A Luta Armada no Brasil
“O que importa não é a identidade do cadáver, mas seu impacto sobre o público” (Carlos Marighela)
Por Carlos I. S. Azambuja
Na década de 60, a tática utilizada pelo modelo cubano de revolução em toda a América Latina consistia em utilizar um pequeno grupo de revolucionários dispostos ao sacrifício. Esses revolucionários obtêm armas, montam um bom sistema de abastecimento, de propaganda, sabotagem e recrutamento nas cidades, e se transformam em um “foco militar e político”, um “foco guerrilheiro”, que catalisará todas as rebeldias e irá crescendo de forma inexorável, até transformar-se em um exército, ganhar a população, derrotar o “inimigo” e apoderar-se do Poder.
Essa tática revelou-se uma utopia, onde quer que tenha sido posta em prática, e resultou em uma montanha de mortos.
O esquema soviético de tomada do Poder, por sua vez - que ainda persiste, apesar do desmantelamento do socialismo -, consiste em constituir um partido minoritário, porém seleto, com vínculos com a classe operária e, valendo-se de um jornal, greves, atividades parlamentares, pressões “de baixo” e “de cima”, declarações, comícios, manifestações, etc, ir ganhando, através de um paciente e tenaz trabalho de doutrinamento, primeiro a classe operária, e depois a maioria da população. Num dado momento, reunidas as “condições objetivas e subjetivas”, a direção do partido, através de manifestações e palavras-de-ordem, greve geral e destacamentos armados, aplicaria o golpe final no regime, que cairia facilmente, porque necessariamente se encontraria no mais alto grau de decomposição. Segundo Lenin, “com o país parado por uma greve geral, tomar o Poder é o mesmo que dar um soco num aleijado”.
O livro de Luis Mir, “A Revolução Impossível”, 1994, editora Best Seller, demonstra com uma grande e importante quantidade de dados, alguns até então desconhecidos, que a guerrilha urbana no Brasil nunca passou da fase de recolhimento de recursos, com assaltos a bancos e, posteriormente, já na fase de seu aniquilamento, a supermercados, residências particulares, e até a trocadores de ônibus. Os seqüestros de três embaixadores estrangeiros e um cônsul, nos anos de 1969 e 1970, foram utilizados para a troca por militantes presos, e os seqüestros de vários aviões comerciais, como “propaganda armada” das atividades revolucionárias.
A ida de brasileiros a Cuba, para receber treinamento militar, foi iniciada tão logo Fidel Castro chegou ao poder. Em julho de 1961, 13 militantes das “Ligas Camponesas” - um grupo organizado e dirigido pelo deputado federal Francisco Julião - foram mandados a Cuba a fim de receber treinamento militar. Esse grupo foi, historicamente, o pioneiro na relação político-militar entre a revolução cubana e a esquerda armada brasileira. Desde então, e até 1972, pelo menos, cerca de 240 brasileiros receberam esse tipo de treinamento em Cuba e cerca de 50 na China. Assinale-se que antes, em 1957, ainda no governo do presidente Juscelino, Francisco Julião, quando deputado federal, já havia tentado obter armas na União Soviética.
As organizações voltadas para a luta armada não foram, portanto, como afirmam alguns escritores, sociólogos e jornalistas, uma reação ao Ato Institucional nº 5, de 13 de dezembro de 1968, que endureceu o regime. Elas já existiam no “governo progressista” do presidente Goulart, antes da Revolução de Março de 1964.
O ano de 1961 pode ser considerado o marco inicial do surgimento de novas organizações de esquerda no Brasil. Em fevereiro daquele ano, durante o Carnaval, em Jundiaí, São Paulo, foi realizado o I Congresso, de fundação, da Organização Revolucionária Marxista Política Operária (ORM-POLOP), ou simplesmente POLOP.
O que chama a atenção quando se estuda essa Esquerda surgida a partir do início da década de 60 é a multiplicidade de organizações, partidos e grupos, constituídos a partir de cinco troncos principais, como uma espécie de esquerda alternativa e crítica ao Partido Comunista Brasileiro.
O primeiro constituído pela POLOP e pelas organizações constituídas sob sua inspiração ou decorrentes de suas cisões e dissidências: o Comando de Libertação Nacional (COLINA), a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), o Partido Operário Comunista (POC), a Organização de Combate Marxista-Leninista Política Operária (OCML-PO), o Grupo Combate e a Fração Bolchevique.
O segundo, a Ação Popular, daria origem ao Partido Revolucionário dos Trabalhadores (PRT) e à Ação Popular Marxista-Leninista, logo depois absorvida pelo PC do B.
O terceiro, o Partido Comunista do Brasil, ele próprio saído de dentro do PCB, constituído em fevereiro de 1961. Dele saíram, posteriormente, a Ala Vermelha (AV), o Partido Comunista Revolucionário (PCR) e o Movimento Revolucionário Tiradentes (MRT).
O quarto tronco foi constituído pelas divergências e cisões ocorridas dentro do Partido Comunista Brasileiro após a Revolução de 1964, que deram origem a dissidências e correntes. As dissidências mais significativas foram a do Rio Grande do Sul, que posteriormente se integraria à POLOP, dando origem ao POC; a de São Paulo, que ingressaria na Ação Libertadora Nacional (ALN); a da então Guanabara, que constituiria a Dissidência da Guanabara (DIGB), que mais tarde assumiria a denominação de Movimento Revolucionário Oito de Outubro (MR8); e a do Rio de Janeiro, que constituiu o original MR8, desmantelado no início de 1969 pelos Órgãos de Inteligência. As correntes, por sua vez, dariam origem ao Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR) e também à Ação Libertadora Nacional (ALN). Desta, no início dos anos 90, surgiria. Em Cuba, o Movimento de Libertação Popular (MOLIPO), constituído pelos militantes que ali recebiam treinamento.
