Pintar o
meio-fio das calçadas, capinar as praças e tapar buracos em ruas e
avenidas. Obras como essas povoam as cidades brasileiras, grandes e
pequenas, em ano eleitoral. Em 2012, o prefeito de uma delas, a pequena
Caririaçu, no interior do Ceará, achou que seria uma boa ideia deixar-se
fotografar cortando as fitas de entrega de um orelhão na zona rural do
município. A imagem rodou a internet e o prefeito decidiu acusar a
oposição de tentar difamá-lo. Ao contrário desta cena, no entanto,
outras centenas de obras inúteis pelo país geram não apenas risadas ou
boas histórias, mas prejuízos milionários.
Pontes que
ligam o nada a lugar nenhum são mais do que comuns por todo o país.
Obras mal planejadas, mal executadas ou mesmo completamente
desnecessárias dominam a paisagem tanto das grandes capitais, quanto do
interior. Em uma delas, em Cuiabá, a segunda obra de mobilidade mais
cara da Copa do Mundo, um Veículo Leve sobre Trilhos (VLT), ainda em
construção, foi planejada para ter 23 quilômetros – o que, já
considerando as composições reservas, demandaria 32 composições. Durante
a licitação, porém, o governo decidiu comprar 40, deixando 8 delas, com
56 vagões, inutilizadas. O prejuízo? R$ 120 milhões.
Para
fiscalizar estas obras e zelar pelo patrimônio público contamos com um
batalhão de auditores fiscais, contadores e outros funcionários
gabaritados que integram órgãos como o Tribunal de Contas da União. Em
2015, apenas para manter os 27 TCE’s (Tribunal de Contas dos Estados) e o TCU,
investimos R$ 10,8 bilhões. Em resumo: para cada R$ 7 investidos pelo
poder público, gastamos R$ 1 para fiscalizar e punir. E o valor ainda é
insuficiente. Foi também somente em 2015 que o Supremo Tribunal Federal
entendeu que o TCU poderia julgar e punir quem desvia dinheiro público,
sejam eles funcionários públicos ou não.
Sem
controle e com uma fiscalização insuficiente, obras das mais variadas se
espalham pelo país ignorando princípios básicos de planejamento. De
norte a sul, não é raro encontrar projetos parados há décadas, ou mesmo
obras construídas que possuem pouca ou nenhuma utilidade. Para impedir
casos como os do estádio Arena do Amazonas, cujo campeonato estadual
possui público incomparavelmente inferior à capacidade do estádio
erguido para a Copa, tramita no Congresso Nacional o PLS 739, que
passaria a demandar “viabilidade econômica” e “demonstrativo de
utilidade” de obras públicas. O projeto se encontra parado, como tantas
obras país afora.
Como
exemplos nunca faltam, listamos abaixo 10 obras cujo prejuízo e os
motivos que as fizeram ser construídas vão fazer você rever sua fé nas
administrações públicas do país.
1. O Parque eólico que caiu com o vento (prejuízo de R$ 300 milhões)
Um dos
maiores complexos de energia eólica do país, o Cerro Chato, que se
divide em mais de 7 parques com dezenas de aerogeradores no Rio Grande
do Sul, foi palco no final de 2014 de uma cena inusitada. Construído
para gerar energia a partir do vento, com um custo estimado em R$ 300 milhões (na
maior parte recursos da Eletrosul, subsidiária da Eletrobrás na região
sul), o parque teve 8 torres derrubadas e até 27 aerogeradores afetados
por uma ventania.
A estatal
realizou o investimento contratando a argentina Impsa, fabricante dos
aerogeradores, para operar o parque. A empresa também ficou responsável
pela manutenção deles (que funcionam em regime de caixa-preta, ou seja,
apenas a fabricante pode operá-los). Meses após construído o parque, a
empresa argentina pediu falência no Brasil, abandonado as obras à
própria sorte.
O temporal
que atingiu Santana do Livramento, a localidade onde se encontram os
parques, não é incomum para a região. Ainda sem explicar a razão, a
Eletrosul buscou com a agência reguladora do setor elétrico, a ANEEL, a
troca do conjunto de torres (que juntas gerariam 54 Mw de energia). A
agência, no entanto, negou a substituição, colaborando para que todo o
investimento se perdesse literalmente ao vento.
Trata-se
do maior incidente com parques eólicos no mundo. De longe superando o
segundo colocado, uma queda de 3 torres no norte europeu. Mais uma
conquista para a administração pública brasileira.
2. Os parques eólicos que até geram energia, mas ninguém pode consumir (prejuízo de R$ 4 bilhões)
Com quase
166 parques eólicos construídos até 2015, o Brasil é um dos países que
mais investe em energia eólica no mundo. Apenas em 2016 serão R$ 26
bilhões, suficientes para construir quase 5 mil MW, ou 1/3 da energia
gerada pela usina de Itaipú.
