Capitalismo. Você provavelmente odeia esse negócio. Essa
palavrinha carrega uns duzentos quilos de problema. É quase um palavrão. Quando
a gente pensa nela, a primeira coisa que vem à cabeça é aquele sentimento de
avareza, de homens engravatados correndo atrás de dinheiro. Muito dinheiro. O
capitalismo precede um sintoma universal: nas salas de aula, nas redes sociais,
nos debates políticos, nos discursos do Papa, ele é o grande vilão do negócio.
E toda essa cara de malvado é justificada através de uma associação
com uma outra palavrinha, quase sempre presente para condená-lo aos
confins da imoralidade política: o egoísmo. Eis um sistema que condena impunemente
a humanidade a conviver com o abismo do abandono. Mas e se as coisas não
forem exatamente dessa forma? E se o capitalismo de livre mercado apresentar um
resultado exatamente oposto a esse?
A grande
dificuldade das pessoas em aceitar a economia de mercado reside em não entender
o paradoxo por trás dela – que, em parte, ajuda a explicar seu papel na
evolução de como nos organizamos em sociedade. Por mais egoísta que seja as
motivações dos homens em suas relações econômicas – e eu estou falando de você
e de mim aqui – buscando lucro, almejando conquistas individuais,
procurando alcançar satisfação pessoal e status, o capitalismo foi a maior
invenção de todos os tempos como uma máquina de serventia das pessoas. E se
você acha isso uma insanidade sem tamanho, faça um teste: busque por uma
fotografia de sua cidade há 200 anos e coloque ela no mesmo lugar de hoje.
Longe das proteções estatais que privilegiam grandes grupos
econômicos, na economia de mercado os indivíduos enriquecem atendendo às
demandas de quem está ao seu redor. Quanto mais o que você tem a oferecer é de
interesse dos outros – seja aquele sanduba sempre à disposição na esquina para
matar a fome das pessoas ou aquele computador que irá auxiliá-las a
desempenhar melhor seus trabalhos – mais você ganhará dinheiro com
isso. E isso acontece porque no capitalismo cada cédula de real
funciona como um voto. Quando você compra algo, é como se dissesse para as
demais pessoas que o cara do outro lado do balcão soube lhe servir.
E
é em busca de servir às pessoas que nós nos especializamos e criamos a divisão
de trabalho. Nela, em conjunto, a soma de todos os nossos esforços é muito
maior do que seria se cada um tivesse de fazer tudo sozinho. Foi isso que
testou na prática o americano Andy George, há poucos dias. Responsável por
um canal no Youtube chamado How
to Make Everything, Andy nos mostra o quão condenados ao
atraso estaríamos sem essa divisão de trabalho – e isso tudo,
desenvolvendo um
sanduíche de frango com queijo. Sim, um mero sanduíche – e se
você acha que produzi-lo é uma tarefa fácil, pense novamente. Andy
plantou e colheu seus próprios vegetais, ordenhou uma vaca (para a
produção do queijo), evaporou a água do oceano (para o sal), preservou seu
próprio picles, plantou e moeu seu próprio trigo, abateu, depenou e
cozinhou um frango. Todo esse processo lhe tomou 6 meses de vida
e um gasto de US$ 1.500. E tudo para fazer um mísero sanduíche, que
você encontra em qualquer esquina, a qualquer momento e por um preço estupidamente
barato.
Como
funciona a mágica aqui? A resposta está no tal paradoxo. Na economia
capitalista, cada um dos envolvidos nas diferentes partes do processo da
criação de um sanduíche escolhe seguir seu próprio caminho (algo
impossível numa economia socialista), justificado por razões egoístas,
motivadas – ao menos para a maior parte das pessoas – na busca pelo dinheiro. E
essa escolha inevitavelmente levará cada um dos envolvidos a
atender os interesses dos outros – num lugar onde a regra diz que o
cliente tem sempre razão. Quanto maior a sua motivação econômica, maior o seu
interesse em ser útil aos demais. O resultado final será previsível: uma
otimização do modo como cada um de nós nos disponibilizamos a servir a
humanidade.
É exatamente isso que nos conta o economista americano Walter
Williams – agora, a respeito de uma outra instituição muito cara
à economia capitalista: a propriedade privada.
“Às
vezes, as pessoas ficam chocadas quando digo que não me importo com as futuras
gerações. Então eu pergunto: o que as gerações futuras fizeram por mim? Quero
dizer, uma criança que vai nascer em 2050, o que ela fez por mim? E se ela não
fez nada para mim, como, então, eu sou obrigado a fazer algo por ela? Contudo,
eu digo para as pessoas: bem, onde eu moro, eu tenho uma bela propriedade e,
muitos anos atrás, eu comprei algumas mudas de pés de maçãs. Agora, quando
aquelas árvores alcançarem a maturidade, eu estarei morto. Muitas crianças de
2050 estarão se balançando nas minhas árvores, comendo as minhas maçãs.