O quinto e último tronco foi representado pelo sem número de correntes que reivindicavam o legado teórico de Trotsky.
Resta ainda mencionar o Movimento de Ação Revolucionária (MAR), constituído por militantes (em sua maioria ex-marinheiros) procedentes do PCB e do Movimento Nacional Revolucionário (MNR).
Logo após a Revolução de 31 de Março de 1964, Leonel Brizola, exilado no Uruguai, com uma doutrina política baseada num amontoado de idéias trabalhistas, socialistas e populistas defendidas por ele sem qualquer método, mandaria para Havana, desde o Uruguai, um grupo de ex-militares, também exilados, para receber treinamento militar.
Tanto as Ligas Camponesas de Francisco Julião, quanto o “nacionalismo-revolucionário” de Brizola, pretendiam um modelo revolucionário alternativo ao do PCB. Para eles, a revolução não tinha o caráter “democrático-nacional” que os comunistas lhe atribuíam, e julgavam ser possível queimar etapas e saltar diretamente para o socialismo, ou seja, um torpedo político de pura manufatura cubana, na ortodoxia comunista.
Deve ser recordado que na década de 60, o “frentismo revolucionário” cubano desencadeou dentro das estruturas dos partidos comunistas latino-americanos uma crise sem precedentes. Maior do que aquela resultante do XX Congresso do Partido Comunista da União Soviética, quando Kruschev condenou o stalinismo. Havana estimulava os revolucionários a pegar em armas, sepultando os monopólios dos PC tradicionais como “guias únicos e geniais dos povos”.
Nesse contexto, os dirigentes comunistas foram compelidos a “esquerdizar” seus discursos para adaptar os PCs à nova onda, a fim de evitar a sangria de militantes e quadros e, simultaneamente, a adaptar seus programas políticos às teses de “libertação nacional” , ao “castrismo” e ao “maoísmo”.
Fiéis a Moscou, de quem sempre foram serviçais e vassalos e de onde sempre receberam orientação político-ideológica e dinheiro, os partidos comunistas da América Latina não reconheciam em Cuba a “estrela-guia” revolucionária do continente, pois isso acarretaria em condenar à condição de coadjuvantes partidos comunistas detentores de mais de 40 anos de lutas, abrir mão das pesadas estruturas partidárias burocratizadas e, muitas vezes, da condição de dirigentes do processo revolucionário.
Surgiria, ainda, um complicador: em junho de 1963, o Partido Comunista Chinês, através de um documento que ficou conhecido como a “Declaração dos 25 Pontos”, informava oficialmente ao Movimento Comunista Internacional o seu rompimento com Moscou. Com esse documento, irrompia o cisma, dando surgimento às chamadas “linha chinesa” e “linha soviética” de revolução, em todo o mundo.
Em 1963, ainda no governo João Goulart, as Ligas Camponesas foram praticamente aniquiladas politicamente quando o PCB, aliado a setores da Igreja Católica, fundou a CONTAG-Confederação dos Trabalhadores na Agricultura, em 20 de dezembro de 1963, cujo primeiro presidente foi Lindolfo Silva, posteriormente elevado à condição de membro do Comitê Central do PCB. Com a fundação da CONTAG, Francisco Julião perdeu o controle sobre quase todos os sindicatos rurais que, através das Ligas Camponesas, manipulava.
No período imediatamente anterior à Revolução de 1964, Luiz Carlos Prestes, Secretário-Geral do PCB, chegou a garantir publicamente, por diversas vezes, que “o dispositivo militar do partido impediria qualquer golpe”. Ele estimava, então, em 600, o número de Oficiais, Sargentos e Marinheiros partidários do PCB nos quartéis de todo o país. No entanto, muitos militares, como posteriormente ficaria comprovado, aderiam a Prestes e ao “prestismo”, e não ao partido.
Almir Oliveira Neves (“Perereca”), já falecido, membro do Comitê Central do partido, que por mais de 20 anos chefiou a “Seção de Trabalho Militar” do Comitê Central do PCB, declarou que a organização dos comunistas dentro dos quartéis “sempre existiu, mas não tinha a força que o anticomunismo apregoava”.
Já para Nikita Kruschev, Secretário-Geral do PCUS no período de 1956 a 1964, a “solução” para a América Latina teria que ser, necessariamente, pacífica e em longo prazo. Segundo ele, seria necessário esperar até 1975, “quando, então, a União Soviética superaria os EUA no campo econômico”. Isso significaria a derrota do imperialismo, e o triunfo do socialismo estaria, então, apenas a um passo.
Em 13 de março de 1964, em um comício na Central do Brasil, no Rio de Janeiro, perante uma massa arrebanhada pelo governo, o presidente João Goulart levou a multidão ao delírio. Dentre os projetos de “reformas de base” anunciados que, disse, enviaria ao Congresso, estavam os que asseguravam “a representação de todas as correntes políticas, sem quaisquer discriminações religiosas ou ideológicas” - ou seja, a virtual legalização dos partidos de esquerda, então clandestinos -, e a desapropriação de terras às margens de rodovias, para a reforma agrária.
