Sérgio Augusto de Avelar Coutinho
O Fabianismo é uma doutrina e um movimento político-ideológico socialista democrático, reformista e não-marxista, de concepção inglesa. Teve origem na Fabian Society fundada em Londres no final de 1883 e início de 1884 por um grupo de jovens intelectuais de diferentes linhas socialistas, com o propósito de reconstruir a sociedade com o mais elevado ideal moral possível. Objetivamente tinha a finalidade de promover a gradual difusão do socialismo, entendido como fim das injustiças econômicas e sociais da sociedade liberal, burguesa e capitalista. Mas, ao mesmo tempo rejeitava a doutrina marxista e, especialmente, a transformação pela revolução violenta. A idéia era a de que a transição do capitalismo para o socialismo poderia ser realizada por meio de pequenas e progressivas reformas, dando início ao socialismo no contexto da sociedade capitalista.Embora os primeiros fabianos ainda sofressem influência do marxismo, os seus conceitos de economia não eram de Marx, mas de John Stuart Mills e Willian Stanley Jevons. Afirmaram que o utilitarismo, há tanto tempo usado para sustentar o individualismo, realmente, nas modernas condições, aponta para uma crescente intervenção estatal na economia para promover a maior felicidade de um maior número. Contradizendo os marxistas, o Estado não é um organismo de classe a ser tomado, mas, um aparelho a ser conquistado e usado para promover o bem-estar social. Os fabianos, portanto rejeitam o socialismo revolucionário.
Os membros da “Fabian Society”são principalmente intelectuais, professores, escritores, e políticos. Foram os principais fundadores Edward R. Pease, o casal Sidney e Beatrice Webb, George Bernard Shaw, H.G. Well outras destacadas personalidade. Efetivamente, a Fabian Society tem sido sempre um grupo de intelectuais.
Seu proselitismo, em determinadas questões, segue uma política de “permeação” das suas idéias socialistas entre os liberais e conservadores. Tentam convencer as pessoas por meio de uma argumentação socialista objetiva e racional em vez de uma retórica passional e de debates públicos.
Acreditam que não existe uma separação nítida entre socialistas e não socialistas e que todos podem ser persuadidos a ajudar na realização de reformas para a concretização do socialismo.
Com as adesões de Bernad Shaw (1884) e de Sidney Webb (1885), a sociedade começou a assumir seu caráter próprio, vindo a se tornar efetivamente socialista a partir de 1887.
Em 1889, sete membros fundadores redigiram um livro que levou o nome de Fabian Essays in Socialism (Ensaio Fabiano sobre o Socialismo), resumindo as bases doutrinárias da Sociedade.
Sidney Webb e Bernad Shaw, repudiando o marxismo, reconheciam que o desenvolvimento promovido pelo “laisser faire” (o capitalismo liberal) correspondia também a uma intervenção do Estado em defesa do trabalhador ou, pelo menos, na melhoria da qualidade e condições de vida. A legislação sobre salários, condições e jornada de trabalho e a progressiva taxação dos ganhos capitalistas é um meio inicial de realizar a eqüitativa distribuição de benefícios. O passo seguinte na direção do socialismo, em termos de reformas sociais mais profundas, será a adoção dapropriedade e administração estatais das indústrias e dos serviços públicos. Recomendam também a criação do “imposto único”.
Os fabianos são realistas e procuram convencer todas as pessoas, independentemente da classe a que pertencem e com argumentos lógicos, que o socialismo é desejável e que melhor realizará a felicidade humana.
A Sociedade Fabiana não se dispôs a se organizar em partido, permanecendo sempre como um movimento. Entretanto, em 1906 um grupo de fabianos e sindicalistas fundaram o Labour Party (Partido Trabalhista Britânico) que adota o fabianism como uma das fontes da ideologia partidária.
Em 1945 o Labour Party chega ao poder na Grã-Bretanha expandindo o fabianismo. O Partido no governo consegue realizar quase todo o ideário dos fabianos.
Atualmente, a Fabian Society atua principalmente como um centro de discussão intelectual, de propaganda e de difusão do socialismo democrático e como uma referência na Grã-Bretanha para os socialistas, em especial de classe média, que não desejam comprometer-se com o Labour Party.
Antes da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), os fabianos tinham pouca preocupação com o movimento socialista em outros países. Durante o conflito adotaram até uma posição nacionalista exacerbada.
Na prática política, parece que os fabianos não têm dificuldade de entendimento com os socialistas revolucionários podendo apóia-los ou com eles fazer alianças, particularmente para atingirem algum objetivo intermediário.
