homem em que ele não é um ser individualizado, com uma alma espiritual imortal, elemento capital de sua personalidade, que faz com que esse ser não se confunda com nenhum outro que houve e haverá até o fim do mundo. De maneira tal que, quando eu for julgado por Deus e for misericordiosamente levado ao Céu, como espero, eu ainda serei eu mesmo. Se fosse mandado para o inferno, também seria eu mesmo.
Desta natureza espiritual e pessoal vem a todo homem o direito ao produto de seu trabalho, o direito a ter economias e ser proprietário, o direito a ter mais do que os outros, porque Deus deu a uns mais do que a outros.
Daí vem a noção de uma sociedade humana constituída sobre direitos individuais e sobre uma hierarquia de pessoas de valor desigual. Mais ainda, uma sociedade humana constituída sobre uma hierarquia de famílias desiguais. Como o filho é a carne da carne, o sangue do sangue de seus pais, as desigualdades dos indivíduos se projetam em uma desigualdade de famílias, que tem algo de hereditário e está na própria essência da família. De onde termos sociedades baseadas na hereditariedade, na hierarquia, na tradição, em valores perenes, precisamente porque baseados na família, que é o receptáculo da tradição. Baseadas na idéia da alma espiritual, essas sociedades tomam a Religião como o maior de seus valores.
Ao contrário disso, o comunismo nega a personalidade do homem. Em conseqüência, nem vem em conta perguntar se um homem tem direito à sua vida. Isto não tem sentido, pois está morrendo a toda hora. Não tem direito a nada, pois é um composto heterogêneo do frango que comeu ontem, mais a alface que comeu anteontem. E podemos acabar com ele, como com o frango e o alface, contanto que vá para frente a evolução eterna da matéria, através do processo já descrito, das violentas explosões da dialética e do salto qualitativo.
Compreende-se que, a partir do momento em que uma tal concepção do mundo prevalecesse, o homem seria tão pouco, a vida seria tão miserável e tão mesquinha, que o último homem que discordasse dessas idéias só teria duas coisas a fazer: combater o comunismo, fazendo novos prosélitos, ou ajoelhar-se e pedir a Deus que o levasse desta vida.
Diante do comunismo, a posição não pode ser de salvar a vida e tentar conciliações, com a idéia de que se pode entrar em acordo com ele, mas o contrário: expor a vida, não aceitar conciliações, não aceitar nenhum acordo. A guerra sem tréguas ao comunismo é a única atitude razoável, sobretudo dentro de nossas fronteiras. Entre nós e o comunismo há muito mais que muralhas de ferro ou de bambu: há uma diversidade insolúvel, na concepção da vida e da Religião, uma diferença que põe em jogo tudo que faz a vida digna de ser vivida.


fonte: http://www.revolucao-contrarevolucao.com/verartigo.asp?id=47

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