Leitura obrigatória para entender como se constrói o apoio ao governo petista e por que ele é terrivelmente incoerente.
7 razões por que os movimentos sociais deveriam parar de defender Dilma (e uma por que defendem)
Defender Dilma Rousseff nunca foi uma tarefa fácil. Sem uma trajetória política própria que a coloque como representante de ideias e grupos, Dilma sempre dependeu de características que lhe são atribuídas por terceiros para angariar a simpatia alheia. Quando eleita, era a gerentona, a mãe do PAC, o programa que deveria destravar a logística brasileira e fazer do crescimento econômico algo natural. Pouco mais de 5 anos depois, com o evidente fracasso do plano de crescimento elaborado, viu sua popularidade despencar, seu apoio na classe média desaparecer, e de todos os lados, apenas um grupo permanecer firme em seu apoio: os movimentos sociais.
Para alguns políticos ou militantes, associar-se ao governo Dilma é algo que deve ser feito com cautela. Nesse grupo, boa parte é composta pela chamada “oposição à esquerda” – um grupo nascido para tentar dissociar as idéias de esquerda daquelas postas em prática por Dilma, como se garantindo uma alternativa diante do resultado iminente do governo. Segundo a chamada “guinada à esquerda”, que muitos esperam de Dilma, a solução para o terceiro ano consecutivo de déficit público, causado pelos excessos de subsídios e gastos públicos em sua trajetória até aqui, seria um aumento no gasto público que faria o país crescer, melhorando a arrecadação. Opor-se à esquerda é na prática, sugerir que se tais medidas populistas não deram resultados é porque não foram profundas o suficiente – jamais porque partem de princípios errados.
Para salvar sua pele, porém, o governo entende que não depende apenas de agradar tais grupos, mas de conquistar, ou reconquistar, o apoio da classe média, que por anos apoiou Lula e o tornou um dos presidentes mais populares da história. Na prática, a realidade é que o governo Dilma não deveria ter o apoio sequer daqueles que o apoiam. Sem contar com os cofres cheios, como Lula, colocar em prática políticas populistas e distribuir verbas em programas sociais é uma alternativa da qual Dilma não dispõe.
Contra o impeachment, Dilma conta com o apoio de movimentos estudantis, como a União Nacional dos Estudantes, de sindicalistas como a CUT, movimentos rurais como o MST, urbanos como o MTST, feministas e inúmeros outros grupos que, ao menos em tese, deveriam defender interesses por motivações sociais. Não são poucos os grupos, no entanto, que recebem verbas do governo, ajudando a entender por que é tão usual encontrar movimentos que deixam de lado absolutamente tudo o que defendem para apoiar um governo que exerça seu mandato no sentido oposto às suas idéias.
Abaixo, listamos as 7 vezes em que Dilma Rousseff deu motivos de sobra para ser vaiada por qualquer militante brasileiro (e uma por que ela nunca foi).
1.
O GOVERNO DILMA ENTRARÁ PARA A HISTÓRIA COMO O QUE MENOS COLOCOU A REFORMA
AGRÁRIA EM PRÁTICA.
Para
o presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores da Agricultura, a
CONTAG, o impeachment de Dilma justificaria a invasão de propriedades rurais.
Para o líder do MST, trata-se de caso para “pôr o exército na rua” – e por
exército nesse caso, João Pedro Stédile se refere justamente ao próprio MST.
Dilma
desapropriou nada menos do que 22,3 vezes menos imóveis do que Fernando Henrique Cardoso, que teve a própria
fazenda invadida pelo MST. Foram 3.532 imóveis desapropriados em 8 anos de FHC,
contra 158 nos 5 primeiros anos de Dilma (que até uma semana atrás, não
havia feito nenhum novo assentamento em 2016).
Em
número de famílias assentadas, 2014 representou um recorde para Dilma: cerca de
32 mil. Em seu pior resultado, em 1995, FHC assentou 42,9 mil famílias. O pior
número de Lula é de 36,3 mil famílias.
