ESTE ARTIGO É UMA HOMENAGEM À MARIA TERESA DE PAIVA, NATURAL DE ARAXÁ/MG.
A PÁ MATARÁ ARAXÁ
Em
1816, o tenente-coronel do Real Corpo de Engenheiros, o Barão de Eschwege,
esteve pela primeira vez na área do Barreiro de Araxá/MG a fim de analisar as
características hidrotermais de suas já famosas fontes. Por sua posição
geográfica de difícil acesso naqueles tempos coloniais, um complexo de
exploração das águas minerais araxaenses só começou a se viabilizar pelo Estado
brasileiro republicano dos anos 1920.
O
Barreiro de Araxá faz parte da bacia do Córrego do Sal, localizada numa região
de origem vulcânica. Por esta razão, suas águas são ricas em sais minerais de
grande valor medicinal. Resolveu-se assim construir ali uma estrutura que
pudesse receber todos os interessados em usufruir das águas de Araxá. Embora a
pedra fundamental de um hotel tenha sido colocada em 1925, suas obras só foram
de fato iniciadas em 1938, no Estado Novo de Getulio Vargas. Quando o mesmo
presidente veio do Rio de Janeiro para inaugurar o Grande Hotel de
Araxá em 1944, a população local se deslumbrou com os projetos paisagístico de
Roberto Burle Marx e arquitetônico de Luiz Signorelli. No interior do hotel,
havia, além dos famosos cassinos, fechados nacionalmente pelo presidente Eurico
Gaspar Dutra dois anos depois, bares, restaurantes e até um cinema. O complexo
hidrotermal do Grande Hotel tornou-se a joia da cidade. Quase 70 anos após sua
inauguração, todo o turismo local é fundado na mesma obra.
Tudo
ia muito bem até o momento em que se descobriu no Barreiro traços de nióbio.
Não por coincidência, foi no mesmo período que o Grande Hotel entrou em
completa decadência. O glamour dos velhos tempos havia definitivamente partido
e a população araxaense, triste em ver seu grande tesouro se esvair em completo
abandono, culpava a proibição do jogo no Brasil pelo desprezo generalizado ao
hotel. Quem se tornou a menina dos olhos da cidade foi o setor da mineração,
que ali aportou para trazer riqueza e bem-estar. Foi a versão oficialmente
divulgada. Todos infelizmente acreditaram.
O
mineral NIóbio é utilizado industrialmente para a produção de aço de alta
resistência. No planeta inteiro, só há três minas de nióbio, sendo a do
Barreiro a segunda maior, atrás somente da goiana Catalão. As reservas minerais
do Barreiro de Araxá são exploradas desde 1995 pela Companhia Brasileira de
Metalurgia e Mineração (CBMM) cujo capital pertence a metade aos estadunidenses
da Molybdenum Corp, 20% aos Moreira Salles, 15% a um consórcio nipo-coreano e
os outros 15% a um grupo chinês.
Desde
esta época, os moradores do Barreiro sofrem diariamente com a poeira produzida
pela exploração intermitente das mineradoras. Além disso, as famosas águas de
Araxá estão cada vez mais contaminadas por bário, um elemento químico tóxico,
pertencente à família dos metais alcalinos terrosos. Na Justiça Estadual de
Araxá, já foram protocoladas centenas de ações cíveis contra a CBMM e a Bunge
Fertilizantes por causa da contaminação da água do Barreiro por bário.
A
presença de bário no organismo pode causar derrames e acidentes vasculares,
pois sua deposição nos órgãos provoca forte vasoconstrição. Nas crianças ele
causa retardamento mental e pouco desenvolvimento físico. Nos idosos, o
problema é a demência senil.
No
fim de 2011, o prefeito Jeová Moreira da Costa, anunciou em entrevista coletiva
a descoberta de uma mina de ouro no Barreiro de Araxá. “Uma mineradora chinesa
vem para Araxá para explorar esta mina de ouro encontrada no Barreiro. Esta
notícia é um verdadeiro presente de Natal para todos os araxaenses, uma vez que
a cidade vai ganhar muito com a geração de emprego e renda”, disse Jeová. Presente
de Natal ou presente de Grego?
Parece
que a entrevista de Jeová chegou longe, pois, dias depois, veio a Araxá o
empresário Eike Batista, proprietário da mineradora MMX. Com a ameaça
dos chineses, esta empresa estaria disposta a acelerar o andamento do
projeto Phosphate-Araxá desenvolvido
há alguns anos pelos canadenses da MBac. O prefeito de Araxá foi prudente
ao declarar que “não houve reunião” com Eike. Mas, como escreveria Gustavo
Machado do Brasil Econômico*,
“sem que a cidade tenha grandes atrativos visuais, além da sede da
Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração (CBMM) e de uma mina de
exploração da Vale, a prefeitura não possui
grandes dúvidas sobre o interesse do voo panorâmico feito por Eike.”
Não
há necessidade de nem mais uma linha. A máscara caiu.
Quer
dizer então que para os “modernos” a grande atração visual de Araxá é a sede da
CBMM e uma mina da Vale? Nem uma mínima menção ao complexo hidrotermal do Barreiro?
Nada sobre o sexagenário Grande Hotel, onde ficará hospedada uma seleção de
futebol durante a Copa do Mundo de 2014?
Não
precisa ser um gênio para saber aonde vão as riquezas culturais, hídricas e
biológicas daquele belo lugar no coração do Brasil. Em breve tudo aquilo será
terra arrasada em que as ruínas de uma imensa construção dos anos 1940 velarão
por todos os mortos.
Enquanto
vivermos numa sociedade em que o dinheiro está acima de qualquer outro bem,
teremos de nos acostumar a ver as riquezas naturais pagarem o preço. Tudo por
que o Dutra proibiu o jogo no Brasil em 1946, né?
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