Para
gerenciar e coordenar tudo isso, o governo tem se empenhado em ampliar o
poder da ANEEL, a agência reguladora do setor elétrico. Cabe à ANEEL,
por exemplo, licitar a oferta de novas geradoras de energia, além de
contratar a execução de obras como linhas de transmissão.
E é justamente nesta segunda parte que mora o problema. Segundo o TCU,
o atraso médio na construção de usinas é de 10 meses, em 88% dos casos,
contra 14 meses de atraso médio nas linhas de transmissão. Dos 166
parques, 34 não possuíam as linhas necessárias para escoar a produção de
energia em 2015.
Como
venderam a energia independente da entrega, as geradoras recebem por
parte das distribuidoras o valor cheio, ainda que elas não repassem a
energia. A conta claro, fica para os pagadores de impostos. Só em 2014 o
prejuízo do setor no Nordeste foi de R$ 283 milhões. Somando todos os casos em que tais erros ocorreram, o TCU chegou ao valor de R$ 4 bilhões.
3. A dragagem do porto que nunca foi usada por falta de autorização (prejuízo de R$ 196 milhões)
Aprofundar
o calado do porto de Rio Grande era parte das obras incluídas no PAC,
ainda em 2009. Segundo o projeto, o canal do porto deveria ser
aprofundado de 14 para 16 metros, em uma obra orçada em R$ 196 milhões.
Com a obra, os navios que atracassem no quarto maior porto do país, por
onde escoam 90% das exportações gaúchas (o terceiro maior exportador do
país), poderiam levar 20 mil toneladas a mais por viagem.
A obra foi
realizada pela empreiteira Odebrecht e pela belga Jan De Nul, e ficou
pronta em um ano, mas desde então jamais foi de fato utilizada. O
motivo? A Marinha, responsável pela segurança dos navios, jamais
homologou a obra, e portanto os navios nunca a utilizaram.
O governo está agora encaminhando uma nova dragagem no porto. Desta vez ao custo de R$ 387 milhões.
4. A obra para captar água de um rio seco (prejuízo de R$ 29 milhões)
Feita no
conjunto de obras para combater a seca na represa do Cantareira, a
transposição do Guaió deveria levar até mil litros de água por segundo
até a represa do Taiaçupeba, em Suzano, na grande São Paulo, em uma obra
que deveria em tese beneficiar até 300 mil famílias.
Quase dois
meses depois de concluída a obra, porém, o rio Guaió continuava sem
poder entregar a vazão prometida pelo governo paulista de Geraldo
Alckmin durante o processo de inauguração da adutora. A razão? Ele estava seco.
Segundo apurou o jornal O Estado de São
Paulo, em períodos de estiagem, como aqueles em que a obra deveria
operar, a vazão total permitida pelo rio sequer chega à metade do valor
prometido.5. O papódromo feito para ser utilizado apenas uma vez, na visita de João Paulo II (prejuízo de R$ 30 milhões)
A visita
do papa João Paulo II ao país no início dos anos 90 foi a segunda e mais
duradoura estadia do papa no Brasil. Durante 9 dias, o papa percorreu
10 capitais brasileiras, de norte a sul. Em uma delas, Maceió, acabou
discursando para dezenas de milhares de pessoas, em uma estrutura
montada especialmente para sua visita.
O espaço
cultural João Paulo II, erguido com uma estrutura metálica e vidros
blindados, tinha por objetivo garantir conforto ao papa e aos fiéis que o
acompanhavam. Após a passagem do líder máximo da Igreja Católica pela
capital alagoana, porém, o espaço foi abandonado, como encontra-se até
hoje. O custo da obra? R$ 30 milhões (em valores atualizados). E não foi pra conta do papa.
6. A ponte que ninguém pode cruzar por falta de autorização (prejuízo de R$ 118 milhões)
Iniciada
sua construção ainda nos anos 90, pelos presidentes do Brasil e da
França (Fernando Henrique Cardoso e Jacques Chirrac), a ponte que liga o
Brasil à Guiana Francesa, oficialmente parte do território francês,
deveria ser um símbolo de integração entre os dois países.
Sua
conclusão, porém, aconteceu apenas em 2012, 15 anos após a primeira
conversa entre os dois presidentes. Mas não se engane. Apesar de
concluída, a ponte nunca foi aberta. A razão? Faltam documentos que atestem a conclusão.
O custo de R$ 118 milhões é equivalente à
metade de toda a economia do município de Oiapoque. O motivo de
preocupação para os moradores, porém, é outro. Cerca de 200 famílias da
região vivem do transporte com o município fronteiriço de Saint George,
na Guiana. Ninguém pode atravessar a ponte enquanto os papeis não
chegam.
7. O pier que não pode receber navios (prejuízo de R$ 72 milhões)
A ponte
Newton Navarro é um dos maiores símbolos de Natal. Com 55 metros de
altura e mais de 2 km de extensão, a ponte tornou-se um cartão postal da
capital potiguar. Para receber turistas com maior conforto, a cidade
inaugurou recentemente um pier turístico, ao custo de R$ 72 milhões. Só há um problema: os navios de cruzeiro que deveriam desembarcar no pier, não conseguem passar por debaixo da ponte.