Para
o Tribunal de Contas da União, porém, o esforço recente da presidente em buscar
realizar desapropriações (e assim acalmar uma das suas poucas bases de apoio),
não deverá prosseguir por muito tempo. O Tribunal avaliou que entre os
assentados por Dilma, constam irregularidades das mais variadas, incluindo
beneficiários como 1.017 políticos (847 vereadores, 96 deputados estaduais, 69
vice-prefeitos, quatro prefeitos e um senador), 37 mil pessoas falecidas, 61
mil empresários, 4.293 pessoas com alto poder de renda (pessoas que tenham
carros com valor superior a R$ 70 mil, como Porche, Land Rover ou Volvo) e 213
estrangeiros. Todos recebendo lotes de terras por parte do INCRA. Em função
disso, toda e qualquer desapropriação e assentamento devem ser suspensos,
tornando incerto o orçamento de R$ 1,2 bilhão do INCRA para o ano, no qual
constam R$ 560 milhões para prováveis desapropriações.
2. O MENOR GANHO DO SALÁRIO MÍNIMO DESDE O
PLANO REAL.
Durante
anos, o crescimento real do salário mínimo, obrigatório por lei há alguns anos,
tornou-se a principal bandeira social do governo Lula na área do trabalho. Na
prática, no entanto, obrigar que se remunere mais aqueles que ganham um salário
mínimo não significou aumentar proporcionalmente o salário daqueles que já
ganhavam mais de um salário antes da lei.
Durante
os 8 anos do governo Lula, o salário médio na economia cresceu 23%, entre 2003
e 2009 (não há dados para 2010). Enquanto o salário mínimo cresceu 255%. Em
suma, quem antes ganhava 3 salários, passou a ganhar 1. Para a propaganda do
governo, porém, pouco importa – trata-se apenas da “maior valorização do
salário mínimo em 5 décadas”, ainda que isso não represente dinheiro real no
bolso dos trabalhadores.
Além
das canetadas mágicas que fazem subir o salário minimo, o governo Dilma tem
enfrentado um problema que parecia distante – a inflação. Em 2015, o índice de
preços subiu 10,67%, em meio a uma recessão de 3,8% na economia. Não é difícil
supor os maiores prejudicados nesta história, justamente os mais pobres.
Entre
2011 e 2015, segundo o Ipeadata, o salário mínimo decretado por Dilma, subiu de
R$ 510 para R$ 880, um aumento de expressivos 72%. Na prática, porém, quando
descontamos a inflação, o aumento salarial foi de 17,46% em 5 anos. Isto
porque, corrigido pela inflação, o salário mínimo de R$ 510 equivaleria a R$
746. O valor é semelhante aos 19,48% registrados no governo FHC, que ainda
conviveu com inflação acima de dois dígitos em certos momentos.
A
perspectiva, porém, mostra que, registrando índices negativos de crescimento em
2016 e 2017, conforme o Banco Central prevê em seu boletim Focus, o salário
mínimo terá de subir, no máximo, o mesmo que a inflação, tornando o governo
Dilma aquele que menos valorizou o salário mínimo desde o fim da hiperinflação.
3. DILMA FOI A PRESIDENTE QUE CONCEDEU MAIS
SUBSÍDIOS A GRANDES EMPRESAS.
Desde
seus primeiros dias à frente do governo, Dilma Rousseff e sua equipe econômica
jamais negaram que a política de crescimento defendida por ambos, tinha no
crédito o seu principal pilar. Graças a esta ideia, bancos públicos tornaram-se
responsáveis por 52% do crédito do país. Coube ao menor dos três, porém, o
BNDES, garantir aquilo que o governo trataria por chamar de ‘política
industrial’.
Aumentar
o endividamento do governo, pagando juros superiores a 14,25% ao ano, e
entregar tais recursos a pouco menos de mil empresas (responsáveis por 70% do
crédito), ao custo de 6,5%, foi durante quase 5 anos a maior política do
governo Dilma para ativar o setor privado. Nada menos do que R$ 184 bilhõesforam repassados ao setor
privado às custas do endividamento público.
Nomes
como Odebrecht ou Andrade Gutierrez tornaram-se figura carimbada na lista de
beneficiários da instituição. Hoje, com os presidentes de ambas as empresas
presos, descobrimos pistas de que não foi apenas a vontade de fazer a economia
crescer que motivaram o governo a liberar bilhões em crédito para obras tocadas
por tais empresas (apenas a Odebrecht é responsável por 70% das obras
financiadas pelo banco no exterior), mas interesses ainda menos nobres.
