Sei
que não será fácil atrair a atenção do leitor hoje para algum assunto
que não seja a nova prisão de José Dirceu. Agosto, mês da volta às
jaulas. O homem foi preso no regime militar, e duas vezes na democracia,
com seu próprio partido no poder. Azar? Culpa do sistema? Ou falta de
caráter do próprio?
Como não dá para desviar muito do
assunto, vamos usá-lo como gancho para o tema mais abrangente tratado
aqui: a covardia que, somada à inveja, levam ao “país dos coitadinhos”.
No novo filme de Tom Cruise, o quinto “Missão Impossível” (muito bom,
por sinal), o vilão é um total psicopata que enxerga nas mortes todas
que causa apenas um meio aceitável para seus fins, e coloca depois a
culpa no “sistema” por ele ser assim, fazer tais coisas.
O primeiro ato dos fracassados e
marginais é se eximir de responsabilidade, apelar para algum coletivo
qualquer. A esquerda, que vive de explorar o fracasso e a inveja
alheias, adora esse discurso, sempre tratando bandido como “vítima da
sociedade”. Abstrações coletivistas que servem para transferir a culpa
para terceiros, sempre.
Em sua
coluna
de hoje na Folha, o filósofo Luiz Felipe Pondé trata do assunto, e
conclui algo meio fora de moda: temperamento é destino. O preguiçoso
dificilmente será bem-sucedido, e depois culpará o “sistema” por seu
fracasso. O covarde, então, precisará do bando para compensar sua
fraqueza:
Gente
covarde. Piorou, né? Piorou porque hoje todo mundo é legal. Ou, se não
é, é por culpa de alguma forma de opressão. Até mesmo a psiquiatria e as
neurociências estão virando desculpa para temperamentos sem muitas
virtudes justificarem seus fracassos. Dia desses, as pessoas virão com
“manual de funcionamento”, e, por exemplo, aprovações em escolas e
faculdade serão dadas por juízes e psiquiatras, e não mais pelos
professores.
Bem
feito para eles, os professores, que são bem culpados por isso tudo,
uma vez que têm ensinado o “culto da vítima” há algumas décadas para os
alunos. As crianças nem sabem mais as capitais dos Estados e dos países
porque seus professores estão mais preocupados em pregar todo tipo de
ideologia salvacionista. Quem diria que a sala de aula iria virar uma
igreja?
Mas
voltemos à covardia. Em épocas de guerra é mais fácil enxergar a
covardia e ver que ela é uma epidemia. Em tempos de paz, ela fica mais
disfarçada. Mas, ainda assim, você a vê aqui e ali. A covardia gosta de
andar em bandos. Fala sempre “nós” e adora ser parte de algum “coletivo”
ou “instituição”. A covardia é incapaz de sair do protocolo. Sente-se
em casa num protocolo. Por isso é prolixa e, assim, enche o saco da
coragem que tende a ser impaciente com ela. A coragem é sua inimiga
mortal, inclusive porque é mais bonita e inteligente do que ela. A
covardia adora ouvir o som da própria voz.
A
originalidade é terra estranha para a covardia, que prefere copiar.
Ela, a covardia, costuma se dar bem quando a regra é obedecer a
mediocridade. É sempre um risco enfrentar a mediocridade porque ela tem a
maioria em seu exército. Covardia e mediocridade são irmãs gêmeas. Uma
se reconhece na outra. Uma defende a outra com uma fúria que só
miseráveis de caráter sentem. Normalmente, essa fúria é alimentada pela
inveja, prima irmã da covardia e da mediocridade. Todas as três são
feias de doer. Diria, em gíria popular: três barangas de matar!
O covarde precisa do
aplauso da plateia, precisa ser querido por “todos”, o que o leva ao
sensacionalismo, ao populismo, à demagogia. Precisa, também, atacar o
forte, o melhor, que ele inveja, o que leva ao coletivismo que tenta
anular o indivíduo. Pondé fala ainda da mesquinhez e da vaidade, outros
ingredientes típicos dessa turma que, infelizmente, dominou e ainda
domina o ambiente cultural em nosso país há décadas. Foram as ideias
paridas por essas pessoas que criaram o país dos coitadinhos.
Estou lendo, por sinal, o
livro exatamente com esse título escrito por Emil Farhat na década de
1960. Deveria ser reeditado, pois consegui apenas um exemplar em sebo,
bastante desgastado. Revela a alma do Brasil, que já em 1966 mostrava o
caminho que iria tomar ao idolatrar o fracasso e culpar o sucesso.