A chamada direita respondeu com a “Marcha da Família por Deus e pela Liberdade”, em São Paulo, reunindo cerca de 500 mil pessoas. Segundo Prestes - que apregoava que o partido já estava no governo mais ainda não detinha o poder - a direita deveria ser imobilizada o quanto antes. Contudo, o presidente Goulart vacilou e apostou sua última cartada na mensagem enviada ao Congresso dia 15 de março de 1964, propondo as reformas anunciadas no comício da Central do Brasil.
A rebelião de marinheiros e fuzileiros navais, dia 25 de março, no Sindicato dos Metalúrgicos do Rio de Janeiro e uma reunião do presidente Goulart e alguns de seus ministros, na sede do Automóvel Clube do Brasil, no Rio, com sargentos das três armas, dia 29 de março de 1964, foram a gota d’água. João Goulart foi deposto dois dias depois, em 31 de março.
Após a deposição de Goulart em 31 de março e a de Kruschev em outubro, apenas 7 meses depois, já em março de 1965 o PC Soviético selecionava criteriosamente os partidos comunistas mais fortes em seus países e os convocava a Moscou para a discussão de uma pauta delicada: isolar e enfraquecer ao máximo a influência do Partido Comunista Chinês no Movimento Comunista Internacional. Todos, inclusive Fidel Castro, firmaram a resolução de apoio a Moscou em sua disputa com Pequim. Esse encontro sepultou as esperanças chinesas de quebrar a hegemonia soviética no MCI. O PCB emitiu uma declaração apoiando as decisões aprovadas em Moscou.
Chou En-Lai, então primeiro-ministro da China, considerava o “foquismo” - tática revolucionária imaginada por Fidel Castro e Che Guevara - “uma bobagem; nunca o apoiamos por ser uma coisa pouco séria”. Todavia, em contrapartida, Chou En-Lai prontificou-se a apoiar os movimentos revolucionários da América Latina, fornecendo treinamento e armas. A partir de março de 1964, ainda no governo Goulart, passaram a seguir para a China contingentes de militantes do PC do B e da AP-Ação Popular, onde receberam treinamento na Academia Militar de Pequim. Os militantes do PC do B, de regresso ao Brasil a partir de 1966, deslocaram-se para o Brasil Central e transformaram-se no embrião do que ficaria conhecida, somente no início da década de 70, como a “Guerrilha do Araguaia”. Os militantes da Ação Popular, por sua vez, na volta, introduziram o “pensamento de Mão-Tsetung” nessa Organização, que pouco tempo depois passaria a denominar-se APML - “Ação Popular Marxista-Leninista” , sendo finalmente absorvida pelo PC do B também no início dos anos 70.
Por outro lado, o MNR-Movimento Nacionalista Revolucionário, organização de luta armada vinculada e dependente de Leonel Brizola, teve seu planejamento político e militar concluído no início de 1966, sendo instalado um “foco guerrilheiro” na serra do Caparaó, divisa dos Estados de Minas Gerais, Rio de Janeiro e Espírito Santo, sob a coordenação de um grupo de ex-militares. Brizola, para isso, havia recebido dos cubanos ajuda financeira e treinamento para seus homens. Nenhuma ação chegou a ser praticada por esse grupo, sendo todos presos no dia 2 de abril desse mesmo ano por um contingente da Polícia Militar de Minas Gerais. Essa queda representou o fim do MNR e, a partir de então, Brizola recolheu-se ostensivamente, o que iria alterar radicalmente o planejamento definido em Havana, na Conferência Tricontinental.
Em janeiro de 1966, quando da Conferência Tricontinental, em Havana, o representante do Partido Socialista Chileno, o então deputado Salvador Allende, apresentou uma proposta aprovada pela unanimidade das 27 delegações presentes: a criação da “OLAS-Organização Latino-Americana de Solidariedade”, ou seja, uma terceira via ao conflito sino-soviético. A “OLAS” era uma cópia atualizada e latino-americanizada do Komintern. Um organismo que deveria amalgamar um pacto político-militar entre a classe operária, partidos comunistas, socialistas e os movimentos revolucionários.
Em março de 1966, terminada a Conferência e conhecidas suas Resoluções, Pequim expôs Fidel Castro e o “modelo cubano” de revolução à execração política e ideológica: “(...)Essa doutrina, segundo seus autores, seria uma espécie de marxismo-leninismo para essa parte do hemisfério. Seus seguidores chamam-na de Fidelismo. Mas ela está muito longe, em questões essenciais, de corresponder à verdade científica da grande doutrina do proletariado. Toda tentativa de aplicar, dogmaticamente, em outros países, o que há de específico nessa Resolução, só poderá redundar em fracasso“. Em muito pouco tempo essa previsão do Partido Comunista Chinês se revelaria uma profecia.
A doutrina do “projeto cubano” - o “foquismo” - teria sido ditada pessoalmente por Fidel Castro, em longas gravações de dias inteiros, a Regis Debray, que a editaria em forma de livro, intitulado “Revolução na Revolução”. Posteriormente, em 1974, quando Regis Debray, numa profunda autocrítica, escreveu o livro “A Crítica das Armas”, buscando justificar a “teoria do foco guerrilheiro”, o que havia restado do “projeto cubano” de revolucionar a América Latina era uma montanha de mortos, como ele próprio reconheceu.
