Vejam esta lista. Nela encontram-se divididos os vencedores dos prêmios Nobel por país. Os Estados Unidos lideram com 338, o Reino Unido tem 119, a Alemanha 102, a França 65. O Brasil não tem nenhum. Zero. Conjunto vazio. Nossos vizinhos argentinos já somaram cinco. Até a Islândia, com uma população menor do que Piracicaba, já arrematou um Nobel.
As razões para a irrelevância brasileira nas ciências são muitas e de difícil medição, mas há uma tendência que nos mantém em ponto morto: o fato de que "os empregos estatais transformaram-se em objeto de cobiça dos melhores cérebros do País".
A frase não é minha. Aparece em uma reportagem de 2010 da revista Isto É, que comemora o fato de muitos dos brasileiros mais capazes intelectualmente não estarem na academia nem liderando o empreendedorismo, mas dentro da repartição.
A drenagem dos cérebros pela máquina pública só tende a piorar. De acordo com a revista:
Ao todo, entre abertas, temporárias e programadas, são quase 400 mil vagas de emprego no serviço público, com salários iniciais variando entre o mínimo e os desejados R$ 20,9 mil oferecidos a juízes substitutos dos Tribunais Regionais do Trabalho. "Hoje em dia, em média, um servidor público federal ganha o dobro dos seus congêneres na iniciativa privada", diz o professor de relações do trabalho da Universidade de São Paulo, José Pastore, deixando claro por que os concursos públicos têm atraído tantos candidatos. "Nos últimos oito anos os salários públicos da União tiveram um aumento real de 75%, enquanto os do setor privado, de apenas 9%."
Seguindo a furada Cartilha do Politicamente Correto, a matéria chama funcionário público de servidor. Eu vou chamar de funcionário, por desobediência.
E por causa da imprecisão do termo. Afinal, todos nós somos servidores públicos. O engenheiro que passa da iniciativa privada para o cargo público não se transmuta num ser altruísta. Ele continua priorizando sua carreira, seu "polpudo salário" e sua estabilidade. O rapaz que vende coco na praia está servindo ao público, os pedreiros que construíram os prédios da sua cidade estavam servindo ao público, os engenheiros que conceberam a tela em que você está lendo este artigo estavam servindo ao público. Só porque o sujeito extrai sua renda do imposto que você paga, e não do produto que você compra, isso não significa que ele serve mais ao público do que seu semelhante da iniciativa privada.
Na verdade, são exatamente os funcionários públicos, os burocratas, que menos servem ao público. Como não produzem, mas sobrevivem dos tributos, eles precisam extrair a sua renda do setor produtivo da sociedade. Ao passar do setor produtivo pro estatal, o profissional competente está passando do numerador para o denominador da economia: extraindo mais recursos do que criando.
O burocratismo ainda tem outros problemas menos aparentes. O empregado do governo também é um eleitor do governo: participa do processo político que lhe favorece. Quando ele olha para o orçamento, o que você acha que ele prioriza: a responsabilidade fiscal ou o aumento de seu salário? Quando vai às urnas, qual a sua mentalidade? A consciência do bem comum ou a garantia de estabilidade? O jogo aqui é de soma zero.
O que o burocrata toma da sociedade é em geral transferência de recursos. E para fortalecer a defesa de seus interesses profissionais, os funcionários públicos se fundem em grupos de interesse. A sociedade como um todo sai perdendo, mas a categoria profissional consegue tornar ainda mais atraente a matrícula em seu grupo de interesse. Isso atrai mais candidatos, criando mais demanda por concursos e, por conseguinte, políticos dispostos a suprir essa demanda.
No início do Século XIX, Charles Dunoyer percebeu esse ciclo na França pós-revolucionária. Em L'Industrie et la morale [A indústria e a moral], Dunoyer aponta para a burocracia como a substituta da aristocracia derrubada. A "paixão pelos cargos" levara à criação de uma classe de pessoas cujo principal interesse era a expansão da oferta dos empregos públicos. E não eram apenas os empregos que se multiplicavam, notava Dunoyer, mas também o poder da administração estatal, que precisava se inflar para acomodar a crescente demanda.
No século seguinte, o economista Ludwig von Mises observou como que a ruína das repúblicas européias no início do século XX estava associada ao inchaço do funcionalismo público. A razão é compreensível: se os membros do congresso não mais se consideram mandatários dos pagadores de impostos, mas procuradores daqueles que recebem salários, pagamentos, subsídios, auxílios e outros benefícios do tesouro, a democracia se torna insustentável.
O burocracismo é, portanto, uma doença sociopolítica que pode levar à falência das próprias instituições democráticas de um país. Enquanto isso não acontece, é a falência da produção intelectual que continua vitimando alguns de nossos melhores cérebros.
Pedir às pessoas para mudar seu comportamento, e não seguir a carreira do funcionalismo, é ilusão. Enquanto não aparecer uma liderança política que altere essa estrutura de incentivos, o Brasil continuará vítima da elefantíase burocrática.
Publicado originalmente no site do Ordem Livre
Diogo Costa é presidente do Instituto Ordem Livre e professor do curso de Relações Internacionais do Ibmec-MG. Trabalhou com pesquisa em políticas públicas para o Cato Institute e para a Atlas Economic Research Foundation em Washington DC. Seus artigos já apareceram em publicações diversas, como O Globo, Folha de S. Paulo e Estado de S. Paulo. Diogo é Bacharel em Direito pela Universidade Católica de Petrópolis e Mestre em Ciência Política pela Columbia University de Nova York. Seu blog: http://www.capitalismoparaospobres.com
fonte: http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=1787
Nenhum comentário:
Postar um comentário