Em termos de internacionalismo, o fabianismo tem sido sempre considerado a ala direita do movimento socialista. Ideologicamente, coloca-se em posição intermediária entre o capitalismo democrático e o marxismo revolucionário. Com esta posição, em 1929, o movimento Fabiano se propõe como a Terceira Via, identificação ambígua quando, na propaganda política, não vem acompanhada de uma definição clara e ostensiva. Após o colapso da União Soviética em 1991, o apelo sedutor da Terceira Via voltou à cena para atrair as esquerdas desorientadas e os intelectuais idealistas sempre sensíveis às novidades.
Repudiando o conceito de luta de classes, os fabianos em geral reconhecem que a lealdade ao seu próprio país vem antes do que qualquer lealdade ao movimento internacional do proletariado. Isto não impede que Bernard Shaw, em discordância com a atitude nacionalista Fabiana, fosse a favor de uma unificação do mundo em unidades políticas e econômicas maiores. Determinados fabianos realmente manifestaram a aspiração de um Estado mundial do tipo tecnocrático, cujo germe deveria ser o Império Britânico, com a função de planejar e administrar os recursos humanos e materiais do planeta. A este respeito, chama a atenção as relações de afinidade, se não de filiação, entre os fabianos e círculos mundialistas anglo-saxões como o Royal Institute of Internacional Affais (inglês) e o Council on Foreign Relations (norte-americano), criado em 1919.
Provavelmente, foi a partir do conhecimento desta idéia de império mundial, da existência de relações dos fabianos com intelectuais e políticos norte-americanos e da atuação de certas organizações não-governamentais nos EUA que o senhor Lyndon H. La Rouche Jr. engendou a teoria conspiratória de um eixo Londres-Nova Iorque da oligarquia financeira internacional para a criação de um império mundial de língua inglesa, com a supressão dos estados nacionais.
Entre as organizações não governamentais norte-americanas está uma denominada Diálogo Interamericano, fundada em 1982, cujos integrantes são notáveis personalidades “permeadas” pelo socialismo Fabiano.
Foi por intermédio do Diálogo Interamericano que o Sr Fernando Henrique Cardoso se uniu em 1992 ao movimento Fabiano tendo tentado atrair também o Sr Luiz Inácio Lula da Silva.
Em conseqüência, em outubro de 1982, foi criada a entidade privada internacional Diálogo Interamerican (DI), com a participação de personalidades da Trilateral (Robert Mc Namara, Cyrus Vence, George Schultz, Elliot Richardson e outros) e de 48 representantes da América Latina, inclusive seguidores da Teologia da Libertação. Fernando Henrique Cardoso foi um dos fundadores do DI.
Os temas que o Diálogo Interamericano procurou forçar ou induzir a se submeterem os governos da região são trazidos da Trilateral, temas que também esta procura introduzir na política oficial dos EUA. A idéia de inspiração fabiana parece ser a de promover uma ampla abertura política nos países latino-americanos, muitos ainda sob regime militar autoritário, para dar espaço e condições para o restabelecimento da democracia e, conseqüentemente, para abrir caminho à transição para o socialismo reformista.
Para tanto, haveria necessidade de remover os obstáculos existentes; de imediato, as forças armadas daqueles países. As sugestões ou exigências do DI foram levadas à execução por um empreendimento denominado Projeto Democracia (1982):
- Submissão das forças armadas ao controle político civil;
- Participação das forças armadas no combate ao narcotráfico;
- Criação de uma força militar multinacional para intervir em favor da paz no caso de conflitos regionais e de violação dos direitos humanos;
- Direitos Humanos;
- Conceito de soberania limitada (direitos humanos e meio ambiente);
- Legalização ("descriminização" seletiva) de certas drogas;
- Direito da URSS se manifestar sobre assuntos Ocidentais;
- Criação de uma “rede democrática” com poder de se opor, tanto aos comunistas, quanto aos militares da Região;
- Reduzir a participação dos militares nos assuntos de natureza civil.
O Diálogo preocupou-se ainda com um problema considerado de segurança nacional: as imigrações desordenadas de latino-americanos para os Estados Unidos. Considerou que o controle da natalidade nos países do Terceiro Mundo seria a única solução para evitar a descaracterização da cultura americana. Note-se que a lealdade nacional é mais forte do que o internacionalismo Fabiano.
Após a derrocada da União Soviética, o DI passou a recomendar o acolhimento dos comunistas em postos do governo, uma espécie de “esquecimento e pacificação” ou de “coexistência dos contrários”.