Em determinado trecho de “A Crítica das Armas”, escreveu Regis Debray: “1966, o ano da Tricontinental, o ano em que se prepara a entrada de CHE na Bolívia, foi, na América Latina, um ano de catástrofes militares para a revolução. Puxemos a memória: o assassinato de Guilherme Lobatón, em janeiro, no Peru; em fevereiro, Camilo Torres, na Colômbia; em março, de 26 dirigentes revolucionários na Guatemala, em uma só operação; em junho, Fabrício Ojeda, depois de sua captura, na Venezuela; em outubro, morte de Turcios Lima, na Guatemala. Quando em novembro o CHE chega a Nancanhuazú, a maioria dos comandantes guerrilheiros do continente haviam sido eliminados”.
Em dezembro de 1966, uma semana após sua chegada a Camiri-Bolívia, Che Guevara teria mantido contatos com Luis Alberto Monge, Secretário-Geral do Partido Comunista Boliviano, que reivindicou para si a chefia político-militar da guerrilha que Che Guevara iria montar. Com a negativa de CHE, o dirigente boliviano viajou a Havana disposto a exigir de Fidel a chefia da guerrilha. Fidel Castro respondeu negativamente e Monge voltou à Bolívia decidido a “dar o troco”. Che Guevara não receberia, a partir de então, por parte dos membros do PC Boliviano “nem água”. Luis Alberto Monge nada mais fazia do que seguir estritamente a política ditada pela União Soviética para a América Latina, segundo a qual o embate preferencial nesta parte do mundo não deveria ser no campo militar.
Posteriormente, Luis Alberto Monge foi acusado de, com essa atitude, ter causado a morte de Che Guevara e Moscou teve que usar toda a sua influência para impedir que os cubanos o “justiçassem”.
Ainda em abril de 1967, na Conferência Municipal do PCB em São Paulo - preparatória para o VI Congresso do partido, que seria realizado em dezembro desse ano - após o encerramento, em Havana, da “Conferência Tricontinental”, Carlos Marighela, ainda no PCB, venceu o embate político com a direção do partido e arrastou a maioria do Comitê Municipal de São Paulo para o apoio às teses de luta armada. A reação do Comitê Central foi imediata e, como sempre, administrativa: a Conferência do Comitê Municipal de São Paulo fora irregular, pois não havia respeitado “os trâmites regimentais”. Essa decisão provocou uma resposta bem humorada de Marighela: “Buscam firulas jurídicas para questionar uma eleição num partido clandestino”.
Em julho de 1967, Marighela partiu para Havana a fim de participar da “I Conferência da OLAS”, criada no ano anterior. Pretendia retornar ao Brasil no máximo em 15 dias. Nessa época já se encontrava em Cuba um grupo de 7 militantes, enviados por Marighela, recebendo treinamento militar. Na agenda “OLAS”, o fundamental era fazer com que o cerco à revolução cubana fosse rompido, instalando focos guerrilheiros no continente, onde quer que fosse possível. A “OLAS” era, portanto, nada mais que um instrumento do Estado cubano.
Moscou, utilizando o Partido Comunista Brasileiro, tão logo foi encerrada a Conferência. desfechou um virulento ataque às decisões ali adotadas. Da mesma forma que Fidel utilizara a caneta de Regis Debray para escrever “Revolução na Revolução”, os soviéticos utilizaram a de “Simão Bonjardim”, codinome utilizado por Renato Guimarães Cupertino, então membro do Comitê Central do PCB. Recorde-se que, anteriormente, ainda em Havana, o deputado comunista chileno Jose Montes, ao final da Conferência, emitira o parecer dos partidos comunistas ortodoxos do continente: “As decisões aqui tomadas são anti-soviéticas, anti-leninistas e anti-revolucionárias. A União Soviética nunca se enganou e a História demonstra isso”.
O longo documento atribuído a “Simão Bonjardim”, de crítica às Resoluções da “OLAS”, foi publicado no jornal “Voz Operária”, porta-voz do Comitê Central do PCB, de outubro de 1967, coincidentemente o mês em que Che Guevara foi morto nas selvas da Bolívia, com o título “A Revolução e a Revolução de Regis Debray”. Eis seus principais tópicos:
“Se a guerrilha transformasse alguém em revolucionário, Lampião seria o nosso Lenin (...) A guerrilha é uma forma de luta como outra qualquer. Não é a sua utilização que determina o caráter revolucionário de um movimento social, mas, ao contrário, ela é que se torna um instrumento revolucionário quando é utilizada de um movimento dotado desse caráter (...) Debray espera, naturalmente, que seus guerrilheiros conquistem a adesão e o entusiasmo da maioria da população, camponeses inclusive. Mas conta chegar a isso através apenas da repercussão moral dos feitos da guerrilha entre o povo oprimido. A idéia é bonita, mas não vale um tostão. Para conseguir feitos gloriosos, a guerrilha precisa do apoio prévio do camponês, que a esconde, informa, abastece em dinheiro, alimentos e homens. Em condições excepcionais é possível que um grupo guerrilheiro autônomo, de ‘efeito moral’, se mantenha durante algum tempo e até obtenha algumas vitórias (...) A guerrilha, por definição, é um tipo menor de organização militar. Do ponto de vista estratégico, é uma forma de luta auxiliar, inferior, defensiva. A própria expressão espanhola que a define traduz a sua limitação: é guerrilha, guerra miúda, escaramuça. É uma técnica que permite ao mais fraco sobreviver diante do mais forte, ganhar tempo, acumular forças e, ao mesmo tempo, fustigar o inimigo. É uma técnica extraordinariamente útil, mas sempre de alcance limitado. Ela não dá a vitória ao movimento revolucionário. A vitória é conquistada pelo conjunto do movimento, e geralmente se decide em ações que estão fora do alcance da guerrilha. Foi assim em Cuba, onde a vitória contra Batista foi decidida pela ação concertada de uma ampla frente democrática e, particularmente, pela greve geral dos trabalhadores de toda ilha. Foi assim na Argélia...
