Encerradas as eleições presidenciais de 2014, poucas pessoas
duvidariam que o clima de divisão no país havia se tornado maior do que nunca.
Durante meses, o Brasil testemunhou uma máquina de queimar reputações atuar de
forma implacável. Projetos? Pouca coisa. Os ataques pessoais deram o tom
das campanhas.
Acusações
como a de que a candidata Marina Silva entregaria o controle da política
econômica aos bancos (exatamente como Dilma viria a fazer meses depois)
justamente porque ela, candidata pelo PSB, falava em nome dos
banqueiros (apesar de Dilma ter recebido mais do que o dobro em doações de
bancos do que ambos os opositores somados), dominaram boa parte do primeiro
turno. De ambas as partes acusações de caráter pessoal tomaram conta do
cenário. No ápice, o ex-presidente Lula chegou a comparar-se aos judeus sendo perseguido pelos
nazistas (do PSDB,
no caso), tamanho o ódio que seus adversários possuíam dele. Dividir e
conquistar tornou-se um lema de campanha, que pelo lado petista contava com a
maestria do marqueteiro João Santana, como Leandro Narloch escreveu para a
nossa página à época.
Foi, portanto, bastante espantoso que o ano de 2015 nos levasse ao
exato oposto disto. E tudo isso graças à incoerência entre promessas e ações de
Dilma – que abandonou seu discurso de campanha e passou a cumprir uma agenda da
qual acusara seus candidatos: aumentando juros, cortando direitos
trabalhistas e retirando o financiamento de programas sociais. A oposição ao
governo por si só foi capaz de unificar aquilo que a manipulação política
separou. Cerca de 9 entre cada 10 brasileiros desaprovam o governo, a mais alta rejeição de um presidente na historia.
A
rejeição, entretanto, não é unânime: o governo ainda conta com sua base de
apoio, cada vez menor, assim como suas opções de ações para mantê-la fiel. Com
um ajuste que não é aprovado pelo Congresso – graças à fraqueza política
do governo, que não permite a confiança suficiente para eventuais aumentos de
impostos – Dilma e Levy falham sucessivamente em realizar o
ajuste que propuseram. A perda do grau de investimento pela S&P
como se viu há poucos dias, mostrou um limite diante da credulidade de que o
governo seja capaz de realizar qualquer mudança.
Iniciado em janeiro com a meta de economizar 1,2% do PIB para
pagar os juros da dívida, o ajuste fiscal chegou a setembro com uma meta bem
mais modesta que a inicial: agora revisada para 0,15%. Foram aumentos
sucessivos de impostos – como a Cide sobre combustíveis, imposto de importação,
operações financeiras, lucro dos bancos, PIS/COFINS – além de sucessivos cortes
de verba como os R$ 11 bilhões retirados do Ministério da Saúde e os R$ 9,4
bilhões da Educação.
Com
o orçamento no limite, o governo viu sua base de apoio diminuir medida após
medida. Com a incerteza de que, de fato, receberão os reajustes prometidos
ainda na greve de 2012, professores universitários paralisaram suas atividades
novamente em mais de 60 instituições de ensino federais no país. Os reajustes
prometidos e incertos se transformaram em perda real de salário graças à
inflação crescente no país, que atingiu 9,5% nos últimos 12 meses.
Assim
como os professores, Dilma perdeu ao longo do ano o apoio de inúmeras
organizações tradicionalmente favoráveis ao governo. Em certo ponto, até mesmo
seu partido realiza oposição – não diretamente ao governo, mas às medidas de
ajuste. O ex-presidente Lula, de olho em 2018 chegou a declarar que “o PT está no volume morto” e que
“o partido hoje só pensa em cargo”. As críticas à Dilma tem sido recorrentes na
medida em que Lula visualiza risco de contágio à sua imagem.
Sem
poder contar sequer com o apoio pleno de seu vice, Michel Temer, que já opôs-se
a medidas como a recriação da CPMF e abandonou a tarefa de articular apoio
político junto ao Congresso, Dilma chega ao final do ano garantindo apenas que
2016 será tão ou mais penoso que 2015. Refletido no menor nível de confiança do
consumidor da história, as perspectivas para o país não são nada animadoras.
Há
um setor, porém, que parece imune à crise e que reiteradamente apoia o
Planalto: o sistema financeiro. Com exceção dos bancos públicos, o lucro
do sistema bancário brasileiro pouco sofreu em 2015. Itaú e Bradesco, os dois
maiores bancos privados do país, tiveram no segundo trimestre altas no lucro de
22,1% e 18,4% respectivamente. O número contrasta com a queda na economia
de 1,9%, além do crescimento tímido na carteira de crédito dos bancos de menos
de 3% – indicando claramente que o ganho se deu por aumentos em taxas e
serviços.
