RIO — Integrante da força-tarefa da Operação Lava-Jato, o procurador Deltan Dallagnol criticou, nesta segunda-feira, a demora do sistema judiciário brasileiro em julgar casos envolvendo crimes de corrupção. Em entrevista a jornalistas antes de participar de uma apresentação do projeto "10 medidas contra a corrupção", iniciativa do Ministério Público Federal (MPF), Dallagnol afirmou que o modo de como a corrupção é punida no país "acaba se tornando uma piada":
— Uma piada, e uma piada de mau gosto! A pena da corrupção varia de dois
a 12 anos de prisão. Parece uma pena alta. Mas a dosimetria de penas no Brasil,
tradicionalmente, faz com que fique perto da pena mínima. Essa pena não vai
ultrapassar quatro anos. É uma pena que não ultrapassa quatro anos e é
executada em regime aberto. Ou seja: a pessoa teria que dormir na casa do
albergado. Como não existem casas do albergado, a pessoa fica em casa. Não
existe fiscalização. Isso equivale a nada. Uma pena menor que quatro anos é
substituída por doações de cestas básicas e prestação de serviços comunitários.
Para piorar o cenário, depois de um quarto de cumprimento da pena, ela é
extinta por um decreto anual de indulto natalino. O que faz que a corrupção não
seja um crime de alto risco. Se você não tem o freio ético, a corrupção vale a
pena. Pretendemos que a corrupção seja um crime de alto risco.
O projeto "10 medidas contra a corrupção", que será lançado
oficialmente em 7 de agosto, tem o objetivo de coletar 1,5 milhão de
assinaturas para que as propostas de combate à corrupção e à impunidade sejam
apresentadas ao Congresso e se tornem lei. Uma delas, por exemplo, é
transformar em crime hediondo casos de desvios de dinheiro público de altos
valores.
Deltan Dallagnol apresentou a iniciativa representantes de igrejas e
Organizações Não-Governamentais (ONGs) no Seminário Teológico Batista do Sul do
Brasil, na Tijuca, Zona Norte do Rio. Segundo o procurador, que não quis falar
sobre o andamento das investigações da Lava-Jato, a demora no julgamentos dos
processos contribui para a impunidade:
— Para
combater a corrupção, precisamos combater a impunidade. O Brasil é um país que
vive da impunidade dos criminosos do colarinho branco. Vários são os fatores
que contribuem para que essa impunidade aconteça. Um desses fatores é a demora
do julgamento dos casos penais. Se eu virar para o meu filho e disser:
"Você cometeu uma travessura. Papai vai te punir daqui a 12 anos", eu
não só vou estragar meu filho e ele vai virar um travesso profissional, como
também vou gerar um clima de impunidade na minha casa. Processos de colarinho
branco no Brasil demoram 10, 15, 20 anos para chegarem no fim. Quando chegam,
em razão da própria demora, há o que chamamos de prescrição, que é o
cancelamento do caso final. Essas são mazelas de nosso sistema de justiça
criminal. São problemas que precisam ser enfrentados.
Deltan Dallagnol citou o caso do Banco Banestado, que foi investigado em
um esquema de transferência para paraísos fiscais de dinheiro da corrupção e do
tráfico de drogas por meio de depósitos de doleiros em contas de laranjas e em
contas no exterior.
— Tramitamos todo o processo até o final. Chegamos a uma condenação
definitiva e pronta para ser executada. Uma vez chegado este momento final, a
pessoa, um réu do colarinho branco, entrou com uma revisão criminal e esperamos
até o final. Chegamos ao momento de execução da pena e esse réu conseguiu um
habeas corpus no Supremo Tribunal Federal para suspender a execução para
rediscutir a dosimetria de pena. O processo acaba se tornando algo rumo ao
infinito.
No entanto, o procurador disse acreditar que, no caso da Lava-Jato, a
tramitação seja diferente:
— Nós cremos que, no caso da Lava-Jato, em razão de sua dimensão e da
sua importância, o Judiciário dará um tratamento célere para esse caso. Agora,
o problema é como funciona o sistema. A Suprema Corte americana julga 100 casos
por ano. A Suprema Corte brasileira julga 100 mil casos por ano. Como você vai
conseguir uma celeridade a um julgamento efetivo quando você tem quatro
instâncias? Coisa que eu desconheça que exista em qualquer outro país do mundo.
A Operação Lava-Jato investiga o desvio de dinheiro da Petrobras
envolvendo políticos e empreiteira que prestam serviços à estatal.
— São medidas que pretendem aumentar a pena para crimes de corrupção num
processo mais rápido e tornar o resultado do processo mais efetivo. Levar à
cadeia os corruptos e recuperar o dinheiro desviado — disse a procuradora
regional da República, Mônica de Ré, do Núcleo de Combate à Corrupção do
Procuradoria Regional da República do Rio.
Segundo a procuradora, o projeto visa fazer mudanças pontuais na
legislação com a ajuda da iniciativa popular:
— É igual foi a campanha da Lei da Ficha Limpa para o Congresso apreciar
esses projetos de lei e votarem.
Para Mônica de Ré, que também participará da apresentação do projeto ao
lado de Deltan Dallagnol, a ideia é fazer com que ocorram operações Lava-Jato
em todo o país:
— Queremos grandes Lava-Jato em todo o Brasil. Esses projetos visam
exatamente agilizar o processo penal. Com as medidas, vai ser mais fácil para o
Ministério Público Federal processar essas pessoas.
MEDIDAS PROPOSTAS PELO MPF:
Investimento na prevenção à corrupção;
Criminalização do enriquecimento ilícito de agentes públicos;
Punição adequada da corrupção, transformando aquela de altos valores em
crime hediondo;
Aumento da eficiência e da justiça dos recursos no processo penal;
Aumento da eficiência das ações de improbidade administrativa;
Ajustes na prescrição penal contra a impunidade e a corrupção;
Ajustes nas nulidades penais contra a impunidade e a corrupção;
Responsabilização objetiva de partidos e criminalização do “caixa 2” e
lavagem eleitorais;
Prisão preventiva para evitar a dissipação do dinheiro desviado;
Medidas para recuperar o lucro do crime.
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