Em apoio ao Projeto Democracia, duas outras entidades foram criadas. A primeira (1983), National Endowments for Democracy – NED (Fundo Nacional para a Democracia), se organizou para constituir e prover recursos financeiros para o projeto. Recebe contribuições de fundações (Rockefeller e outras) e, segundo La Rouche, subsídios do Congresso dos EUA. Os recursos são repassados a organizações não-governamentais (ONG), partidos políticos, sindicatos, jornais, programas universitários e a toda organização e movimento que possa difundir e contribuir para a realização dos objetivos do Projeto Democracia.
A outra entidade, a Comissão Bipartidária Nacional (1984), também conhecida como “Comissão Kissinger”, foi criada para tratar especificamente da situação revolucionária da América Central, relacionada com o confronto Leste x Oeste da Guerra Fria na época.
O fabianismo entrou no Brasil com Fernando Henrique Cardoso e as teses do Projeto Democracia foram por ele implementadas principalmente após a sua eleição a Presidente da República em 1992.
A sua reeleição em 1996 representou, coincidentemente, o continuísmo dos laboristas fabianos ingleses em outras terras.
O FABIANISMO NO BRASIL
Asilado na Europa, depois de ter passado pelo Chile, Fernando Henrique Cardoso reformulou suas crenças marxistas e passou a pretender filiação junto à Internacional Socialista (oriunda da II Internacional).
A iniciativa coincidia com o esforço de Leonel Brizola em 1978/79, ainda asilado, para juntar-se à Internacional Socialista na Europa. Com ousadia e persistência, aproximou-se dos expoentes socialistas europeus, particularmente de Mário Soares, do qual conquistou o apoio e a amizade. Miguel Arrais e Fernando Henrique tudo fizeram para neutralizar o ex-governador, inclusive com a elaboração de um dossiê depreciativo que FHC entregou a Mário Soares. Nada adiantou; na reunião da Internacional Socialista em Viena (1979), a organização, por unanimidade, fez opção por Brizola. “... na platéia, derrotados, Fernando Henrique Cardoso e Miguel Arrais assistem ao vitorioso, discursando na condição de líder brasileiro da social-democracia e representante oficial da organização no Brasil” (Luiz Mir, A Revolução Impossível, pág 689 a 691).
O insucesso levou Fernando Henrique a se aproximar do movimento fabianista. Em 1982, participou da reunião de fundação do Diálogo Interamericano com sede nos EUA.
Ao retornar do seu auto-exílio em 1979, Fernando Henrique Cardoso e os seus correliigionários do grupo paulista ingressaram no partido do Movimento Democrático Brasileiro onde, com outros anistiados de esquerda constituíram a ala dos “autênticos”. Participaram da Constituinte de 1987/88 onde o grupo de FHC desempenhou ativo papel na tentativa de implantar o socialismo e o parlamentarismo no Brasil.
Na Constituinte, é interessante notar a convergência das esquerdas reformistas e revolucionárias, todas procurando ampliar ao máximo as franquias democráticas.
Logo após a Constituinte (1988), o grupo de Fernando Henrique e diversos outros “autênticos” divergiram e saíram do partido, fundando o PSDB, Partido da Social Democracia Brasileira. Estava assim criada a organização política do fabianismo no Brasil.
Em 1992, o Senador Fernando Henrique participou da reunião do Diálogo Interamericano de Princeton, para a qual convidou Luiz Inácio Lula da Silva e alguns outros membros do Partido dos Trabalhadores. Para o Diálogo, o desaparecimento da União Soviética tinha deixado as esquerdas revolucionárias da América Latina sem base de apoio. Entretanto, reconhecia que sua organização e capacidade de mobilização ainda poderiam ser úteis para o programa pretendido pela entidade. Podemos aduzir que o PT, como partido laborista, tivesse muita afinidade com o fabianismo, daí porque estava sendo atraído. O primeiro ponto de uma ação comum foi a opção pela via eleitoral, buscando-se o abandono da violência armada. Lula já comprometido com o Foro de São Paulo, concordou com o programa mas não se filiou ao Diálogo.
Em 1994, FHC se elegeu Presidente da República. Na condução política da sua administração e nas relações com o Congresso, onde não tinha maioria, usou o poder e certos recursos autoritários. Valeu-se descontraidamente das Medidas Provisórias fugindo das resistências parlamentares. Sem muito esforço, mas com uma eficiente e convincente negociação individual com os parlamentares, conseguiu emenda à Constituição, quebrando a antiga e prudente tradição republicana que não permitia a reeleição do Presidente da República.
