Empreiteiras envolvidas agiam em
sintonia com o Instituto Lula. Documento mostra que até as explicações da
Odebrecht, que pagou 1 bilhão de reais em propina, eram combinadas com a
entidade
O
sobrado de dois andares que aparece nas páginas que abrem esta reportagem nem
de longe lembra um palácio. As aparências, como sempre, enganam. Nele funciona
desde 2011 o Instituto Lula, entidade concebida pelo ex-presidente Luiz Inácio
Lula da Silva para servir de plataforma à sua atuação política após deixar o
Palácio do Planalto. Pelo menos no papel, os planos de Lula para seu instituto
eram o mais ambiciosos e altruístas possível. A entidade foi concebida para
funcionar como um centro de integração da América Latina, um pilar para
fortalecer a democracia nos países em desenvolvimento e ajudar a acabar com a
fome na África. Tudo muito nobre, se por trás dos objetivos messiânicos não
estivessem os empreiteiros envolvidos no escândalo da Petrobras. As
investigações da Polícia Federal já revelaram que o dinheiro desviado da
estatal financiou o funcionamento do instituto. Além disso, fica cada vez mais
evidente que o ex-presidente Lula acabou usando sua influência no Brasil e no
exterior para fomentar os negócios de criminosos - e ganhou muito dinheiro com isso.
A favor do ex-presidente há o fato de
que ele pode ter agido com as melhores intenções - enganado pelos seus
contratantes, sem saber a origem do dinheiro que foi doado pelos empresários ao
seu instituto. Ao fazer lobby para as empreiteiras no exterior, estaria
pensando exclusivamente no bem do Brasil e nos milhares de empregos que
poderiam ajudar a aplacar a miséria do Terceiro Mundo. Se isso for verdade, ele
era o único bom samaritano da história. Na semana passada, os procuradores que
investigam o petrolão denunciaram as cúpulas das empreiteiras Andrade Gutierrez
e Odebrecht. Esta última, a maior do país e uma das maiores do mundo, por
crimes de corrupção e lavagem de dinheiro. Os dados que sustentam a acusação
são estarrecedores. A empreiteira movimentou mais de 1 bilhão de reais em
contas secretas no exterior. Parte desse dinheiro, descobriu-se, foi usada para
subornar diretores da Petrobras.
No ano passado, Paulo Roberto Costa,
ex-diretor da estatal, contou em sua delação premiada ter recebido 23 milhões
de dólares em propina paga pela Odebrecht. Era sua parte, a menor, na ampla
rede de distribuição de subornos em troca dos milionários contratos da
Petrobras. A empreiteira negava. Seguindo o dinheiro, os investigadores
descobriram que a companhia abriu uma série de empresas de fachada no exterior
para esconder os pagamentos de propina. Na sexta-feira, o juiz Sergio Moro
decretou pela segunda vez a prisão preventiva de Marcelo Odebrecht, Alexandrino
Alencar e outros executivos da companhia. A nova ordem de prisão teve por base
informações bancárias remetidas ao Brasil pelas autoridades suíças que não
deixam dúvidas de que a maior construtora brasileira está envolvida até o
pescoço no escândalo de corrupção da Petrobras.
Na semana passada, a Polícia Federal
também anexou ao processo anotações encontradas nos telefones apreendidos com
Marcelo Odebrecht e documentos apreendidos com os diretores da empreiteira. As
notas mostram que o empreiteiro, diferentemente do que vinha sustentando, não
só tinha conhecimento como exercia controle sobre as atividades paralelas da
empreiteira no petrolão, incluindo a estratégia para tentar melar a
investigação. Nas anotações constam cifras, nomes de figuras importantes
associadas a cifras, obras associadas a cifras, contas na Suíça - provavelmente
as mesmas agora descobertas pelos investigadores. Em uma das anotações, Marcelo
insinua que as contas suíças abasteceram campanhas políticas, entre elas a da
presidente Dilma Rousseff. Muito ainda precisa ser investigado.