A
senhora Wings, falecida há 4 anos, construiu uma grande varanda – e essa
varanda foi construída por ela com o meu dinheiro, a propósito. E essa varanda
durará mais do que nós. Muitas crianças de 2050 estarão sujando a varanda com
lama, a minha bela varanda. Bem, se você perguntar: por que eu faço o
sacrifício no meu consumo presente para produzir algo que irá durar mais do que
eu? Por que essas crianças de 2050 irão aproveitá-la? A resposta é muito
simples: é que, quanto melhor é a minha casa, maior é o tempo que ela será útil
como moradia, e maior será o preço que poderei cobrar quando for vendê-la. Isso
significa que perseguindo meu interesse egoísta, maximizando,
na linguagem dos adultos, o valor presente, eu não posso impedir que minha casa
esteja disponível para gerações futuras, querendo ou não.
Agora, eu pergunto: eu teria o mesmo conjunto de incentivos para cuidar da casa
se o governo fosse o proprietário? Eu teria o mesmo conjunto de incentivos se
existisse um imposto de transferência da ordem de 75% quando a vendesse? Não. Tudo
que enfraquece meus direitos privados de propriedade sobre a casa, enfraquece
meu incentivo a fazer a coisa socialmente responsável, que é conservar os
recursos escassos da nossa sociedade.“
Esses
incentivos, em parte, ajudam a explicar por que a capital cubana de Havana,
diferente da Filadélfia de Williams, mais parece um cenário de um filme
apocalíptico do que uma cidade do século 21.
E não pense que essa lógica funciona em interesse dos ricos. O que
hoje é produzido para servi-los, logo é massificado pela economia de
mercado. Em meados do século XIX, por exemplo, era um luxo ter um banheiro
dentro de casa mesmo em países desenvolvidos como a Inglaterra e a França. Ao
longo da história, objetos como espelhos, copos, sapatos e talheres, eram
considerados supérfluos, meras frivolidades burguesas. Mesmo há pouco tempo,
coisas como aparelho de celular, computador, televisão, ar condicionado,
eram tratados como requintes disponíveis apenas para o topo da
pirâmide. É através
desse paradoxo da busca egoísta em atender as demandas alheias
que o sistema econômico de mercado massifica o bem estar. E
isso é relativamente inédito em nossa história – antes disso tudo, o
status social de um homem permanecia inalterado do princípio ao fim de sua
vida. Se você nascesse pobre, seria pobre para sempre; se tivesse a sorte
de nascer rico, não haveria falência que pudesse tirar seus títulos de
nobreza pelo resto dos seus dias. Nesse tempo, que perdurou por uma força
incontável dos anos, o acesso aos bens que apenas uma minoria rica poderia
ostentar não passaria de um delírio distante para os mais pobres.
E
mesmo essa associação inconsciente do capitalismo com os mais ricos não se
justifica. Parte da esquerda acredita que quando liberais defendem o livre
mercado, defendem por tabela os interesses do empresariado, dos comerciantes,
dos industriais e dos patrões. Por tabela, associam essa visão ao credo de que
o liberalismo é hipócrita – a julgar que grandes empresários vivem mamando nas
tetas do governo, não é mesmo? Não poderia ser mais equivocado.
O
mercado não é um lugar onde apenas empresários e patrões atuam – você, um
estudante, um empregado de escritório, um consumidor de almanaque, também está
inserido nele. Há definitivamente outras forças em jogo. E nele, os incentivos
são claros: quanto maior a concorrência, melhor para os empregados, os
consumidores e aos homens e mulheres dispostos a atender suas demandas; quanto
maior o controle econômico, melhor para os grandes empresários, interessados em
abocanhar o poder estatal para defender seus projetos mesquinhos.
Embora
essa não seja uma regra, grandes empresários, não por acaso, tendem a ser
antiliberais. No capitalismo de livre mercado, os grandes capitalistas são
quase sempre os maiores inimigos da livre concorrência capitalista. E é
exatamente por isso que toda vez que alguém defende que o governo atue
para controlar o poder dos grandes cronys – que só se tornaram grandes graças a
privilégios estatais – os auxilia a propagar seus próprios interesses.
Afinal, controlar Brasília é muito mais fácil do que tentar ditar os rumos de
um mercado descentralizado.