Para assegurar o segundo mandato, Fernando Henrique tratou de manter a estabilidade monetária e o Plano Real que já lhe havia garantido a eleição de 1994.
Para pagar dívidas públicas, o serviço desta dívida e remunerar investimentos financeiros, foi buscar recursos num vasto e discutível programa de privatizações.
A esquerda de oposição lhe fez e faz ferina crítica, estigmatizando-o de “neo-liberal”, não tão grande ofensa para um socialista Fabiano.
Com relação às recomendações do Diálogo Interamericano, expressas no Projeto Democracia, podem ser citadas as seguintes realizações de Fernando Henrique Cardoso:
1) Abertura democrática, com franquias, ampliadas e garantidas na Constituinte, com o trabalho de FHC nas comissões e de Mário Covas no Plenário.
2) Acolhimento dos comunistas, primeiro no Partido, depois nos cargos de governo e, finalmente, com indenizações das famílias de terroristas mortos pela “repressão”, de início limitadas às dos que morreram nas prisões e agora generalizadamente.
3) Afastamento sumário do serviço público ou veto de nomeação de qualquer pessoa acusada de torturador ou de ter pertencido a órgãos de segurança durante o governo dos militares presidentes. A demissão ou veto eraimediato, sem qualquer apuração formal ou de provas das acusações, num ato ilegal de restrição à Lei de Anistia.
4) Submissão das Forças Armadas ao controle político civil, com a criação do Ministério da Defesa, afastando os militares de participação e influência nas decisões nacionais, inclusive nos assuntos de segurança. Foi aventada também a criação de uma Guarda Nacional para retirar do Exército ou restringir a sua destinação constitucional de defesa da lei, da ordem e dos poderes constituídos. Não dispondo de recursos para tal projeto, a iniciativa ficou limitada à criação de um segmento fardado da Polícia Federal, subordinada ao Ministério da Justiça.
5) Uso e suporte às Organizações Não-Governamentais de inspiração e de ligação a entidades internacionais fabianas e outras, com transferência de funções públicas e de recursos governamentais, particularmente nas áreas de educação, saúde, segurança pública, meio-ambiente, direitos humanos e complementação social. Foi promovida uma “ampliação do Estado” que daria inveja a um projeto concebido por Antônio Gramsci.
Fernando Henrique é seguidor dos conceitos da Terceira Via participando das idéias de um “consenso internacional de centro-esquerda”, acompanhando a posição de Anthony Giddens (teórico da Terceira Via), Tony Blair (líder trabalhista inglês), Lionel Jospin, Bill Clinton, De La Rua e Schöreder.
O governo FHC (1994-2002) deixou ao País com gravíssimos problemas sociais e econômicos pouco tendo feito para a realização da transição para o socialismo. As lentas e progressivas transformações são próprias do processo reformista Fabiano. Portanto, não se fale de fracasso, porque a semente desta vertente social-democrática está plantada e aparentemente, superou no País, a linha da Internacional Socialista representada pelo decadente Partido Democrático Trabalhista de Leonel Brizola.
Por outro lado, o movimento fabianista pôde e pode realizar, em determinados momentos, um papel subsidiário da esquerda revolucionária. Muitos aspectos da concepção pragmática do fabianismo coincidem com certos processos gramscistas de mudanças pacíficas e progressivas para conquistar a sociedade civil e enfraquecer a sociedade política. Depois de 1980, os dois fatos novos mais significativos ocorridos nas esquerdas no Brasil foram as presenças do fabianismo reformista e do gramscismo revolucionário.Terminado seu governo, Fernando Henrique Cardoso agora é “homem do mundo”, promovido e “badalado” pelos movimentos e organismos da esquerda internacional. Lembro um pouco Bernad Shaw, um dos fundadores do fabianismo na Inglaterra, marxista reformado que se transformou em socialista reformista. A diferença fica na retórica vazia e na produção literária reduzida do intelectual brasileiro.
Apesar de tudo, FHC voltará; pessoalmente ou representado, mas voltará.
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Artigo extraído do livro "Cadernos da Liberdade"
Autor: Gen Sérgio Augosto de Avellar Coutinho
Autor: Gen Sérgio Augosto de Avellar Coutinho
O livro pode ser encomendado pelo telefax: (31) 3344-1500 ou e-mail : ginconfi@vento.com.br Valor:R$ 25,00
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