O erro de Debray está em colocar na base de uma teoria para o movimento revolucionário uma questão subordinada, secundária, que é a forma de luta (...) O estudo concreto da realidade em que vivemos, e particularmente do estágio do desenvolvimento econômico e social em que se encontra a Nação, permite discernir as contradições fundamentais que embaraçam e entorpecem esse desenvolvimento. A solução dessas contradições exige o esforço concentrado da maioria da Nação. Seu enunciado permite definir o caráter e as tarefas da revolução na etapa dada; determina o conjunto de classes e camadas sociais que se podem aliar para a conquista desse objetivo revolucionário imediato; delineia o programa acessível ao conjunto das forças revolucionárias, que deve cimentar sua unidade; aponta o inimigo principal da revolução, contra o qual se deve concentrar o combate da aliança revolucionária; acusa quais são as forças básicas dessa aliança, quais são os seus elementos vacilantes e quais são os agrupamentos sociais que se podem neutralizar ou afastar do inimigo.
(...) Esse é o conteúdo da nossa luta atual, seu aspecto básico, determinante. As formas concretas, principais e secundárias, que toma essa luta, para as quais a designação de armada, pacífica, legal ou ilegal é apenas uma catalogação geral, nunca uma receita (...) São, portanto, as massas que decidem tudo (...) A dispensa das condições objetivas para o processo revolucionário é uma tentação em que caem todas as correntes que, hoje, na América Latina, querem fazer a revolução com um punhado de heróis. Em nosso país, Carlos Marighela apresenta-se como o campeão dessa utopia (...)”
Encerrado o Encontro da “OLAS”, Marighela manteve uma série de longas reuniões com Manuel Piñero Losada, chefe da Inteligência cubana e coordenador das guerrilhas no continente. Marighela ascendia, assim, ao firmamento revolucionário como uma estrela de primeira grandeza.
Entrementes, no Brasil, a direção do PCB decidiu que ele seria expulso do partido tão logo regressasse ao Brasil.
Paralelamente a tudo isso, em setembro de 1967, dois meses antes do VI Congresso do PCB, em uma reunião realizada em Niterói, Rio de Janeiro, um grupo do Comitê Central, também descontente com a linha pacífica definida por Prestes e com os contatos e a virtual subordinação de Marighela aos cubanos, decidiu pelo “racha no “racha”, ou seja, pela “dissidência na dissidência”, constituindo o PCBR-Partido Comunista Brasileiro Revolucionário.
Prestes ainda tentou minar a sedução dos militantes indecisos entre o caminho pacífico ou armado, com a estruturação, no PCB, do “braço armado da classe operária”,denominado no código partidário de “Seção de Trabalho Especial”, vinculada ao Comitê Central, que chegou a adestrar militarmente diversos militantes em uma fazenda do interior de Minas Gerais.
A morte de Che Guevara, em 8 de outubro de 1967, atrasou o regresso de Marighela ao Brasil, o que só viria a ocorrer em dezembro desse ano, época em que se realizou o VI Congresso do PCB, ao qual ele não compareceu, pois não mais pertencia ao partido.
No Brasil, em março de 1968, Carlos Marighela definiu o nome da sua organização, até então uma dissidência do PCB conhecida como “Ala Marighela”: Ação Libertadora Nacional (ALN). Assim como o PCB em março de 1922, a ALN, em março de 1968 também foi fundada por 9 pessoas: Carlos Marighela, Joaquim Câmara Ferreira, Cícero Silveira Viana, Rafael Martinelli, Osvaldo Lourenço, Farid Helou, João Adolfo da Costa Pinto, Agonalto Pacheco da Silva e Rolando Fratti. A ALN foi a maior Organização em atividade na guerrilha urbana no Brasil. Por isso, servirá de paradigma para as considerações que a seguir serão feitas.
Se a unidade fosse conseguida entre os principais grupos voltados para a luta armada então constituídos e em atividade (Ação Libertadora Nacional-ALN, Partido Comunista do Brasil-PC do B, Política Operária-POLOP, Partido Comunista Brasileiro Revolucionário-PCBR e Vanguarda Popular Revolucionária-VPR), o movimento revolucionário contaria com cerca de 500 guerrilheiros. Computando-se os efetivos de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Distrito Federal e Nordeste, estima-se que a ALN, em sua fundação, contasse com um efetivo de apenas 50 militantes voltados para a luta armada. Seria o “pequeno motor”, a guerrilha, que iria fazer funcionar o “grande motor”, as massas.
A principal rede de apoio de Carlos Marighela foram os padres e estudantes do Convento dos Dominicanos, em São Paulo, onde pessoas, armas e dinheiro eram escondidos por mais de uma dezena de padres e estudantes do Convento. Essas pessoas participavam ativamente das atividades clandestinas de apoio à ALN desde abril de 1968, com o conhecimento e a aquiescência do Provincial, frei Osvaldo Augusto de Rezende Junior, e do Mestre dos Estudantes, frei Edson Braga de Souza.