Considerando
o piso nacional do magistério, de R$ 1.917,78 em 2015, os valores gastos pelo
governo para subsidiar grandes empresas poderia render um aumento de 83% aos
2,35 milhões de professores brasileiros durante 4 anos. Uma renda extra de R$
78,2 mil por professor. Apesar de parte dos professores saírem às ruas em
defesa de seu governo, não pareceu prioridade.
4. A POBREZA VOLTOU A CRESCER.
2013
já deu sinais de que o crescimento baseado em crédito poderia não sustentar por
muito tempo a economia brasileira. Foi neste ano que, segundo o IBGE, a pobreza
teve seu primeiro aumento em mais de uma década, e o maior aumento desde o
Plano Real.
De
lá para cá, uma mudança metodológica mudou nossas perspectivas. O Banco Mundial
alterou as formas como se mede a pobreza no mundo, passando a considerar dados
relativos ao poder de compra de 1 dólar em 2005. Neste critério, nossa pobreza
caiu em 2014.
O
fator crise, porém, não deixou impune a população cujo limiar da pobreza está
em justamente receber benefícios do governo. A maior crise econômica da
história brasileira deve resultar em números muito mais preocupantes do que uma
queda de 6,3% no PIB ou uma estagnação da renda. Significará para 3,1 milhões de famílias voltar às classes D/E. O número é quase igual ao das
3,3 milhões de famílias que ascenderam à classe C entre 2006 e 2012. Ao todo,
serão 10 milhões de pessoas a mais na pobreza ou extrema pobreza como
consequência da crise.
Ao
fim da crise, 3,7 milhões de empregos terão sido perdidos (2,2 milhões em 2016 e 1,5 milhão em 2015), e
o número de desempregados baterá recordes, em boa parte porque pessoas que
antes possuíam renda (seja o sustento pelos pais ou rendas como alugueis),
agora se veem na obrigação de procurar um trabalho.
5. O GOVERNO NÃO REGULAMENTOU O USO DE
ROYALTIES NA EDUCAÇÃO, E AINDA CORTOU VERBAS DA ÁREA.
A
grande bandeira do governo na educação, que criou o próprio slogan do segundo
governo Dilma (Pátria Educadora), possui metas claras e sedutoras. Em uma época
onde a economia da educação mostra relações claras entre aumento de
investimentos em educação e crescimento da produtividade e da renda, entregar
slogans ou números mágicos, como os tais “10% do PIB para a educação”, é
possivelmente uma das estratégias mais bem elaboradas no debate político dos
últimos anos.
Com
este slogan, o governo conseguiu criar um clima de ufanismo em torno da
Petrobras. A maior estatal brasileira seria o meio de gerar o crescimento via
educação. Usurpando-se portanto de uma causa sem contestação, a educação, o
governo pode agir e aprovar as medidas mais intrincadas possíveis. Para isso,
criou uma lei de conteúdo nacional, privilegiando empreiteiras responsáveis por construir e operar sondas, que mais tarde
provaram-se superfaturadas, e inúmeros outros meios pelos quais, segundo o
próprio governo, a Petrobras sairia fortalecida.
Cinco
anos depois de iniciada a campanha, e quase 3 anos depois de aprovada a lei que
destina os royalties para educação e saúde, porém, o Fundo Nacional do Pré-sal
continua sem sair do papel. Nenhum centavo do pré-sal destinou-se à educação
até agora – pelo contrário, tais recursos foram direcionados ao superávit
primário.
Para
fazer o ajuste fiscal, o governo não hesitou. Cortou bolsas de pós-graduação,
investimentos em universidades e gastos que chegam a R$ 9 bilhões, apenas na educação. Diante da
greve de 2015, concedeu reajustes menores que a inflação aos professores (24%
em 4 anos, contra 10,67% de inflação apenas em 2015), e quando viu que
tratava-se de medida insuficiente, reduziu novamente o orçamento da educação em R$ 4,2 bilhões em 2016.
Para
a UNE, a União Nacional dos Estudantes, tais medidas possuíram pouco impacto.
Ver sua principal bandeira ser jogada no lixo não impediu que a entidade
enviasse ao presidente do Senado, Renan Calheiros, uma carta de apoio ao
governo, contra o impeachment.
6. A DIFERENÇA SALARIAL ENTRE HOMENS E
MULHERES AUMENTOU.
Primeira
mulher a se tornar presidente da República, Dilma Rousseff conta com um natural
entusiasmo dos movimentos feministas. O apoio de coletivos
ao seu governo é capaz de reunir dezenas de milhares de mulheres em
marchas em Brasília, ainda que suas principais pautas jamais tenham sido
atendidas por ela.
