Burocracia, altos custos e desaceleração econômica levaram fundos a reavaliar investimentos em empresas brasileiras. Com isso, startups promissoras que precisam de novas rodadas de capital podem morrer na praia.
Ana Clara Costa
Startups: depois do 'boom', empresas ficam sem dinheiro (iStockphoto/Getty Images)
Nem bem começou a ganhar velocidade e o setor de novos negócios da internet brasileira já faz sua primeira pausa para reavaliação. Investidores e empreendedores, muitos deles estrangeiros, descobriram o custo Brasil e os diversos entraves que impedem as empresas de prosperar rapidamente – e não estão contentes. O fim da “exuberância irracional” que tomou conta do mercado em 2010 e despejou dinheiro fácil sobre cerca de 900 empreendimentos inovadores até o final do ano passado significa que, nos próximos meses, muitas startups vão fechar. Outras terão de brigar com muito mais ferocidade pelos aportes que as levem a próximo estágio de desenvolvimento.
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Para conseguir financiar seu plano de negócios, uma startup precisa, em média, de cinco rodadas de investimento. As primeiras são feitas pelos chamados investidores-anjo ou fundos especializados em capital semente. Se a empresa recém-criada consegue sobreviver à fase inicial e começa a operar, pode tentar rodadas de captação mais audaciosas com fundos de venture capital. Ao se tornar lucrativa, é a vez de buscar os fundos de private equity. Pode-se dizer que o negócio deu certo quando a companhia estiver pronta para estrear na bolsa de valores, como ocorreu com a desenvolvedora de software Senior Solution, que captou 62,1 milhões de reais em sua oferta inicial de ações (IPO, na sigla em inglês) ocorrida no início de março. Contudo, poucas startups brasileiras devem alcançar esse patamar nos próximos anos. Investidores ouvidos pelo site de VEJA foram categóricos: muitas empresas promissoras correm o risco de deixar de existir por falta de investimentos nas segunda e terceira rodadas. É o ‘voo de galinha’ da economia se replicando no meio empresarial - e, mais grave, perto daqueles que criam inovação.
Valores inflacionados - Um dos problemas do mercado brasileiro teve início no momento de euforia, sobretudo em 2010, quando a economia estava superaquecida e cresceu 7,5%. Com o grande fluxo de capital trazido ao país à época, as startups que nasciam foram superavaliadas por investidores. “Houve uma excitação com o Brasil que levou a uma inflação de preço das empresas. Do dia para a noite, qualquer conversa começava com o valor mínimo de 1 milhão de dólares”, afirma Danilo Amaral, da Trindade Investimentos, que fez aportes no blog Startupi e no site de consultas médicas Boaconsulta.com.
Em 2010, as startups brasileiras receberam investimentos de 6,1 bilhões de dólares, segundo dados da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Já em 2012, ano de forte desaceleração econômica, poucos investidores estavam interessados em fazer novos aportes. A FGV ainda não tem dados oficiais sobre o ano passado, mas estudos preliminares feitos pela Associação Brasileira das Startups (AB Startups) apontam para investimentos de 850 milhões de dólares. “Ao investir numa empresa com valor superdimensionado, você referenda um preço que não necessariamente condiz com o que a empresa pode entregar”, explica Amaral.
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Custo Brasil - A repentina cautela dos investidores não teria efeitos tão devastadores, não fosse o fato de boa parte do capital inicial das empresas ter se perdido no buraco negro do custo Brasil. Tanto os investidores quanto os próprios empreendedores subestimaram o poder destrutivo dessa máquina de ineficiência que tritura o dinheiro de empresários, investidores e da população. “O Brasil é um mercado incrível. Mas a burocracia e os custos estão impedindo que aconteça a inovação”, diz José Marin, fundador da empresa de investimentos espanhola IG Expansión, que controla a operação do site de viagens Expedia na América Latina. Marin falou sobre as dificuldades de financiamento de startups brasileiras durante o Founders Forum, importante evento do qual é idealizador e que reuniu investidores e empreendedores do mundo todo no Rio de Janeiro, no início de março. Marin e os demais organizadores do evento se preparam para enviar uma carta à presidente Dilma Rousseff na qual devem sugerir melhorias regulatórias e de infraestrutura para que o ambiente de negócios das startups possa, de fato, florescer no Brasil.
O custo Brasil feriu as startups desde o início. A demora na abertura de empresas (o Brasil está em 130º lugar no ranking do Banco Mundial nesse quesito), o alto custo e a escassez da mão de obra especializada, os preços inflados do setor imobiliário para a abertura de escritórios e a logística deficitária surpreenderam não só investidores estrangeiros acostumados com a velocidade do Vale do Silício, como também os empreendedores inexperientes. “O Brasil ganhou mais destaque do que merecia. E é mais difícil operar no país do que deveria ser. Contratar, demitir, incorporar e criar a companhia são coisas que tomam um tempo inacreditável de uma empresa e custam caro”, diz Fabrice Grinda, fundador da OLX e investidor do e-commerce Shoes4you. “No longo prazo, há muito potencial para as startups no país, mas, no momento, as coisas estão difíceis”, afirma.
O investidor reconhece o ‘boom’ dos anos de 2009 e 2010 – mas acredita que, depois da ressaca, o Brasil voltou ao patamar desconcertante dos velhos tempos: o de ‘país do futuro’. O futuro, para ele, deve ocorrer dentro de três a quatro anos. “A regulação precisa avançar, sobretudo para a questão do e-commerce. E os impostos precisam ser mais simples. O investidor não se preocupa necessariamente com a alta carga tributária, e sim com a sua complexidade“, afirma.
Nem tudo está perdido – A opinião unânime entre os investidores ouvidos pelo site de VEJA é a de que muitas empresas consideradas promissoras não conseguirão sobreviver à falta de capital em 2013. Mas nem tudo está perdido. Segmentos como educação, redes sociais, agregadores de compras e soluções B2B apresentam boas perspectivas porque não dependem de logística – um custo que consome as margens de lucro das empresas. Segundo Anderson Thees, do fundo Redpoint e.Ventures Brazil, que é ligado ao fundo de mesmo nome no Vale do Silício, o período de ajustes será positivo para selecionar quais são as melhores empresas geridas pelos melhores empreendedores. “Não há espaço para todas. Esse soluço do mercado é necessário para fazer essa seleção”, diz, reiterando que até mesmo o dinheiro escasso é algo positivo. “A falta de capital para novas rodadas é um grande problema? É. Mas é um problema bom. Antigamente não havia capital nem para a primeira rodada”.
Situação de ajuste semelhante à brasileira ocorreu na China no final dos anos 1990, quando houve o ‘boom’ das startups de internet. A ressaca veio logo depois, em 2001. E, apenas em 2004, os investimentos no país asiático voltaram a fluir. Kevin Efrusy, sócio do Accel Partners, um dos mais poderosos fundos de venture capital do Vale do Silício (dono de uma carteira de investimentos de 12 bilhões de dólares), afirma que não deverá reduzir o apetite de seus fundos por empresas brasileiras este ano. Ele acredita tratar-se de um período comum de adaptação, como na China, que acontece depois de um salto de euforia. Efrusy vê o Brasil ainda como um mercado interessante no curto prazo, a despeito de todos os entraves para se fazer negócios no país. “Esse ajuste é saudável e dá ao mercado tempo para digerir o que as startups estão fazendo. Quando os casos de sucesso finalmente emergirem, o dinheiro voltará”, afirma.
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