Do primeiro encontro com o “professor Menezes” (Carlos Marighela), no Convento da rua Caiuby nº 121, participaram o frei Edson Braga de Souza, Carlos Alberto Libânio Christo (“frei Beto”), João Antonio Caldas Valença (“frei Maurício”), Tito de Alencar Lima (“frei Tito”), Luiz Felipe Ratton Mascarenhas (“frei Ratton”), Magno José Vilela (“frei Magno”), Yves do Amaral Lesbaupin (“frei Ivo”) e Francisco Pereira de Araujo (“frei Chico”). Mais tarde juntaram-se a esse grupo de colaboradores da ALN, frei Giorgio Calegari, frei Roberto Romano da Silva e Sinval Itacarambi Leão, ex-monge beneditino.
Frei Beto reconheceu que os dominicanos que participaram do projeto de luta armada da ALN estavam cientes disso desde o primeiro momento.
O Convento das Perdizes foi rapidamente convertido em uma peça decisiva na engrenagem revolucionária de Carlos Marighela e, organicamente, adquiriu “status” de retaguarda.
Entre as principais ações terroristas desencadeadas pela ALN, figuram:
- o atentado a bomba contra as instalações do jornal “O Estado de São Paulo”, em abril de 1968, em São Paulo;
- o assalto ao corpo da guarda do Hospital Militar do Cambucí, em São Paulo, em junho de 1968;
- o atentado a bomba ao Quartel-General do II Exército, juntamente com a VPR, matando o soldado Mario Kosel Filho, em junho de 1968;
- o assassinato, com 14 tiros de metralhadora, do capitão do Exército dos EUA Charles Chandler, em 12 de outubro de 1968, quando este saia de sua residência, em São Paulo, na presença de seus filhos;
- direção do seqüestro do embaixador dos EUA no Brasil, em setembro de 1969, no Rio;
- seqüestro, em Buenos Aires, de um avião comercial brasileiro, levado para Havana por 11 militantes da ALN, em novembro de 1969;
- participação no seqüestro do embaixador da Alemanha Federal, no Rio, em 11 de junho de 1970, durante o qual foi assassinado um policial federal;
- “julgamento” e “justiçamento” de vários membros da própria ALN, no Rio e em São Paulo, em 1970;
- assalto à Casa de Saúde Dr Eiras, no Rio, em 1970, ocasião em que foram assassinados três guardas de segurança;
- participação no “justiçamento” do empresário Henning Albert Boilesen, presidente da Ultragaz, em São Paulo, em 15 de abril de 1971; - comandamento do grupo composto por militantes de diversas Organizações que assassinou, a título de “justiçamento”, o delegado da Polícia Civil de São Paulo Otavio Gonçalves Moreira Junior, em Copacabana, no Rio, em 25 de fevereiro de 1973, quando este saía da praia.
Para opor-se à escalada desenfreada da violência, em 13 de dezembro de 1968 o governo emitiu o Ato Institucional nº 5 e, em janeiro de 1970, decidiu pela criação dos Centros de Operações de Defesa Interna (CODI). Então, dois meses antes, Marighela já havia sido morto.
Após a edição do Ato Institucional nº 5, os demais fundadores da ALN enviaram um documento a Carlos Marighela, tecendo críticas à tática extremamente militarista que a Organização vinha pondo em prática. Marighela, enfurecido, respondeu aos descontentes com um texto incendiário, cujo título não poderia ser mais franco e sugestivo: “Quem samba, fica. Quem não samba, vai embora”, definindo que estavam todos dentro de uma Organização revolucionária e não em um partido político. Alguns trechos desse documento, considerado histórico pela esquerda:
“(...) De acordo com o desenvolvimento das ações, estão criadas três Frentes: a Frente Guerrilheira, a Frente de Massas e a Rede de Apoio. Na Frente Guerrilheira, existe a organização dos GTA-Grupos de Trabalho Armados. Na Frente Guerrilheira encontra-se também o Setor de Informações, captura de armas e munições. Há, também, na Frente Guerrilheira, a preparação de sabotagens (explosivos). Os senhores têm carta-branca na Frente Guerrilheira para desencadear ações (autonomia tática: primeiro fazer; depois discutir)”.
Era esse o motivo da grande queixa feita pelos demais fundadores da ALN: os GTAs praticavam ações sem qualquer direção política e o seu poder era inaceitável para alguns dirigentes da Organização, saudosos do centralismo democrático leninista do velho Partidão.
Prossegue Marighela no documento “Quem samba, fica. Quem não samba, vai embora” : “São necessárias ações e mais ações. Distribuir panfletos, pintar paredes, fazer a política de terra arrasada; tudo isso com o trabuco na cintura. Ninguém deve deixar-se deter sem resistência. Para isso, deve andar armado e atirar para matar contra policiais e informantes. A ditadura tem pânico e nós não vamos sair do ritmo porque os fascistas deram um golpe dentro do golpe (AI-5) (...).
Nossa democracia é revolucionária. É a democracia para a ação; do que é útil para a revolução; não o que é útil para uma meia dúzia de burocratas e enroladores (...) Se alguém acredita que o nosso caminho armado é correto ou não, faça o favor, siga seu caminho e não está obrigado a seguir o nosso (...) Tomem iniciativas, assumam responsabilidades, façam. É melhor cometer erros fazendo, mesmo que isso resulte em mortes. Os mortos são os únicos que não fazem autocrítica.
Não temos dirigentes e sim comandantes. E comandantes têm que ser forjados nessa nova estrutura.”.
Carlos Marighela assim assinou esse documento: “Comandante Carlos Marighela, dirigente máximo da Ação Libertadora Nacional”.