Achou
bizarro? A altura média de 65 metros dos navios que circulam pela costa
brasileira, não é o único problema do turismo na cidade. Para o
Secretário de Turismo, navios de cruzeiro são inúteis, pois não pagam
ICMS e ISS, além de não gerar empregos como os hotéis da cidade (uma
declaração que seria apenas estúpida caso não fosse também oportunista –
o próprio secretário é dono de um hotel em Natal).
8. As pontes que ligam o nada a lugar nenhum (prejuízo incalculável)
A ponte
sobre o rio Água Fria, em Medeiros Neto, no sul da Bahia, deveria
desviar o trafego pesado de caminhões do município, garantindo uma
passagem mais rápida para as rodovias estaduais da região. Quase R$ 2,3 milhões depois,
a prefeitura percebeu que para completar a obra teria de construir
cabeceiras que demandariam o desalojamento de quase 40 famílias, algo
que demandaria muito dinheiro e inviabilizaria o projeto.
Sem poder concluir o processo, a prefeitura abandonou a obra, que agora paira sobre o rio, sem qualquer possibilidade de acesso.
Como esta,
existem outras dezenas de pontes espalhadas por todo o país. A ponte de
Tutóia, no Maranhão, é dos nossos casos mais peculiares. Segundo a
Polícia Federal apurou durante a operação Navalha, a empreiteira
Gautama, junto com políticos locais, teriam apresentado um projeto falso
de construção da ponte apenas para repartir o dinheiro público. Após
denúncias ao tribunal de contas, no entanto, a empreiteira acabou sendo
forçada a construir a ponte – e acabou por fazê-la sem qualquer
preocupação com utilidade. O resultado é uma ponte abandonada no meio do nada, em um município cujo pib per capita é de R$ 2,5 mil, ou 10% do nacional.
9. A ponte por onde não passa água (prejuízo de R$ 10 milhões)
Antes mesmo de tornar-se nacionalmente conhecida pelo vazamento de áudios da operação Lava Jato, Maricá, tão querida pelo prefeito do Rio, Eduardo Paes, já havia circulado pela internet por conta de uma obra pouco usual lançada na cidade.
Margeando a
praia, a prefeitura decidiu construir uma estrada – e para
complementar, decidiu fazer uma ponte. O problema do projeto, que contou
até com um show de inauguração do cantor Dudu Nobre (ao custo de R$ 200
mil), foi que, ao contrário de outras pontes, nesta não havia um fiapo d’água que
passasse por baixo. Para arrumar o problema, e evitar que a obra se
tornasse um desnecessário viaduto, a prefeitura decidiu abrir um canal
pelo qual a água do mar pudesse entrar.
Concluído o
disfarce e quase três anos de obras depois, a prefeitura inaugurou o
projeto (contratando novamente Dudu Nobre, desta vez por R$ 350 mil,
além da bateria da Grande Rio, que havia recebido uma singela
contribuição de R$ 3 milhões da prefeitura para o seu carnaval).
Segundo
ambientalistas, caso permaneça aberto, o canal pode se tornar um crime
ambiental, terminando por secar todo o sistema lagunar.
10. A estatal brasileira de chips que levou 12 anos para produzir chips (prejuízo de R$ 670 milhões)
Com mais
de 55 estatais criadas apenas nos governos dos últimos três presidentes,
incluindo aí empresas como a estatal que deveria cuidar do trem-bala,
uma fábrica de camisinhas criada para agregar valor ao látex produzido
no Acre e uma estatal para explorar o pré-sal, descobrir o que faz cada
uma das 125 estatais brasileiras é um desafio e tanto.
Criada em
2000, a estatal brasileira de chips (também conhecida como CEITEC) faz
parte de um plano para reduzir os custos do país com a importação de
semicondutores. Com R$ 670 milhões investidos desde então, a empresa
investe na aquisição de equipamentos e contratação de pessoal – são 195
funcionários (53 deles com mestrado).
O
resultado da empresa, porém, tem sido decepcionante. Desde que começou a
faturar em 2012 – ou seja, 12 anos após sua construção – a empresa
ainda não ultrapassou a barreira de R$ 6 milhões em faturamento – leia-se: ainda é considerada uma empresa de pequeno porte.
Dentre os
produtos desenvolvidos pela estatal se encontra o “chip do boi”, que em
tese deveria ajudar a registrar o rebanho bovino brasileiro, algo até
agora sem grande sucesso.
Com R$
31,2 milhões de prejuízo apenas em 2015, a privatização ou uma parceira
público privada já foram temas do futuro da estatal. Com o PcdoB no
comando do Ministério de Ciência e Tecnologia, a questão havia sido
descartada. A privatização agora volta à pauta.
Nunca fez tanto sentido dizer que o Brasil é o país da piada pronta.
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