Citada ainda no contexto da Guerra Fria, “o socialismo dura até acabar o dinheiro dos outros” é uma célebre frase atribuída à Primeira-ministra britânica Margareth Thatcher. O bordão desde então ganhou um ar mais amplo que o original, passando a expressar uma preocupação em relação a qualquer política distributivista. Em um mundo onde as atribuições dos governos são cada vez mais crescentes e tornam-se “direitos” garantidos por constituições – variando de saúde, educação e até mesmo transporte ou banda larga, como no caso brasileiro – expressões que enfatizam o custo destas ações possuem cada vez mais sentido.
Seja
a máxima de Thatcher, o almoço grátis impossível de Milton
Friedman ou ainda o lema que afirma que “o governo é a grande ficção
através da qual todos esperam viver as custas de todos”, do francês Frederic
Bastiat. Todas possuem um ponto em comum: vontade política não garante o
cumprimento de nenhuma medida. O mais bem intencionado dos governos ainda
precisa ser financiado por meio de arrecadação. E a arrecadação sai sempre do
mesmo lugar – o bolso dos pagadores de impostos de um país.
Este
equilíbrio delicado mantém-se de forma bastante problemática. Convencer a
população de que ela está se beneficiando direta ou indiretamente daquilo que é
tributada é a missão de qualquer governante. E no Brasil, ao longo dos anos,
com a arrecadação em constante alta, manter este equilíbrio foi tarefa
consideravelmente fácil para o Partido dos Trabalhadores. Enquanto agradava a
população mais pobre com programas de transferência de renda, o governo criava
o maior sistema de transferência de renda do mundo – um bolsa empresário que
custa anualmente R$ 23 bilhões para subsidiar grandes empresas através do BNDES. Durante mais de
meia década o governo manteve inalterado o preço da gasolina (às custas da
quase falência da Petrobras), concedeu dezenas de bilhões em isenções de IPI
para a classe média ter acesso a um veículo automotor, duplicou os gastos com o
FIES em ano eleitoral e financiou uma expansão inconsequente de crédito, que somada aos mais de R$ 500 bilhões em políticas de subsídio e incentivos,
hoje cobram a conta. E a conta sempre aperta no mesmo bolso: o seu.
Com um crescimento da arrecadação acima de 2 dígitos por mais de
uma década, o governo dedicou-se a expandir gastos e salários. Atualmente, um
funcionário público civil do executivo federal possui um salário médio de R$ 9.919,00, contra R$ 2.148,50 de um funcionário na iniciativa privada. São mais de R$ 474
bilhões gastos anualmente para manter a máquina pública, contra R$ 57,3 bilhões
em investimentos. Destes, cerca de R$ 204 bilhões garantem os mais de 757 mil funcionários públicos
e 113 mil funcionários indicados, nos cargos comissionados.
Outros R$ 66,9 bilhões se destinam a bancar o prejuízo na previdência dos
servidores públicos, que atende por volta de 1 milhão de pessoas – um contraste
gritante em relação aos 25,2 milhões de beneficiários do INSS que geram um déficit de R$ 56,7 bilhões.
Estabilidade
no emprego, aposentadoria integral e bons salários garantiram o retorno do
velho sonho do emprego público, fazendo com que mais de 10 milhões de brasileiros procurassem
concursos públicos a cada ano. Durante todo esse tempo, portanto, não foi
difícil para a maioria das pessoas acreditar que o crescimento da economia e do
governo eram duradouros e capazes de manter inúmeros “benefícios conquistados”.
Manter este crescimento, porém, exigiu do governo cada vez menos compromisso
com a realidade. E é aqui que o sonho do distributivismo morre.
Durante todo o seu primeiro mandato, Dilma financiou gastos que de
outra forma teriam alterado a inflação brasileira. A prática de maquiar a
inflação não é muito complicada de entender. Suponha que a energia pese metade
do índice oficial de inflação, e que ela dobrará no próximo ano por conta de um
aumento de custos. Agora suponha que o governo tire do Tesouro os custos que de
outra forma seriam repassados ao consumidor. Não é dificil perceber que a
população continue pagando a conta – agora, no entanto, sem entrar no
índice oficial de inflação.
Práticas
como esta foram ignoradas por boa parte dos formadores de opinião do país, que
pouco questionaram os prejuízos causados pelo congelamento de preços da
gasolina, e em inúmeras ocasiões trataram de
ignorar o fato de que muitas destas contas simplesmente nunca fecharam. É cômodo supor que uma pessoa em
estado de miséria vote em um candidato para ter a certeza de que seu Bolsa
Família não deixará de cair todo mês na conta, mas, quantos jovens de nível
universitário não se deixaram ludibriar com a promessa de que Dilma era
sinônimo de FIES? Como o próprio nome diz, o FIES é um fundo – de recursos
limitados portanto. A origem dos seus recursos reside em repasses das
loterias da Caixa e em pagamentos de dívidas antigas. Durante o ano de 2014, o
número de contratos feitos pelo programa saltou para 731 mil, praticamente
o dobro do registrado 2 anos antes, quando 377 mil contratos foram fechados. Em
2015, sem recursos, o fundo financiou apenas 252
mil contratos.
A
soma de todos estes custos dispersos se encontram em um número: R$
32,536 bilhões. Essa é a soma do primeiro déficit primário
desde que o país passou a adotar a política de controle sobre o crescimento da
dívida, em 1997. Graças a este número, a dívida pública brasileira deve crescer
quase 12% acima do PIB entre 2013 e 2014. O custo para financiá-la está hoje em
11,2%, contra 6,2% do mesmo período de 2014.
Você provavelmente deve estar se perguntando o que fazer – ou onde
encaixar todos estes números – para entender o quebra-cabeça do nosso atual
cenário. Todo economiquês governista, aquela linguagem de economistas oficiais
que em raros casos não pode ser definida com um “precisamos de mais impostos
seus”, serve para mostrar como o cenário atual está frágil em relação a tempos
não muito distantes. Você talvez só precise de um ou dois números – como o
desemprego em 8,1% e a inflação em 9,57% nos últimos 12 meses – para
saber que as coisas realmente não vão bem. Mas essa é essencialmente uma crise
de governo: em parte política, oriunda dos desdobramentos da operação
Lava-Jato, e em maior parte consequência de políticas
econômicas equivocadas adotadas pelo Planalto.
É,
portanto, na análise das contas públicas que está a solução para começarmos a
sair da crise.
Você
possivelmente deve estar se perguntando o que há de diferente no anúncio de
ontem dos ministros Joaquim Levy e Nelson Barbosa. Provavelmente o que mais lhe
interessa seja o retorno da CPMF, que com uma alíquota de 0,2% sobre cada
operação financeira sua, resultará em R$ 32 bilhões a mais nos cofres públicos.
Mas há um detalhe pouco percebido no anúncio de ontem.
Pela
primeira vez em 9 meses de ajustes fiscais, o alvo principal dos cortes não são
os benefícios trabalhistas ou os subsídios a empresas. O detalhe mais
importante do anúncio de ontem reside justamente no fato de que, pela primeira
vez, são os servidores públicos e a república de concurseiros quem pagarão sua
parte na conta. O governo anunciou que eliminará parte dos cargos comissionados
e congelará por 2 anos os concursos públicos. Pode-se dizer que ao menos pelos
próximos 2 anos, o sonho de que todos possam viver às custas de todos está
definitivamente suspenso. O sonho do distributivismo brasileiro definitivamente
só dura até acabar o dinheiro dos outros.
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