Marighela perdeu, assim, a colaboração de diversos companheiros que, junto com ele, haviam pertencido ao PCB e, depois, fundado a ALN.
Somente em 21 de agosto de 1968 Fidel Castro viria a atrelar-se definitivamente a Moscou, ao apoiar incondicionalmente a invasão da Checoslováquia pelas tropas do Pacto de Varsóvia, realizada nessa data.
Então, fins de 1968, início de 1969, a ALN já estava infiltrada pelos Órgãos de Segurança, pois nunca existiu um movimento guerrilheiro, um partido comunista ou uma Organização revolucionária totalmente clandestina e imune à repressão, em época alguma da História! É um fato conhecido dos historiadores que quando os bolcheviques tomaram o poder na Rússia, em novembro de 1917, um dos membros do Comitê Central do Partido Bolchevique era um agente da Okrana, a polícia política de Kerensky.
Um exemplo da filosofia “político-ideológica” que impregnava os quadros da ALN era a figura do “Comandante” Marquito (Marcos Antonio Braz de Carvalho), morto em 23 de janeiro de 1969 e um dos que metralharam o capitão Chandler, em 12 de outubro do ano anterior. Nas reuniões da ALN, Marquito costumava dizer que fora chamado para entrar “numa guerra e não em um círculo de debates”. Suas duas frases mais conhecidas, e repetidas por ele constantemente, eram: “Não sou marxista, sou invocado” e “Somos assaltantes de bancos. Temos que estudar Dilinger”.
No início de 1969, os GTA da ALN evoluíram dos 10 quadros iniciais para cerca de 40 guerrilheiros urbanos, somando-se a esse grupo cerca de 100 pessoas nas redes de apoio, basicamente no Rio e em São Paulo. Essa rede de apoio era composta por padres e estudantes do convento dos Dominicanos, jornalistas, estudantes, arquitetos, engenheiros, advogados e até um Juiz Federal. Muitos desses membros da rede de apoio, na medida em que a luta armada se expandiu, exigindo sempre novos quadros e novos recursos, foram absorvidos como linha-auxiliar operativa nas ações armadas.
O crescimento da ALN e a submersão de quase todos os quadros na clandestinidade asfixiou as finanças da Organização. Na época, o custo estimado para a manutenção de um militante na clandestinidade era estimado em US$ 500 mensais. Para os cerca de 100 militantes clandestinos, o custo mensal atingia US$ 50 mil, somente em São Paulo, principal base de atuação da ALN. Esse total, adicionado aos custos com a estrutura que vinha sendo montada no campo para a implantação do “foco guerrilheiro”, as constantes viagens dos dirigentes, dentro e fora do país, aquisição de terras, preparação de casas e depósitos, montagem de uma fábrica de armas - aos cuidados de Otávio Ângelo -, faziam com que o orçamento anual necessário à manutenção das atividades da ALN atingisse uma cifra acima de US$ 1 milhão. Somente em 1968, nos mais de 30 assaltos a bancos, a ALN obteve “apenas” US$ 600 mil, indicativo seguro de que existia algum tipo de ajuda financeira externa.
Embora Che Guevara já tivesse escrito um clássico da guerrilha - o livro “Guerra de Guerrilhas”- , Carlos Marighela, em maio de 1969, tornou público, dentro da Organização, o seu próprio manual, o “Minimanual do Guerrilheiro Urbano”, considerado inaplicável por muitos que tentaram, dentro da ALN, utilizar seus ensinamentos. A propósito, recorde-se que Regis Debray, em seu livro “Revolução na Revolução”, enfatizava que a cidade “é o túmulo do guerrilheiro; se todos os quadros caem (são presos) na cidade é porque existem endereços onde a polícia pode procurá-los, o que não ocorre na guerrilha rural”.
O “Minimanual do Guerrilheiro Urbano” viria a ser editado em diversos idiomas: alemão, italiano, francês, espanhol, inglês, e foi adotado pela “Fração do Exército Vermelho”, grupo terrorista alemão mundialmente conhecido como “Baader-Meinhoff” (nomes de guerra de seus dois principais militantes).
Salomão Malina, ex-Oficial da Força Expedicionária Brasileira mandada à Itália durante a II Guerra Mundial, membro do Comitê Central do PCB e o responsável, na época, pelo “esquema de segurança” dos dirigentes do PCB, classificou, na época, o “Minimanual” como “um monte de bobagens, pois Marighela nunca entendeu, interessou-se ou estudou questões militares. Na parte de segurança era sofrível. Qualquer sargento faria melhor”.
Através das legações diplomáticas de Cuba em todo o mundo, Carlos Marighela nunca deixou de ter contato com o verdadeiro dirigente da guerrilha no Brasil, em Havana: Manuel Piñero Losada, dirigente do aparelho de Inteligência cubano.
Na época, o representante da ALN em Paris era um auto-exilado, Aloísio Nunes Ferreira, então militante da ALN, nomeado Ministro da Justiça em 2001, no Brasil e atual senador pelo PSDB -, cuja ida a Cuba, para receber treinamento militar, teria sido vetada por Marighela. Esse dado faz parte da História e não pode ser escamoteado.
Na Itália, o esquema de denúncias de torturas no Brasil constituiu-se uma verdadeira operação montada pela italiana Marcela Glisenti, dirigente do Partido Democrata Cristão, que tinha acesso direto ao Papa Paulo VI. Também na área cultural, o movimento revolucionário brasileiro recebeu apoio na Europa por parte de artistas auto-exilados, como a atriz Norma Bengell, o diretor teatral Augusto Pinto Boal, o cineasta Glauber Rocha, que chegou a pedir ingresso, oficialmente, na ALN, e outros.