Há outra evidência importante que
eclode dessa parte da investigação: a parceria que havia entre a Odebrecht e o
Instituto Lula. Uma troca de mensagens interceptada pela Polícia Federal e
juntada na semana passada ao processo da Lava-Jato ilustra bem a relação entre
a entidade beneficente do ex-presidente e a empreiteira que corrompeu metade da
diretoria da Petrobras nomeada por ele. Na origem da troca de mensagens está
uma lista de perguntas enviadas por VEJA à companhia sobre os pagamentos feitos
ao ex-presidente e a seu instituto. A Lava-Jato tinha acabado de revelar que a
Camargo Corrêa, outra empreiteira flagrada no petrolão, havia repassado 4,5
milhões de reais a Lula. Uma parte do valor, 1,5 milhão, foi paga diretamente à
LILS, empresa de palestras e eventos aberta pelo petista. E a outra parcela, de
3 milhões, seguiu para contas do Instituto Lula. Curiosamente, um dos depósitos
foi anotado na contabilidade da Camargo sob a rubrica "bônus
eleitorais". Como já se sabia que a Odebrecht também havia dado dinheiro a
Lula, VEJA perguntou à companhia os valores e a justificativa para tais
pagamentos.
Ao encaminhar as perguntas à diretoria,
um assessor da Odebrecht primeiro explica: "Caros, a Veja nos procurou
hoje para falar das nossas relações com o Instituto Lula. Deixaram claro que o
gancho deles é a divulgação, no contexto da Lava-Jato, da 'doação' da Camargo
para o instituto". Depois, sem saber que a mensagem pararia nas mãos da
Polícia Federal, ele comete uma inconfidência: "Alex, vou alinhar com o
Instituto Lula, no paralelo". Alex, no caso, é Alexandrino Alencar, então
diretor de relações institucionais da Odebrecht, atualmente preso em Curitiba
junto com Marcelo Odebrecht. Era a Alexandrino que cabia operacionalizar a
relação com Lula e seu instituto e, nas horas vagas, providenciar pagamentos de
propinas no exterior.
"Alinhar com o Instituto Lula, no
paralelo" é um eufemismo para definir o que ocorreria nos instantes
seguintes: a resposta da Odebrecht à revista seria cuidadosamente combinada com
o staff do ex-presidente. Como era de esperar, a companhia respondeu às
perguntas de VEJA sem responder. Não informou, por exemplo, quanto pagou nem os
motivos do pagamento. "A Odebrecht fez contribuições pontuais ao Instituto
Lula, dentro do seu programa de apoio às iniciativas que ajudam a fortalecer as
democracias", escreveu a Odebrecht na resposta.
Não é a primeira vez que o Instituto
Lula aparece ligado ao petrolão e aos seus personagens. Antes de serem presos,
executivos da empreiteira UTC, também envolvida no escândalo, visitaram Lula na
sede do instituto para pedir ajuda. O mesmo aconteceu com representantes de
outras construtoras acusadas, incluindo a OAS de Léo Pinheiro. Apostavam -
alguns ainda apostam - que o ex-presidente tinha condições de usar seu
prestígio nos tribunais de Brasília para livrá-los da cadeia e até anular os
processos conduzidos em Curitiba pelo juiz Sergio Moro. Muitos dos empreiteiros-amigos
não fizeram nem questão de esconder o pedido de socorro. O próprio Alexandrino,
o Alex, ao ser preso pela Polícia Federal, pediu para dar três telefonemas. Um
deles, para o Instituto Lula.
Nota a VEJA: Em resposta a esta reportagem, o diretor
de comunicação da Odebrecht S.A., Sérgio Bourroul, afirma que a construtora
Norberto Odebrecht "tem sido questionada pela imprensa, com frequência,
nos últimos meses, sobre a contratação de palestras do ex-presidente Luiz
Inácio Lula da Silva, assim como sobre doações ao Instituto Lula. Muitos dos
questionamentos são sobre questões contratuais, por isso é natural que sejam
alinhadas entre as partes. Vale notar, porém, que embora seja natural este tipo
de conversa prévia sobre demandas de imprensa que envolvem duas partes, as
respostas enviadas por Odebrecht e Instituto Lula sempre foram absolutamente
independentes - cada qual tratando de suas responsabilidades".
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