E não pense que o paradoxo reside apenas no próprio
sistema. A ideia que se faz do interesse próprio é igualmente paradoxal. A
grosso modo, todos nós condenamos o egoísmo e reconhecemos que doar-se para os
outros de modo completamente desprendido é uma atitude admirável da natureza
humana. Egoístas, avarentos, sovinas, gente gananciosa, normalmente é encarada
com desprezo. Mas então, por que raios a maioria das pessoas não são
altruístas? Pare um segundo e se questione: quantas pessoas você conhece que realmente
pensem primeiro nos outros do que em si mesmas? Eu aposto que não chegará a
preencher os dedos de uma única mão (e isso sendo ridiculamente otimista).
Vamos
imaginar um cenário hipotético em que você é pai ou mãe de um garoto
adolescente guiado pelo altruísmo. Na escola, ele pouco se preocupa em
desempenhar seu papel de aluno – sempre à disposição para fazer o trabalho
dos outros. Durante o intervalo, seu lanche não é seu. Seus finais de semana
são recheados de afazeres em instituições de caridade. Não importa o que
aconteça, seu filho definitivamente jamais olha para o seu próprio umbigo. E
então, qual a sua posição aqui? Se essa fosse uma exceção – e não a regra –
você certamente teria um desses orgulhos corujas. Mas se a cena se repetisse
dia após dia, ininterruptamente? Posso apostar que você colocaria ele num canto
da sala para conversar e diria que chegou a hora dele pensar um pouco mais em
si mesmo, de ter mais ambição na vida e de praticar a tal palavrinha
maldita do egoísmo.
Para
o biólogo britânico Matt Ridley, apesar de elogiarmos de forma categórica o
altruísmo, não esperamos que ele esteja à frente das nossas vidas – e nem das
pessoas que estão muito próximas a nós. E isso tudo é racional. Quanto mais
aquele seu conhecido contato, e com ele toda humanidade, são altruístas, melhor
para você – em contrapartida, quanto mais você e seus contatos mais próximos
praticam o egoísmo, melhor para vocês. É um dilema da nossa natureza – e nele,
não importa o que aconteça, quanto mais você defende o altruísmo, mais você se
dará bem no final.
E
é por isso que socialmente o capitalismo – que é individualista – é encarado
com desdém. Mas aqui, não sem uma grande confusão de termos. E para
descomplicá-los, irei apelar para o Nobel de Economia, o
austríaco Friedrich Hayek:
“Este
é o fato fundamental em que se baseia toda a filosofia do individualismo. Ela
não parte do pressuposto de que o homem seja egoísta ou deva sê-lo, como muitas
vezes se afirma. Parte apenas do fato incontestável de que os limites dos nossos
poderes de imaginação nos impedem de incluir em nossa escala de valores mais
que uma parcela das necessidades da sociedade inteira; e como, em sentido
estrito, tal escala só pode existir na mente de cada um, segue-se que só
existem escalas parciais de valores, as quais são inevitavelmente distintas
entre si e mesmo conflitantes. Daí concluem os individualistas que se deve
permitir ao indivíduo, dentro de certos limites, seguir seus próprios valores e
preferências em vez dos de outros; e que, nesse contexto, o sistema de
objetivos do indivíduo deve ser soberano, não estando sujeito aos ditames
alheios. É esse reconhecimento do indivíduo como juiz supremo dos próprios
objetivos, é a convicção de que suas ideias deveriam governar-lhe tanto quanto
possível a conduta, que constitui a essência da visão individualista.”
Dessa maneira, numa economia capitalista, seja um altruísta ou um
desses mãos de vaca que andam apressados pelas grandes cidades, você é livre
para seguir a conduta que preferir e ser responsabilizado por ela. Mas uma
dica: os incentivos econômicos lhe guiarão a procurar atender as demandas das
pessoas.
“E
os governos?”, você deve estar se perguntando. Ora, seguem a lógica
exatamente oposta. Neles, independentemente do partido ou da ideologia, não há
motivação pelo egoísmo – políticos são eleitos para servir às pessoas. Mas,
como nos explica a Teoria da Escolha Pública, eles não se transformam em
máquinas de altruísmo no momento em que tomam posse. Muito pelo contrário:
assim como todos nós, políticos também defendem seus próprios interesses. E
esses interesses, na maior parte das vezes, são
conflitantes com os nossos. Guiados por incentivos racionais, eles não pensarão
duas vezes antes de olhar para os seus próprios umbigos – num cenário de
soma zero em que construir algo para os outros é relativamente
dispensável para obter um cargo em que o marketing e as promessas de
esperança, a base da democracia em qualquer canto do mundo, dão conta do
recado.
Portanto
aqui, se você realmente se preocupa em servir as pessoas, está na hora de
olhar para os incentivos e as origens da virtude: elas o guiarão
inevitavelmente a defender um controle maior sobre as ações do mundo
político e uma maior liberdade para que as pessoas possam cuidar dos
outros e de si mesmas através do mercado.
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