Em setembro de 1969, em São Paulo, a ALN começou a ser destroçada. Pela primeira vez, a militância da Organização ouviu a palavra “OBAN” (“Operação Bandeirantes”), núcleo que daria origem ao Centro de Operação de Defesa Interna no Estado. Em outubro de 1969, três membros da ALN que haviam participado, no mês anterior, no Rio, do seqüestro do embaixador norte-americano no Brasil, foram presos em São Paulo.
O desenvolvimento das operações e as sucessivas prisões iriam redundar na morte de Carlos Marighela, em 4 de novembro de 1969, ao ir ao encontro dos freis Fernando de Brito e Yves do Amaral Lesbaupin, ambos da sua rede de apoio, na Alameda Casa Branca, em São Paulo.
Coincidentemente, nesse mesmo dia 4 de novembro, Joaquim Câmara Ferreira, o número dois da ALN, em Buenos Aires, embarcava para Havana, via Paris. Horas antes, um grupo de 11 militantes da ALN designado para receber treinamento militar em Cuba, seqüestrava, também em Buenos Aires, o Boeing prefixo PP-VJX, da Varig, desviando-o para Havana. Motivo do seqüestro: a alegação de Joaquim Câmara Ferrreira de que não havia dinheiro para a compra de passagens. Os 11 militantes que seqüestraram o avião, foram os seguintes: Aylton Adalberto Mortati, Marcio Beck Machado, Maria Augusta Thomaz, Lauriberto José Reyes, Frederico Eduardo Mayr, Luiz Antonio Oliveira Araújo, Rui Carlos Vieira Berbet, Flavio de Carvalho Molina, José Julio de Araújo, Natanael de Moura Giraldi e Francisco José de Oliveira. Desse grupo, somente Luiz Antonio Oliveira Araújo e Natanael de Moura Giraldi iriam sobreviver à utopia.
A ALN, em 1969, sofreu quatro grandes conjuntos de perdas que abalaram profundamente sua estrutura: em agosto, setembro e outubro, quando foram desmantelados seus GTA em São Paulo; em novembro, quando Marighela foi morto; e em dezembro, quando foi localizada e desmantelada sua fábrica clandestina de armas.
Preso em Porto Alegre no Convento Cristo Rei, em 11 de novembro de 1969, frei Beto foi recolhido ao presídio Tiradentes, em São Paulo. Em seu depoimento, traçou espontaneamente as rotas de saída do Brasil, pela fronteira sul, dos militantes da ALN, pelas quais foi o responsável, definindo também a importância de alguns prelados católicos na estrutura de apoio à Organização, e “abrindo” outros dados irrelevantes, pois já eram do conhecimento dos Órgãos de Inteligência.
Em dezembro de 1969, os depoimentos dos membros dos GTA, presos, começaram a ser publicados por toda a imprensa. Todos haviam falado; uns mais e outros menos. Os membros das redes de apoio, também presos, protestaram contra essa falta de “profissionalismo revolucionário”, fato que abalou profunda e moralmente o que restava da ALN. A versão dada para a morte de Marighela, redigida pelos presos, foi remetida a Havana, via Paris. Seu enfoque para os acontecimentos poupava os dominicanos e atribuía tudo a uma versão fantasiosa: “uma infiltração da CIA...”. Essa versão de “infiltração da CIA” seria divulgada posteriormente, por frei Beto, em livro de sua autoria.
Menos de um ano depois, em outubro de 1970, em São Paulo, morreu Joaquim Câmara Ferreira (“Toledo”), o sucessor de Marighela, dando fim a um ciclo da ALN, que, no entanto, insistindo em sobreviver, passou a praticar ações armadas em conjunto com militantes de outras Organizações, todas, já, em fase terminal. O que havia restado da ALN após as mortes de Marighela e “Toledo” não foram comandantes, mas síndicos de uma massa falida. Nesse contexto, diversos “justiçamentos” de companheiros foram realizados. Todos por suspeita de “colaboração” ou da possibilidade de “vir a colaborar” com a “repressão”, conforme foi o caso do “julgamento” e “justiçamento” de Marcio Leite Toledo, que recebera treinamento militar em Cuba.
Se os dominicanos conduziram Marighela ao cadafalso, os integrantes dos GTA ofereceram, com seus depoimentos, o corpo da ALN, propiciando sua total destruição. Muitos se justificaram alegando que “apenas confirmaram o que a repressão já sabia”. Em muitos casos, isso não deixava de ser uma verdade.
A última ação armada de que participaram membros da ALN foi o assassinato, já citado, do delegado da Polícia Civil de São Paulo Otavio Gonçalves Moreira Junior. em fevereiro de 1973.
Sobre o tema “justiçamentos”, aliás, será altamente edificante relacionar algumas dessas vítimas de seus próprios companheiros: Marcio Leite Toledo, em 23 de março de 1971, em São Paulo; Carlos Alberto Maciel Cardoso, em 13 de novembro de 1971, no Rio; Salatiel Teixeira Rolins, em 22 de junho de 1973, no Rio; e Francisco Jacques Alvarenga, em 28 de junho de 1973, no Rio. Além desses, outros militantes de menor expressão foram também justiçados.
Carlos I. S. Azambuja é Historiador.
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