Tendo todas as suas demandas atendidas pelo governo desde o
início, o sindicato dos bancos foi o único a
lançar nota de apoio às medidas anunciadas nesta segunda-feira, de aumento de impostos e corte de
gastos com funcionalismo. A Febraban disse em nota “entender o caráter das
medidas”. Meses antes, presidentes de bancos, como Roberto Setubal, do Itaú, e
Luiz Carlos Trabuco, do Bradesco, já
haviam dado declarações de
apoio ao governo e oposição ao processo de impeachment.
Razões
para apoiar não faltam. O setor bancário é historicamente ligado a governos ao
redor do mundo, em especial no Brasil. O mais regulado dos setores da economia
– o sistema financeiro -, que possui um agente central para tabelar preços,
limitar concorrência e garantir segurança contra falências – órgão que você
conhece como Banco Central -, possui uma história recente no país. Até a
década de 1970, as atividades do setor eram bastantes limitadas. Foi justamente
com a forte presença do Estado que os bancos brasileiros cresceram.
Ao longo de toda história inflacionária brasileira, os bancos
ajudaram a concentrar renda e ampliaram seus lucros na base da inflação. Segundo um
estudo dos
economistas Mario Henrique Simonsen (ex-Ministro da Fazenda) e Rubens Penha
Cysne, no auge do processo inflacionário brasileiro, os bancos chegaram a
lucrar mais de 1% do PIB apenas com ganhos inflacionários. Em termos atuais,
isto representaria R$ 60 bilhões. Mais do que todo o lucro dos bancos
atualmente. E apenas com inflação.
Foi
somente no governo Lula, porém, que os bancos se recuperaram do baque que
foi a perda das receitas da inflação. Ao longo da década de 1990, inúmeros
bancos chegaram a falir em decorrência do fim destas receitas – oriundas graças
ao Plano Real. Entre 2002 e 2010, os 9 maiores bancos
brasileiros expandiram seus lucros em 550%.
A ideia de que os bancos apoiariam um governo que colocou a
economia em recessão pode parecer absurda para muitos, mas é perfeitamente
natural quando analisamos os resultados do ajuste fiscal implementado até aqui. Entre
janeiro e julho, os gastos do governo com juros somaram R$ 288 bilhões, contra
R$ 140 bilhões em igual período do ano passado. O déficit nominal, a diferença entre
receitas e despesas totais, superou os 8% nos últimos 12 meses.
O
governo em sua fragilidade acatou todas as ordens do mercado financeiro para
alcançar a propagada “estabilidade”. O caso tem precedentes históricos. João
Goulart, o presidente deposto pelos militares, por muito tempo buscou realizar
um ajuste fiscal que acalmasse a economia e permitisse ao presidente governar
com tranquilidade para implementar suas ideias. Na Fazenda, Jango colocou
ninguém menos do que o fundador do Unibanco, Walhter Moreira Salles. A
estratégia como se sabe, não foi bem sucedida.
O
recado da Febraban,
a Federação Brasileira dos Bancos, deve sempre acender um alerta. Não há dentre
os bancos brasileiros, nenhum compromisso explícito que não com o próprio
setor. Um dos mais cartelizados da economia, o sistema financeiro nacional (que
tem o governo como principal membro e detentor de ao menos metade dos ativos
bancários no país), segue desde sempre seus interesses – que em raras ocasiões
se alinham aos interesses da população em geral, que trabalha, empreende e tem
na liberdade econômica um importante aliado para progredir. Garantir um sistema
financeiro menos dependente e ligado ao Estado é portanto um passo importante
para o crescimento do país.
E
a esquerda nisso tudo? A esquerda brasileira, representada pelas entidades
estudantis, sindicatos de trabalhadores e outras organizações do tipo, segue
tendo no sistema financeiro um grande opositor. A crítica, porém, limita-se a
enquadrar o ministro Joaquim Levy como culpado dos cortes. Toda a crítica à
presidente Dilma em si é medida e pesada para que não corra o risco de
significar apoio a um processo de impeachment. Em suma, a esquerda se nega a
apoiar o impeachment de uma presidente que em sua fragilidade entregou a
economia do país aos bancos, com receio de que isto abra espaço para grupos
supostamente ligados a banqueiros. É o ápice da lógica que cede lugar à
ideologia. Dilma, afinal, faz isso melhor do que ninguém.
]
fonte: http://spotniks.com/apenas-dois-grupos-apoiam-o-governo-dilma-os-banqueiros-e-a-esquerda/
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