Ainda há pessoas que acreditam que grandes empresas e seus capitães são defensores da economia liberal. Sabem de nada, inocentes. Eles são os primeiros a recorrer ao estado; e têm todas as facilidades do mundo para fazê-lo.
Se há uma coisa que empresário gosta é de sair do mar revolto do mercado e boiar na piscina morna da proteção estatal. As opções do cardápio são várias: formar um cartel legal, ganhar um monopólio, assegurar uma verba, um crédito subsidiado, prestar serviços ao estado, veicular publicidade estatal, formar comitês para regular o setor, proibir a concorrência, fechar as fronteiras ao produto estrangeiro, passar políticas de preço mínimo, ser salvo da falência no último minuto, e tantas outras quanto a imaginação dos políticos permitir.
Em nosso país, uma das formas que as grandes empresas se blindam do mercado é o BNDES. Ele empresta largas somas a juros subsidiados, visando objetivos políticos do governo. A diferença entre os juros do mercado e os juros cobrados pelo BNDES são uma transferência de renda direta para as empresas fazerem o que quiserem — aplicar o dinheiro e ganhar juros maiores, por exemplo.
No ano passado, foram mais de R$ 500 bilhões em empréstimos. E não vá você pensando que o BNDES possa ajudar a todas as empresas. O mundo é cruel, os recursos são escassos; é impossível que todas as empresas lucrem ao mesmo tempo no longo prazo: todo ganho de uma é necessariamente a perda de outra.
Crédito: Mercado Popular
Em outros casos, grandes empresas recebem o direito de monopólio ou de cartel. É o que ocorre com a telefonia, com companhias de luz, com os ônibus municipais. O setor é cartelizado por determinação estatal. O resultado são empresas de que prestam serviços caros, de baixa qualidade e que ainda recebem R$ 1,6 bilhão todo ano do governo. Haja capitalismo!
Essas formas diretas de ajuda estatal chamam a atenção. Mas o favorecimento dos grandes se dá também de maneiras indiretas, talvez mais nocivas, via impostos e regulamentações. A mesma alíquota de imposto que incide sobre os lucros de uma grande corporação, tirando-lhe parte de seu resultado, inviabiliza a continuidade de um pequeno negócio que consegue taxas de retorno menores.
Toda regulamentação ou imposto traz custos fixos. Gastos jurídicos, contábeis, de auditoria — os quais uma grande empresa consegue diluir no seu enorme faturamento. Para uma gigante do setor alimentício, a assinatura de um ou vários nutricionistas de plantão sai barato. Também sai barato aplicar regras da Vigilância Sanitária para mais uma cozinha padronizada de McDonald's; para uma pequena lanchonete, as mesmas exigências são proibitivas.
É por isso que, quando o assunto é regulamentação, as grandes sempre estarão do lado do governo. E sempre terão a mais bela das intenções: garantir a qualidade do serviço e a segurança do consumidor. Elas sabem que o custo extra, se existir (às vezes não existe porque é a própria prática delas que é universalizada aos demais), será compensado com o mercado cada vez mais padronizado e centralizado em suas mãos. Um mercado em que o consumidor não pode escolher a relação risco/retorno que melhor se adéqua a suas possibilidades.
Um exemplo: em 2013, implantou-se a regulamentação de carrinhos de bebê. Os produtores e vendedores de carrinhos baratos, feitos para não durar, se deram mal. Mas adivinha qual a posição oficial da Burigotto, cujos carrinhos já custam mais de R$2.000 e já vêm com todas as medidas mais exigentes de segurança? Isso mesmo.
Quando a cidade de São Paulo ameaçou proibir (numa malfadada lei que não pegou) a sacolinha de plástico nos supermercados, as grandes redes foram as primeiras a entrar na onda da sustentabilidade e oferecer lindas sacolas de pano, para eles um custo ridículo e já parte de uma jogada de marketing. Sentia-se o orgulho no ar ao oferecerem os sacolões de pano personalizados. Já os mercadinhos de esquina não ficaram tão felizes.
Das duas farmácias na minha vizinhança, em qual delas é mais comum encontrar um fiscal assediando o estabelecimento com ameaças de multa: na filial da Droga Raia — que deve ter tudo padronizado já na mesa dos arquitetos e dos advogados — ou a farmácia de bairro cuja dona, que trabalha no balcão, provavelmente não tem uma equipe jurídica e nem tempo para conhecer e seguir as infinitas regras?
Com leis trabalhistas é a mesma coisa. Os custos fixos são diluídos na extensa folha de pagamento das corporações, que contam ainda com setores jurídicos e de RH para minimizar perdas e alongar os processos. Fora que seus ganhos de escala permitem gastar a mais por funcionário do que o negócio pequeno, o qual, a bem da verdade, depende de diversos prestadores de serviço informais — e que se sofrer alguns poucos processos trabalhistas já ficará no vermelho.
Pra completar, o mero fato de ser grande concede às empresas espaço de manobra perante a justiça estatal. Os passivos trabalhistas bilionários de grandes empresas e bancos no Brasil — um índice, na verdade, de como nossas leis são ruins — estendem-se por anos a fio, acumulando dívidas impagáveis. Mas como o governo não é burro, e não quer promover descontentamento social à toa, e gosta de ter aliados grandes e fieis, com uma ameaça na manga, o passivo continua ali. Passivos trabalhistas bem menores em pequenas empresas já apresentam custos legais inviáveis.
A grande empresa "não pode" quebrar (por que não?); a pequena pode. Megaempresários e governantes convivem num amistoso cabo de guerra. Trocam ameaças e presentes, trocam lobby, financiamentos e projetos de lei, dão e retiram apoio conforme convém. Cada parte puxa do seu lado, mas nenhuma quer que a outra solte a corda. E a corda é você.
E o estado, o que ele ganha? Mais poder sobre a sociedade, mais previsibilidade, menos dificuldade para monitorar, medir e taxar tudo o que acontece. A garantia de que tudo o que você consome e todas as suas oportunidades de trabalho estão devidamente pensadas e dadas de antemão, e que o projeto de poder de quem está no topo conta com parceiros determinados a quem é possível coagir.
Se algo fugisse do esquema, então as pessoas tomariam decisões por conta própria, de forma caótica, não-direcionável; e suas escolhas nem sempre beneficiariam quem já está no topo. E não podemos permitir que isso ocorra, certo?
Joel Pinheiro da Fonseca é mestre em filosofia, editor da revista Dicta&Contradicta e escreve no blog Ad Hominem.
fonte: http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=1946
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