Abaixo, alguns trechos do longo prefácio, que já resume bem a situação
lamentável de nossa mentalidade:
[...] este
país tem que tomar opções diante do futuro, tem que livrar-se do
complexo das encruzilhadas e libertar-se para sempre da “filosofia”
hipócrita da frouxidão, e da esterilidade comodista da inércia.
[...] É
preciso que as novas gerações, desavisadas ante certas distorções da
piedade, e nisto tão ludibriadas, se acautelem contra as artimanhas
intelectuais desses exploradores do “coitadismo”. Pois suas armadilhas
sibilinas já quase chegam à audácia de erigir os albergues em símbolo
dos lares que devemos ter… e parecem querer fazer dos pobres favelados a
própria imagem “heroico-romântica” do que todos deveríamos ser…
[...] Não há
dogma político, nem sofisma religioso que possa fazer aceitar a
inaptidão do incapaz, ou a inércia do preguiçoso, ou a improdutividade
do desleixado, ou a esterilidade do indivíduo sem iniciativa, como
padrão além do qual tudo é “espoliação”: a dedicação do estudioso, a
persistência do incansável, a inventividade do talentoso, a audácia do
pioneiro, o inconformismo do homem dinâmico, a insatisfação do
realizador.
Medir para
baixo é estratagema dos frustrados e complexados que querem assim deter a
potencialidade criadora dos cidadãos capazes.
[...] O que
leva as nações para a frente é a divina obsessão dos que amam competir,
dos que incansavelmente constroem, dos inquietos criadores, dos que
rompem a inércia; dos que rasgam os pantanais humanos ainda que
espadanando a preguiça; dos que desabam dilúvios de atividades ainda que
estas perturbem a placidez do vazio e a esterilidade do nada.
Uma nação
marca o seu destino quando a massa do seu povo passa a entender que a
vida é uma permanente maratona viril de vontade, talento e audácia, onde
não há lugar para a conspiração dos mesquinhos que buscam fanaticamente
a compensação de bitolar todas as coisas pela curteza da sua inaptidão,
ou pelo descompasso das suas frustrações.
[...] Este
país não pode desorientar-se pela sinistra litania dos que se perderam
ou se marginalizaram e querem, por isto, desmarcar e confundir as rotas
alheias. Nem pode passar a temer a ação dos mais capazes – forçando-os a
que simplesmente se igualem aos que fazem mal as coisas, ou nem as
fazem. Nem pode punir o mérito, por este exceder ao desvalor dos que não
se cuidaram. Nem deve estiolar-se na ideia estéril e mesquinha de que
tirar dos que conseguem ter é a única e só maneira de dar aos que não
sabem ter.
Agora apertemos o fast forward até
o presente, e voltemos ao José Dirceu: alguém assim poderia chegar onde
chegou sem essa mentalidade do coitadinho espalhada pelo país? O PT,
partido populista e demagógico, teria ficado no poder por tanto tempo
sem Paulo Freire e companhia espalhando por aí que os piores são, na
verdade, os melhores? Haveria mensalão e petrolão se a covardia não
fosse tão marcante em nosso país, se a inveja não dominasse tantos
corações medíocres, que desejam destruir os melhores mais do que ajudar
os piores?
Dirceu, não custa lembrar, foi tratado
como “herói injustiçado” por seu partido, mesmo depois de condenado pela
Justiça! Para essa gente, seus meios nefastos são aceitáveis para os
“fins nobres”, como a “justiça social”. O monopólio das virtudes servia
como justificativa para todo tipo de crime. A narrativa segregava o povo
entre “nós” e “eles”, entre os “do bem” e os “maus”, da elite golpista,
insensível, capitalista. Ser petista era estar a favor dos desvalidos,
dos oprimidos, dos coitadinhos!
Deu nisso. Não poderia dar em outra
coisa. O Brasil jamais vai se livrar dessa praga enquanto não mudar a
mentalidade que serve como terreno fértil a essa praga, enquanto não
abandonar o culto do coitadinho, a marcha dos oprimidos. Da próxima vez
que o leitor escutar algum seguidor de Paulo Freire repetindo a máxima
relativista de que ninguém é melhor do que ninguém, olhe-se no espelho e
veja se você é ou não melhor do que alguém como José Dirceu.
É? Então não se deixe levar pela mensagem
canalha dos covardes e dos invejosos. Eles já dominaram o Brasil por
tempo demais. Está na hora de dar uma chance aos melhores, não é mesmo?
Rodrigo Constantino