Nem
mesmo o fato de nunca ter tocado na pauta do aborto, ou ver seu
predecessor, e mentor político, referir-se aos movimentos feministas como massa
de manobra, fez o apoio pelo atual governo diminuir. Ao contrário. Em tom
de ironia, muitas feministas conhecidas atenderam prontamente ao chamado de
Lula para protestar em sua defesa.
Criada
em 2003, a Secretaria de Políticas para as Mulheres foi durante 12 anos um
órgão destinado a pensar políticas que ajudassem a resolver problemas
históricos como a desigualdade salarial entre homens e mulheres, ou a violência
contra a mulher. Em meio ao esforço de ajuste fiscal, Dilma extinguiu a
secretaria, em março de 2015, e junto dela, seu orçamento de R$ 182 milhões.
No
campo prático, porém, as políticas do governo Dilma não colaboraram para
reduzir questões como a desigualdade salarial, que saiu de 11,3% em 2011, para 14,38% em 2015. Já em uma seara muito mais complicada, a da violência
contra a mulher, os resultados também parecem desanimadores, com um aumento da
violência domestica persistente, a despeito da Lei Maria da Penha. Neste caso,
porém, é possível que haja uma distorção causada pelo aumento de denúncias, e
não dos casos em si.
Na
prática, o ganho às mulheres por ter uma mulher na presidência do país é nulo.
7. … E A VIOLÊNCIA CONTRA JOVENS NEGROS TAMBÉM
AUMENTOU.
“O
governo do PSDB significa o genocídio da juventude negra”, dizia um tweet compartilhado pelo perfil do ex-presidente Lula durante as
eleições de 2014.
Durante
mais de uma década, a juventude, em especial negros (e mais ainda aqueles em
situação da pobreza), foram tratados como apadrinhados pelo governo. A criação
de cotas e outros mecanismos de ajuda deveriam, ao menos em tese, fortalecer a
juventude negra diante das adversidades, não apenas do racismo, mas econômicas.
Pautas
como o debate em torno das drogas, responsável por grande parte das mortes
entre jovens no Brasil, jamais entraram na agenda do governo ao longo dos
últimos anos. E no que se refere apenas aos números, há uma clara noção de que
as principais causas da violência entre jovens negros, não diminui no país.
Pelo contrário.
Segundo
o mapa da violência, o número de assassinatos no país cresceu 7% entre 2011 e
2014. Entre 2002 e 2012, porém, ele se tornou mais seletivo. Enquanto em 2002,
o número de brancos assassinados caiu de 19.846 para 14.928, o de negros
assassinados anualmente no mesmo período cresceu de 29.656 para 41.127.
Especificamente
entre os jovens negros, os assassinatos cresceram 21,3% entre 2007 e 2012. Um verdadeiro genocídio que mata 23 mil jovens
negros por ano, número superior ao da guerra civil angolana, que matou 20 mil
pessoas ao ano entre 1975 e 2002.
POR QUE DEFENDEM, AFINAL?
Essa
pergunta deve ser direcionada a cada uma das lideranças de movimentos sociais,
a cada um dos membros dessas organizações. Mas é possível enumerar uma razão
que se sobressai.
Ao
longo dos últimos meses, enumeramos em nossas postagens a quantidade de movimentos
sociais que recebem dinheiro público para sustentar suas atividades – e de como
essas verbas saltaram durante os governos petistas. Falamos sobre os movimentos
que receberam repasses do BNDES e da Petrobras aqui, falamos da CUT aqui, da UNE aqui, do MST aqui, dos movimentos que formam
opiniões à esquerda (do desarmamento à “democratização da mídia”) aqui, da classe artística aqui e aqui. Todos compartilhando duas
coisas em comum: dinheiro dos pagadores de impostos e apoio irrestrito ao
governo, mesmo quando esse governo rompe com todos os seus princípios
ideológicos (e aqui, não raramente o apoio irrestrito é fantasiado de um “apoio
crítico” cínico).
Dessa
forma, não resta dúvida: há um abismo entre ser parte de um movimento social e
defender mudanças sociais que impactem a vida dos menos favorecidos.
Quanto maior o dinheiro envolvido no bolso dos seus militantes, menor será o
interesse em lutar por isso.